Em seguida, disponibilizamos o artigo de Antônio Spadaro “A comunicação não excomunga. Cinco pontos da mensagem do Papa Francisco para o 50º Dia Mundial das Comunicações”.
Por último, divulgamos o link de um artigo sobre os meios de comunicação no Brasil “Monopólio ou oligopólio? Contribuição ao debate”, publicado pelo site Observatório da Imprensa em janeiro de 2015, na edição 83, a fim de colaborar com a reflexão sobre o Dia Mundial dos Meios de Comunicação, comemorado no dia 27 deste mês.
Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo
Queridos irmãos e irmãs!
O Ano Santo da Misericórdia convida-nos a reflectir sobre a relação entre a comunicação e a misericórdia. Com efeito a Igreja unida a Cristo, encarnação viva de Deus Misericordioso, é chamada a viver a misericórdia como traço característico de todo o seu ser e agir. Aquilo que dizemos e o modo como o dizemos, cada palavra e cada gesto deveria poder expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos. O amor, por sua natureza, é comunicação: leva a abrir-se, não se isolando. E, se o nosso coração e os nossos gestos forem animados pela caridade, pelo amor divino, a nossa comunicação será portadora da força de Deus.
Como filhos de Deus, somos chamados a comunicar com todos, sem exclusão. Particularmente próprio da linguagem e das acções da Igreja é transmitir misericórdia, para tocar o coração das pessoas e sustentá-las no caminho rumo à plenitude daquela vida que Jesus Cristo, enviado pelo Pai, veio trazer a todos. Trata-se de acolher em nós mesmos e irradiar ao nosso redor o calor materno da Igreja, para que Jesus seja conhecido e amado; aquele calor que dá substância às palavras da fé e acende, na pregação e no testemunho, a «centelha» que os vivifica.
A comunicação tem o poder de criar pontes, favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade. Como é bom ver pessoas esforçando-se por escolher cuidadosamente palavras e gestos para superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia. As palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos sociais, os povos. E isto acontece tanto no ambiente físico como no digital. Assim, palavras e acções hão-de ser tais que nos ajudem a sair dos círculos viciosos de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros os indivíduos e as nações, expressando-se através de mensagens de ódio. Ao contrário, a palavra do cristão visa fazer crescer a comunhão e, mesmo quando deve com firmeza condenar o mal, procura não romper jamais o relacionamento e a comunicação.
Por isso, queria convidar todas as pessoas de boa vontade a redescobrirem o poder que a misericórdia tem de curar as relações dilaceradas e restaurar a paz e a harmonia entre as famílias e nas comunidades. Todos nós sabemos como velhas feridas e prolongados ressentimentos podem aprisionar as pessoas, impedindo-as de comunicar e reconciliar-se. E isto aplica-se também às relações entre os povos. Em todos estes casos, a misericórdia é capaz de implementar um novo modo de falar e dialogar, como se exprimiu muito eloquentemente Shakespeare: «A misericórdia não é uma obrigação. Desce do céu como o refrigério da chuva sobre a terra. É uma dupla bênção: abençoa quem a dá e quem a recebe» (O mercador de Veneza, Acto IV, Cena I).
É desejável que também a linguagem da política e da diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia, que nunca dá nada por perdido. Faço apelo sobretudo àqueles que têm responsabilidades institucionais, políticas e de formação da opinião pública, para que estejam sempre vigilantes sobre o modo como se exprimem a respeito de quem pensa ou age de forma diferente e ainda de quem possa ter errado. É fácil ceder à tentação de explorar tais situações e, assim, alimentar as chamas da desconfiança, do medo, do ódio. Pelo contrário, é preciso coragem para orientar as pessoas em direcção a processos de reconciliação, mas é precisamente tal audácia positiva e criativa que oferece verdadeiras soluções para conflitos antigos e a oportunidade de realizar uma paz duradoura. «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. (...) Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 7.9).
