O viver em todos os tempos é difícil e é um aprendizado. O viver em tempo de pandemia torna-se mais difícil e é um aprendizado renovado. Há algo mais difícil do que viver?
Algo mais difícil do que viver é “saber ler o viver”. Isso, sim, é difícil. “Saber ler o viver” pessoal, familiar e social é um contínuo desafio vital e histórico e exige um aprendizado sempre renovado e decisivo.
“Saber ler o viver” é como a relação com o mar. Só o marinheiro, que passa dias e noites contemplando-o, escutando sua voz, vendo-o mudar de cor, intuindo distantes nuvens no horizonte, “sabe ler” o que o mar lhe diz. Para os demais, o mar é um mistério. Um mistério maravilhoso, mas um mistério mudo. Mas o mar sempre está presente, cada um de nós o levamos consigo. Nós somos, porém, só um capitão de barco. Não pretendemos ensinar ao mar todas as correntes nem todos os obstáculos. Temos que descobri-las/os por nossa conta. Atirarmo-nos a elas/eles. Se aprendermos a ler o mar, sempre saberemos navegar.
Assim, se aprendermos a “ler o viver”, sempre saberemos “viver”. Nesta ótica de aprender a “ler o viver”, recentemente eu rezei de uma maneira totalmente nova e decisiva a assim chamada “Oração de São Francisco”. Nessa oração, o Serafico - il Poverello d'Assisi, fez a “leitura do viver”, após um período de juventude com um “viver” um tanto leviano e vazio.
Ele, o Serafico - il Poverello d'Assisi, que unicamente “viveu” como instrumento de guerra, ao “ler o seu viver”, pediu ao autor de toda a vida, tanto no espaço vertical, no espaço horizontal e no próprio tempo, que fosse “instrumento de sua paz”.
Ele, o Serafico - il Poverello d'Assisi, que concretamente “viveu” o “ódio”, a “ofensa”, a “discórdia”, a “dúvida”, o “erro”, o “desespero”, a “tristeza”, as “trevas”, ao “ler o seu viver”, começou a cultivar com todas as suas forças um novo viver: “Onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver ofensa que eu leve o perdão, onde houver discórdia que eu leve a união, onde houver dúvida que eu leve a fé, onde houver erro que eu leve a verdade, onde houver desespero que eu leve a esperança, onde houver tristeza que eu leve a alegria e onde houver trevas que eu leve a luz”.
Ele, o Serafico - il Poverello d'Assisi, que egoisticamente “viveu” o “consolo” próprio, a “compreensão” subjetiva, até o “amor” ensimesmado, ao “ler o seu viver”, iniciou a implorar ao Mestre da Vida, Aquele que veio para “dar a vida e a dar em abundância” (Jo 10,10): “Fazei que eu procure mais consolar que ser consolado; mais compreender que ser compreendido; mais amar que ser amado”.
Ele, o Serafico - il Poverello d'Assisi, ao “ler o seu viver”, chegou a uma decisiva conclusão em relação ao “seu viver”, conclusão essa certamente a mais sábia possível, porque ela espelha-se no próprio Deus da Vida: “Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado e é morrendo que se vive para a vida eterna”.
Quantos jovens-adultos “viveram” em Assis, Itália, contemporâneos do Serafico - il Poverello d'Assisi. Esse, deveras, ousou “ler o mar do seu viver” e soube “navegar o seu viver”, fazendo uma história magnífica e exemplar até nossos tempos.
“Saber ler o viver”, isso é o que importa!
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas