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[Convite à Reflexão] – Capelania
05.05.2016 | 16:24 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] – Capelania
O tema deste convite à reflexão é a família. A tua, a minha, a nossa família. Não a família ideal, mas a real e a possível nos tempos que correm, e, certamente, a família com a qual sonhamos. Quem nos fala da família é o Papa Francisco, que volta e meia nos surpreende. A surpresa  desta vez é por conta de uma nova linguagem, mais  de acordo com o Evangelho, uma  linguagem à qual não estávamos acostumados no contexto eclesial apresenta uma visão não legalista, mas positiva, afirmativa, acolhedora da família, e de compreensão misericordiosa com suas mazelas, divisões e asperezas.  Um tom que permite sonhar com novos tempos para as famílias, cristãs ou não. Um novo clima de acolhida para casais em segundas núpcias ou simplesmente diferentes, mas que querem viver sua fé e a alegria do amor.

Apresentamos três textos: O primeiro é uma apresentação da encíclica pelo capelão da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), padre Martinho Lenz. O segundo constitui uma síntese de três páginas, destacando o que há de mais significativo em cada capítulo da encíclica. O terceiro texto faz uma leitura crítica do documento. Fala de seus avanças, hesitações, lacunas, esperanças. Mas sobretudo da nova perspectiva que perpassa esse novo documento de um papa, que veio de longe e que, de vagar e com segurança, vai levando a Igreja a uma profunda reforma interna, de ordem espiritual e pastoral. A ser uma Igreja mais evangélica, em saída e de portas abertas a todos. Boa leitura!

Introdução a um documento inovador

"A alegria do amor” (“Amoris Laetitia”, em latim) é o nome do novo documento divulgado pelo Papa Francisco sobre a família. O texto recolhe as conclusões do Sínodo Ordinário da Família, realizado em Roma em outubro do ano passado. Vale-se também das reflexões do Sínodo extraordinário sobre a Família, realizado em outubro de 2014. Não se trata de nenhuma revolução da doutrina moral da Igreja. A grande novidade do documento é a sua linguagem pastoral, num tom inteiramente novo do usual nesses documentos, na opinião do jornalista Christoph Strack. O papa Francisco apresentou os principais pontos do encontro, deixando mais do que claros aqueles que considera principais. São 325 pontos, em quase 200 páginas. Um texto muitas vezes bíblico, marcado pela espiritualidade. Sim, trata-se de uma conversa diferente sobre o amor, sobre o relacionamento e a família, sobre suas belezas e dificuldades, daquela pregação habitual na Igreja.
 O Papa fala das necessidades materiais de muitas famílias não somente em países do Sul, a questões educacionais e de pregação e ao aconselhamento matrimonial. O tratado abrangente, muitas vezes bem embasado espiritualmente. E mesmo que Francisco sempre cite seus antecessores, posicionando-se assim conscientemente na tradição – por volta de 20  páginas são completamente novas e obra do Papa Francisco.

Fala também das chamadas situações "irregulares", até agora excluídas pela doutrina eclesiástica. Trata-se principalmente de casais sem a bênção da Igreja e de "divorciados num novo relacionamento".  O Papa não propõe uma nova doutrina, mas usa outra linguagem, quando diz que não se pode mais afirmar que todas essas pessoas "se encontrem num estado de pecado mortal". Aqui, a grande palavra proferida por Francisco para essas situações é a palavra compaixão. Um verdadeiro pastor não deve se contentar com a aplicação de leis morais, afirma o papa. "Na crença de que tudo é branco ou preto, bloqueamos às vezes o caminho da misericórdia", escreve Francisco. O papa não conclama a uma revolução, mas abre uma fresta, deixa entrar um pouco de ar fresco.  Para Francisco, o debate deve continuar de maneira muito mais corajosa.

Papa Francisco. “Amoris laetitia”: uma síntese da Exortação Apostólica

Foi publicada na manhã de sexta-feira, dia 8 de abril de 2016, a Exortação Apostólica pós-Sinodal do Papa Francisco sobre a família. “Amoris laetitia”, a “Alegria do Amor”. Publicamos aqui uma síntese da Exortação Apostólica:

Capítulo primeiro: “À luz da Palavra”

No primeiro capítulo o Papa articula a sua reflexão a partir das Sagradas Escrituras, em particular, com uma meditação acerca do Salmo 128, característico da liturgia nupcial hebraica, assim como da cristã. A Bíblia ”aparece cheia de famílias, gerações, histórias de amor e de crises familiares” (AL 8).

Capítulo segundo: “A realidade e os desafios das famílias”

Partindo do terreno bíblico, o Papa considera no segundo capítulo a situação atual das famílias, mantendo ”os pés assentes na terra” (AL 6) como se pode ler na Exortação. A humildade do realismo ajuda a não apresentar ”um ideal teológico do matrimônio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são” (AL 36).

O matrimônio é “um caminho dinâmico de crescimento e realização”. “Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las”(AL37), refere o Papa Francisco no seu texto, pois, Jesus propunha um ideal exigente, mas ”não perdia jamais a proximidade compassiva às pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera” (AL 38).

Capítulo terceiro: “O olhar fixo em Jesus: a vocação da família”

O terceiro capítulo da Exortação é dedicado a alguns elementos essenciais do ensinamento da Igreja acerca do matrimônio e da família. Em 30 parágrafos ilustra a vocação à família de acordo com o Evangelho, assim como ela foi recebida pela Igreja ao longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, da sacramentalidade do matrimônio, da transmissão da vida e da educação dos filhos. Fazem-se inúmeras citações da Gaudium et Spes do Vaticano II, da Humanae Vitae de Paulo VI, da Familiaris Consortiode João Paulo II.

Capítulo quarto: “O amor no matrimônio”

O amor no matrimônio é o título do quarto capítulo desta Exortação e ilustra-o a partir do “hino ao amor” de S. Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (1 Cor 13, 4-7). Este capítulo desenvolve o caráter quotidiano do amor que se opõe a todos os idealismos: ”não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimônio como sinal implica um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus” (AL 122).

Também neste capítulo uma reflexão sobre o amor ao longo da vida e da sua transformação. Pode-se ler no documento: “Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade” (AL 163).

Capítulo quinto: “O amor que se torna fecundo”

O capítulo quinto desta Exortação Apostólica foca-se sobre a fecundidade, do acolher de uma nova vida, da espera própria da gravidez, do amor de mãe e de pai. Mas também da fecundidade alargada, da adoção, do acolhimento do contributo das famílias para a promoção de uma “cultura do encontro”, da vida na família em sentido amplo, com a presença de tios, primos, parentes dos parentes, amigos. A “Amoris laetitia” não toma em consideração a família ”mononuclear”, mas está bem consciente da família como rede de relações alargadas. A própria mística do sacramento do matrimônio tem um profundo caráter social (cf. AL 186). E no âmbito desta dimensão social, o Papa sublinha em particular tanto o papel específico da relação entre jovens e idosos, como a relação entre irmãos como aprendizagem de crescimento na relação com os outros.

Capítulo sexto: “Algumas perspectivas pastorais”

No capítulo sexto da exortação o Papa aborda algumas vias pastorais que orientam para a edificação de famílias sólidas e fecundas de acordo com o plano de Deus. Em particular, o Papa observa que ”os ministros ordenados carecem, habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais das famílias” (AL 202). Se, por um lado, é necessário melhorar a formação psico-afetiva dos seminaristas e envolver mais a família na formação para o ministério (cf. AL 203), por outro ”pode ser útil também a experiência da longa tradição oriental dos sacerdotes casados” (AL 202).

Neste sexto capítulo importantes referências à preparação para o matrimônio, acompanhamento dos esposos nos primeiros anos da vida matrimonial, acompanhamento das pessoas abandonadas, separadas ou divorciadas. Ao mesmo tempo é reiterada a plena comunhão na Eucaristia dos divorciados e em relação aos divorciados recasados é reforçada a sua “comunhão eclesial” e o acompanhamento das suas situações que não deve ser visto como uma debilidade da indissolubilidade do matrimônio mas uma expressão de caridade.

Capítulo sétimo: “Reforçar a educação dos filhos”

O capítulo sétimo é integralmente dedicado à educação dos filhos: a sua formação ética, o valor da sanção como estímulo, o realismo paciente, a educação sexual, a transmissão da fé e, mais em geral, a vida familiar como contexto educativo. É ressaltado pelo Santo Padre que “o que interessa acima de tudo é gerar no filho, com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia” (AL 261).

Capítulo oitavo: “Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”

O capítulo oitavo faz um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor propõe. O Papa usa aqui três verbos muito importantes: ”acompanhar, discernir e integrar”, os quais são fundamentais para responder a situações de fragilidade, complexas ou irregulares. Em seguida, apresenta a necessária gradualidade na pastoral, a importância do discernimento, as normas e circunstâncias atenuantes no discernimento pastoral e, por fim, aquela que é por ele definida como a ”lógica da misericórdia pastoral”.

As situações ditas de irregulares devem ter um discernimento pessoal e pastoral e – segundo a Exortação – “os batizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis”. Em particular, o Santo Padre afirma numa nota de pé de página que “em certos casos poderá existir também a ajuda dos sacramentos”, recordando que o confessionário não deve ser uma sala de tortura e que a Eucaristia “não é um prêmio para os perfeitos, mas um alimento para os débeis”.

Mais em geral, o Papa profere uma afirmação extremamente importante para que se compreenda a orientação e o sentido da Exortação:  ”é compreensível que não se devia esperar do Sínodo ou desta Exortação uma nova normativa geral de tipo canônico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que “o grau de responsabilidade não é igual em todos os casos, as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos” (AL 300).

O Papa desenvolve em profundidade as exigências e características do caminho de acompanhamento e discernimento em diálogo profundo entre fiéis e pastores. A este propósito, faz apelo à reflexão da Igreja ”sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes” no que respeita à imputabilidade das ações e, apoiando-se em S. Tomás de Aquino, detém-se na relação entre «as normas e o discernimento», afirmando: ”É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem descuidar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma” (AL 304).

Capítulo nono: “Espiritualidade conjugal e familiar”

O nono capítulo é dedicado à espiritualidade conjugal e familiar, ”feita de milhares de gestos reais e concretos” (AL 315). Diz-se com clareza que ”aqueles que têm desejos espirituais profundos não devem sentir que a família os afasta do crescimento na vida do Espírito, mas é um percurso de que o Senhor se serve para levá-los às alturas da união mística” (AL 316). Tudo, ”os momentos de alegria, o descanso ou a festa, e mesmo a sexualidade são sentidos como uma participação na vida plena da sua Ressurreição” (AL 317).

No parágrafo conclusivo, o Papa afirma: ”Nenhuma família é uma realidade perfeita e realizada duma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar. (…). Todos somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos nossos limites, e cada família deve viver neste estímulo constante. Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! (…). Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida” (AL 325).

A mudança pastoral do papa Francisco sobre o amor, matrimônio e família

Na exortação apostólica Amoris Laetitia "há claramente alguns passos que avançam, algumas hesitações e compromissos, e alguns silêncios à espera do amadurecimento do ‘discernimento’ (termo-chave para o jesuíta Bergoglio) no interior da Igreja", constata Massimo Faggioli, professor de História do Cristianismo na University of St. Thomas, EUA, publicado por Huffington Post, 08-04-2016. A tradução é de IHU On-Line (11-04-2016).

Segundo ele, "Amoris Laetitia corresponde às esperanças de quem esperava do papa Francisco um novo modo de ver as questões novas (novas para os tempos longos da igreja) sobre o matrimônio e família, e decepciona aqueles que esperavam mudanças radicais".

'Mas é clara a direção - assinala Faggioli - para onde Francisco pretende guiar uma Igreja que se defronta com enormes mudanças sócio-culturais".

Eis o artigo.

Com o título ‘Amoris Laetitia’ o papa Francisco publicou a exortação apostólica pós-sinodal que conclui (mas em certo sentido também abre) o debate que envolveu a igreja católica entre 2014 e 2015 sobre os temas do matrimônio e da família.

Com nove capítulos, 325 parágrafos, e 391 notas de rodapé é um texto muito mais longo que a Familiaris Consortio de João Paulo II (1981), também por causa da linguagem de tipo catequético. O texto de João Paulo II e de Francisco são textos formalmente do mesmo tipo – exortações apostólicas pós-sinodais – mas de natureza diferente: o Sínodo do papa Francisco, realizado em duas etapas, outubro de 2014 e outubro de 2015, foi um debate sinodal verdadeiro, aberto, e, às vezes, áspero, onde a oposição ao papa Francisco não hesitou em criticar o papa de um modo que não nunca foi usado no confronto dos predecessores.

Apesar disto, Francisco em Amoris Laetitia não hesita em indicar a direção da marcha da Igreja da misericórdia que tem em mente: faz isto citando abundantemente os relatórios finais dos Sínodos de 2014 e 2105 e, particularmente, os textos aprovados pela maioria, mas rejeitados por uma consistente minoria (particularmente os números 84, 85 e 86 do relatório final de 2015).

Amoris Laetitia é um documento do papa Francisco, mas também da igreja de Francisco (com citações das conferências episcopais, como nos outros documentos de Francisco).

Há claramente alguns passos que avançam, algumas hesitações e compromissos, e alguns silêncios à espera do amadurecimento do ‘discernimento’ (termo-chave para o jesuíta Bergoglio) no interior da Igreja. A parte dos silêncios e dos textos não plenamente maduros diz respeito às questões mais controversas em nível global: igreja e homossexuais, e a mulher na igreja.

Sobre os homossexuais, Amoris Laetitia reitera a necessidade de não excluir ninguém da igreja (parágrafos 250-251), mas para no ‘stop’ imposto pelo Sínodo 2015 pela minoria e, substancialmente, cita o Catecismo.

Sobre a mulher, a figura materna e paterna e a questão do gender (gênero), é a parte mais fraca do texto, devido também ao fato que o Sínodo substancialmente não discutiu estes temas, cúmplice da debilidade teológica de grande parte dos bispos.

A parte do compromisso é aquela em torno da herança de Paulo VI e João Paulo II, especialmente sobre a contracepção, que papa Francisco deixa muito matizada acentuando o discurso sobre a consciência e sobre a paternidade e maternidade responsável (parágrafos 68 e 82).

Um compromisso significativo, mas com uma clara abertura se encontra na questão dos divorciados recasados: o documento não cita a “comunhão espiritual” (até agora proposta pela igreja pré-Francisco aos divorciados recasados como alternativa à eucaristia); rejeita o exclusivismo que faz com os católicos em situações difíceis se sintam como excomungados (parágrafo 243); fala das formas não matrimoniais de união como “ocasiões a serem acompanhadas até o matrimônio” (parágrafo 293); fala de “gradualidade no exercício prudencial dos atos livres em sujeitos que não estão em condições de compreender, de apreciar ou de praticar plenamente as exigências objetivas da lei” (parágrafo 295); torna claro que “não existem receitas” para os casos difíceis (parágrafo 298) e, numa importante nota de rodapé na página 329 reconhece os riscos implícitos em pedir que os divorciados recasados “vivam como irmão e irmã”.

A parte mais genuinamente bergogliana é onde Amoris Laetitia afronta a questão da pastoralidade  no confronto com a doutrina e a lei. Há alguns parágrafos que expressam a teologia de Francisco e dão o tom a todo o documento. No início do texto Francisco precisa que “não todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas com intervenções do magistério” (parágrafo 3). Convida a considerar “a situação atual das famílias, tendo os pés no chão” (parágrafo 6). Pede que “todos se vejam muito interpelados pelo capítulo oitavo sobre os desafios pastorais da vida real dos fieis (parágrafo 6).

Uma seção muito forte é constituída pelos números 36-38, onde Francisco admite que na linguagem da igreja o fim da procriação tem obscurecido o fim unitivo, assim tornando o instituto do matrimônio não atraente (parágrafo 36).

Reconhece que a igreja tem dado uma ênfase excessiva sobre as questões doutrinais, bioéticas e morais (parágrafo 37), e aponta o excesso de reações da Igreja contra “o mundo decadente” (parágrafo 38) e, pelo contrário, indica como modelo o comportamento de Jesus com a adúltera.

O significado da mudança pastoral do papa Francisco é sintetizado no parágrafo 304: “É mesquinho considerar unicamente se o agir de uma pessoa responde ou não a uma lei ou a uma norma geral, porque isto não basta para discernir e assegurar uma plena fidelidade a Deus na existência concreta de um ser humano”.

Amoris Laetitia corresponde às esperanças de quem esperava do papa Francisco um novo modo de ver as questões novas (novas para os tempos longos da igreja) sobre o matrimônio e família, e decepciona aqueles que esperavam mudanças radicais. As mudanças para os divorciados recasados se darão na prática segundo a recepção que os bispos e os padres darão ao documento.  Mas é clara a direção para onde Francisco pretende guiar uma Igreja que se defronta com enormes mudanças sócio-culturais.

É um documento longo e complexo que reflete um catolicismo global onde o matrimônio e família são realidades muito mais diversificadas que nos tempos do Concilio de Trento, que há 450 anos codificou o matrimônio no mundo católico ocidental. É um documento que impede que as diferentes vertentes teológicas declarem vitória ou derrota total, e é fruto da elaboração por parte do papa de um longo processo sinodal que viu os bispos se dividirem visivelmente em torno de algumas questões.

A igreja de Francisco continua o seu caminho rumo a uma ‘desideologização’ do seu magistério, em direção de uma maior ‘inclusividade’, e em direção de uma misericórdia que toma como modelo o Jesus com a samaritana.

Agora resta ver que tipo de recepção terá Amoris Laetitia. Nunca se viu uma exortação pós-sinodal como esta, nunca fora realizado um sínodo verdadeiro como o de 2014-2015.



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