Como gostaria que o nosso modo de comunicar e também o nosso serviço de pastores na Igreja nunca expressassem o orgulho soberbo do triunfo sobre um inimigo, nem humilhassem aqueles que a mentalidade do mundo considera perdedores e descartáveis! A misericórdia pode ajudar a mitigar as adversidades da vida e dar calor a quantos têm conhecido apenas a frieza do julgamento. Seja o estilo da nossa comunicação capaz de superar a lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar situações de pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas. É nosso dever admoestar quem erra, denunciando a maldade e a injustiça de certos comportamentos, a fim de libertar as vítimas e levantar quem caiu. O Evangelho de João lembra-nos que «a verdade [nos] tornará livres» (Jo 8, 32). Em última análise, esta verdade é o próprio Cristo, cuja misericórdia repassada de mansidão constitui a medida do nosso modo de anunciar a verdade e condenar a injustiça. É nosso dever principal afirmar a verdade com amor (cf. Ef 4, 15). Só palavras pronunciadas com amor e acompanhadas por mansidão e misericórdia tocam os nossos corações de pecadores. Palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queríamos levar à conversão e à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa.
Alguns pensam que uma visão da sociedade enraizada na misericórdia seja injustificadamente idealista ou excessivamente indulgente. Mas tentemos voltar com o pensamento às nossas primeiras experiências de relação no seio da família. Os pais amavam-nos e apreciavam-nos mais pelo que somos do que pelas nossas capacidades e os nossos sucessos. Naturalmente os pais querem o melhor para os seus filhos, mas o seu amor nunca esteve condicionado à obtenção dos objetivos. A casa paterna é o lugar onde sempre és bem-vindo (cf.Lc 15, 11-32). Gostaria de encorajar a todos a pensar a sociedade humana não como um espaço onde estranhos competem e procuram prevalecer, mas antes como uma casa ou uma família onde a porta está sempre aberta e se procura aceitar uns aos outros.
Para isso é fundamental escutar. Comunicar significa partilhar, e a partilha exige a escuta, o acolhimento. Escutar é muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao âmbito da informação; escutar, ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e requer a proximidade. A escuta permite-nos assumir a atitude justa, saindo da tranquila condição de espectadores, usuários, consumidores. Escutar significa também ser capaz de compartilhar questões e dúvidas, caminhar lado a lado, libertar-se de qualquer presunção de omnipotência e colocar, humildemente, as próprias capacidades e dons ao serviço do bem comum.
Escutar nunca é fácil. Às vezes é mais cómodo fingir-se de surdo. Escutar significa prestar atenção, ter desejo de compreender, dar valor, respeitar, guardar a palavra alheia. Na escuta, consuma-se uma espécie de martírio, um sacrifício de nós mesmos em que se renova o gesto sacro realizado por Moisés diante da sarça-ardente: descalçar as sandálias na «terra santa» do encontro com o outro que me fala (cf. Ex 3, 5). Saber escutar é uma graça imensa, é um dom que é preciso implorar e depois exercitar-se a praticá-lo.
Também e-mails, SMS, redes sociais, chat podem ser formas de comunicação plenamente humanas. Não é a tecnologia que determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua capacidade de fazer bom uso dos meios ao seu dispor. As redes sociais são capazes de favorecer as relações e promover o bem da sociedade, mas podem também levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O ambiente digital é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar ou ferir, realizar uma discussão proveitosa ou um linchamento moral. Rezo para que o Ano Jubilar, vivido na misericórdia, «nos torne mais abertos ao diálogo, para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação» (Misericordiae Vultus, 23). Em rede, também se constrói uma verdadeira cidadania. O acesso às redes digitais implica uma responsabilidade pelo outro, que não vemos mas é real, tem a sua dignidade que deve ser respeitada. A rede pode ser bem utilizada para fazer crescer uma sociedade sadia e aberta à partilha.
A comunicação, os seus lugares e os seus instrumentos permitiram um alargamento de horizontes para muitas pessoas. Isto é um dom de Deus, e também uma grande responsabilidade. Gosto de definir este poder da comunicação como «proximidade». O encontro entre a comunicação e a misericórdia é fecundo na medida em que gerar uma proximidade que cuida, conforta, cura, acompanha e faz festa. Num mundo dividido, fragmentado, polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade.
A comunicação não excomunga
Cinco pontos da mensagem do Papa Francisco para o 50º Dia Mundial das Comunicações
Artigo de Antonio Spadaro
O "poder da comunicação" é a "proximidade". A proximidade desencadeia uma tensão bipolar de aproximação e de afastamento e, em seu interior, apresenta uma oposição qualitativa: aproximar-se bem e aproximar-se mal. Essa é a tarefa daqueles que hoje estão comprometidos na comunicação.
A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado no seu blog Cyberteologia, 23-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com a sua Mensagem para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco quis conectar o tema da "Comunicação" ao da "Misericórdia". A aproximação não é óbvia. O que significa comunicar de maneira misericordiosa? Como se faz para comunicar a misericórdia?
Assinalo em seguida cinco pontos a meu ver centrais na mensagem do papa.
1) A comunicação é "credível" se é "confiável"
O pressuposto de base dessa mensagem é que tudo o que fazemos é comunicação. O amor é comunicação: quando é amor verdadeiro, não pode se isolar. Se fosse isolado, seria uma forma espiritualista de egoísmo. Portanto, justamente no modo em que tentamos viver com todo o nosso ser o que estamos comunicando, contribuiremos para restituir credibilidade à comunicação humana. Esse é o sentido do início da mensagem. A comunicação é "credível" não só se objetivamente corresponde à verdade, mas se é "confiável", isto é, expressão de uma relação de confiança, de um compromisso do comunicador de viver bem a sua relação com quem ouve ou com quem participa do evento comunicativo.
2) A comunicação da Igreja não é "exclusiva"
Francisco começa logo a falar da comunicação eclesial. E diz que ela deve ser inclusiva, de Mãe, capaz de "tocar os corações das pessoas e sustentá-las no caminho". Devemos comunicar como filhos de Deus com outros filhos de Deus, sem distinção de credo, ideia, visão de mundo. Portanto, devemos parar o processo de degradação das palavras, o nominalismo da nossa cultura. As pessoas estão cansadas de palavras sem peso próprio, que não se fazem carne, que, na nossa pregação, fazem com que Cristo não se manifesta mais como pessoa, mas como ideia, conceito, teoria doutrinal abstrata. Restitua-se à palavra – especialmente a da pregação – a sua "centelha" que a torna viva e que dá calor e odor humano às palavras da fé.
3) A comunicação não excomunga
"A comunicação tem o poder de criar pontes, de favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade", escreve o papa. E "as palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos sociais, os povos". Até mesmo quando "deve condenar com firmeza o mal, procura não romper jamais a relação e a comunicação". A comunicação, justamente por estimular a criatividade, sempre deve criar pontes, favorecer a acessibilidade, enriquecer a sociedade. Devemos nos alegrar com o poder de palavras e ações escolhidas com cuidado para superar as incompreensões, curar as recordações e construir paz e harmonia. As palavras constroem pontes, são "pontífices" entre as pessoas. E isso em toda a parte: tanto no ambiente físico quanto no digital. Palavras e ações devem nos ajudar a fugir do círculo vicioso da condenação e da vingança que continua enjaulando os indivíduos, as pessoas e as nações, e que, depois, se exprime com mensagens de ódio.
A palavra do cristão, em particular, deve tender à comunhão e, portanto, livrar-se da atitude de "excomunhão". Recordamos que "a memória das mútuas sentenças de excomunhão, junto com as palavras ofensivas e as reprimendas infundadas por muitos séculos, representou um obstáculo à reaproximação", mesmo entre os cristãos. "A lógica do antagonismo, da desconfiança e da hostilidade, simbolizada pelas excomunhões recíprocas", deve ser "substituída pela lógica do amor e da fraternidade", escrevera o Papa Francisco na sua Mensagem à Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico, para a festa de Santo André, em 2015.
Para não romper a comunhão, é importante saber ouvir, isto é, "ser capaz de compartilhar perguntas e dúvidas, de percorrer um caminho lado a lado, de se livrar de qualquer presunção de onipotência e colocar humildemente as próprias habilidades e os próprios dons a serviço do bem comum".
4) A misericórdia é política
"Gostaria, portanto, de convidar todas as pessoas de boa vontade a redescobrirem o poder da misericórdia de curar as relações dilaceradas e de restaurar a paz e a harmonia", escreve o Papa Francisco, salientando que "isso também vale para as relações entre os povos". Assim, "é desejável que também a linguagem da política e da diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia, que nunca dá nada por perdido" Esse é o sentido da "diplomacia da misericórdia" para Francisco: não considerar jamais nada por perdido na relação entre povos e nações. Para isso deve servir a comunicação política, portanto.
O papa convida aqueles que estão presos em velhas hostilidades a tomarem o caminho da misericórdia; a reconhecer as próprias responsabilidades; e a pedir perdão e mostrar misericórdia para com aqueles que lhe fizeram mal. Vamos além da distinção entre "vítimas" e "carrascos".
Mas também devemos superar outra lógica: a que contrapõe "vencedores" e "vencidos". Vivemos em um mundo onde estamos acostumados a ter que provar o quanto valemos, a ter que conquistar o respeito e a admiração dos outros. Muitas vezes, tal reconhecimento é reservado para aqueles que alcançaram o sucesso através do bem estar, do poder e da fama. Como resultado, podemos notar um fosso crescente entre aqueles que são vistos como vencedores e aqueles que são julgados como perdedores. Na sociedade, as pessoas competem para impor o seu próprio valor e dignidade, e quem está no topo quer manter os outros embaixo. Tal visão enfraquece a dignidade das pessoas e, em particular, tem como resultado que aqueles que fracassaram ou que são julgados como não à altura das expectativas são marginalizados e rejeitados. O nosso modo de comunicar, portanto, nunca deve expressar o orgulho soberbo do triunfo sobre um inimigo, nem humilhar aqueles que são descartados, que são considerados "perdedores" e são abandonados. A misericórdia pode ajudar a mitigar as adversidades da vida e oferecer calor para aqueles que só conheceram a frieza do juízo. Um homem pode olhar para outro homem de cima para baixo apenas para ajudá-lo a se levantar.
Por fim – lemos – "o estilo da nossa comunicação capaz de superar a lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar situações de pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas". De fato, "palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queríamos levar à conversão e à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa".
5) A rede constrói cidadania
Se a comunicação tem uma relevância política, ela também tem um peso cada vez mais forte no fato de nos sentirmos cidadãos, na construção da cidadania. Reconhecendo a rede como lugar para uma "comunicação plenamente humana", o papa afirma que, "em rede, também se constrói uma verdadeira cidadania. O acesso às redes digitais implica uma responsabilidade pelo outro, que não vemos mas é real, tem a sua dignidade que deve ser respeitada. A rede pode ser bem utilizada para fazer crescer uma sociedade sadia e aberta à partilha".
O "poder da comunicação" é a "proximidade". A proximidade desencadeia uma tensão bipolar de aproximação e de afastamento e, em seu interior, apresenta uma oposição qualitativa: aproximar-se bem e aproximar-se mal. Essa é a tarefa daqueles que hoje estão comprometidos na comunicação: "Em um mundo dividido, fragmentado, polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade".
Monopólio ou oligopólio? Contribuição ao debate
Por Venício A. de Lima e Bráulio Santos Rabelo