Corríamos desesperadamente para dar conta de tudo: era preciso não perder tempo. Quando nos sentávamos, já estávamos nos levantando; quando nos levantávamos, já estávamos correndo; quando corríamos, já estávamos chegando ao fim. E tudo recomeçava de novo! Desaprendemos a nos sentar, a nos levantar, a correr e a chegar ao fim. E achávamos que éramos felizes, porque éramos despertos, ativos, produtivos e eficazes!
De repente veio a pandemia da COVID19. Dissemos para nós e para os outros: "Ah, vai passar logo e tudo vai voltar ao normal: vamos de novo nos sentar levantando, nós levantar correndo, correr chegando ao fim. Porém, a COVID19 nos obrigou a reaprender a sentar, a levantar, a correr e a chegar ao fim.
As reflexões acima são provocadas pela "estória zen", que num outro contexto fora da pandemia covídica, talvez, pouco traria de sapiencial. Mas, nesse momento da humanidade, invadida por um vírus por ora inatacável, a "estória zen" é plena de sabedoria existencial. Ei-la:
"Onde vais com tanta pressa? Perguntaram certo dia, a um homem que sabia meditar, como fazer para viver recolhido, apesar de tantas ocupações. Ele respondeu: - 'Quando me levanto, levanto-me, quando caminho, caminho; quando estudo, estudo; quando descanso, descanso'. Interromperam-no, dizendo: - 'Mas nós fazemos a mesma coisa! O que é que o senhor faz mais do que nós?' Ele repetiu: - 'Quando me levanto, levanto-me, quando caminho, caminho; quando estudo, estudo; quando descanso, descanso'. Mas, de novo, retrucaram-lhe: - ‘É exatamente o que nós fazemos também!’ - 'Não - retrucou o sábio - quando vocês sentam, já estão levantando; quando se levantam, já estão correndo; quando vocês correm, já estão chegando ao fim!’"
É urgente reaprender a sentar, sem estar se levantando. Isso significa ter um tempo para si mesmo. Não somos objetos, somos o sonho do Criador conosco: "imagem e semelhança divina". O tempo tirado para si mesmo, para sempre aperfeiçoar mais essa "imagem e semelhança divina", é preciosíssimo, mais do que o tempo gasto com uma pérola mais cara. Bendita pandemia que nos obrigou a sentar, sem estar se levantando, para ter tempo para si mesmo.
É urgente reaprender a levantar, sem estar já correndo. Aqui está em jogo o tempo tirado para os semelhantes - familiares e todos com quais temos contato. Se levantamos e saímos correndo, não temos presente os semelhantes como irmãos e irmãs. E sem a fraternidade, a humanidade que se levanta apenas para correr, torna-se uma arena onde impera o "homo homini lupus". Bendita pandemia que nos obrigou a levantar, sem sair correndo, para tornar os semelhantes irmãos e irmãs.
É urgente reaprender a correr, sem já chegar ao fim. Trata-se do tempo para correr ao encontro Daquele que nos criou, que nos salvou, que nos santificou. Essa corrida é permanente e infinita. O grande santo, Agostinho de Hipona, com sua inteligência pródiga, chegou à conclusão, parafraseando-a: "O fim da correria humana é Deus, e o nosso coração anda inquieto (corre) enquanto não repousa Nele". Bendita pandemia que nos está abrindo os olhos e o coração para correr para chegar ao único fim da existência: Deus, o "Alfa e o Ômega".
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas