Se abrimos o livro bíblico veterotestamentário, o Livro de Zacarias, capítulo segundo, versículo dezessete, encontramos o seguinte enunciado profético: “Emudeça todo mortal diante do Senhor, Ele acaba de levantar-se de sua santa habitação”.
Esse enunciado profético, proferido por Zacarias, tinha como contexto as expectativas do povo de Israel logo após a volta do exílio babilônico. O Rei Ciro da Pérsia, conquistando Babilônia, findou a condição exílica e proporcionou a volta do grupo dos exilados para sua terra bíblica. O exílio para eles foi uma experiência dolorosa de um “barulho” babilônico: o Senhor Iahweh foi silenciado pelos “deuses pagãos”; a ordem do dia era o “barulho das nações”. Porém, após o relativo longo tempo, de 586 a 538 aC, os exilados retornaram à sua terra bíblica. Foi quando o profeta Zacarias proclamou: Chegou o tempo em que “todo mortal emudeça diante do Senhor”: Ele, Deus, acaba de elevar a sua voz; Ele, Deus, continua sendo Senhor da criação e da história; Ele, Deus, não perdeu as rédeas dessa criação e história; Ele, Deus, que parecia estar dormindo na sua habitação, “acaba de levantar-se”; Ele, Deus, ocupa o seu lugar de “Soberano entre as nações”.
Mutatis mutandis: Esta profecia da Palavra de Deus não se encaixa na situação pandêmica que estamos vivendo? Não estamos vivendo “o barulho” da civilização humana pós-moderna como a ordem do dia? O “barulho” da idolatria do mero acumular mais coisas fúteis, do mero empoderar-se de mais forças vulneráveis, do mero aproveitar-se de mais prazeres ilusórios? Esse barulho tão ensurdecedor não calou a voz de Deus?
De repente chegou a COVID-19 e silenciou e está silenciando o “barulho” da civilização pós-moderna com sua idolatria do mero ter mais, poder mais, aproveitar-se mais. Apareceu um grito das profundezas do ser humano – “emudeça todo mortal diante do Senhor”. O Deus revelado - o Deus-Pai, o Deus-Filho, o Deus-Espírito Santo, continua sendo o Senhor da criação e da história. Ele não perdeu as suas rédeas. O “barulho” da idolatria dos nossos tempos parecia ter levado Deus a dormir numa habitação longínqua, mas chegou o tempo em que “Ele está se levantando de sua santa habitação”.
Eu, pessoalmente, acredito no Deus revelado do Povo de Israel e da Igreja de Cristo. Respeito a forma de crer de tantos quantos em um Ser Superior e Senhor da criação e da história. Importa que neste momento pandêmico, todos nós “mortais” deixemos o “barulho” dos ídolos e “emudeçamos diante do Senhor”. Pois é verdade, Ele, o Senhor Soberano, mais uma vez, “acaba de levantar-se de sua santa habitação”. Assim, Ele continuará a estar de pé e a criação e a história continuarão em suas mãos.
Será que o coronavírus está conseguindo emudecer a nós mortais e deixamos o “ Senhor levantar-se de sua santa habitação?”
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas