Nesta pandemia da Covid-19 falamos muito de distanciamento e somos obrigados a termos um distanciamento físico. Ele nos custou e nos custa muito. Parece que veio sobre nós uma noite sem fim. Teremos um dia uma aurora e um novo dia começa? É possível entender que não podemos conviver com pessoas que amamos e que estejam distantes? E o abraço que nos aproxima tanto e não podemos dá-lo? Qual a presença que precisamos urgentemente criar? Qual
a real e verdadeira distância que ainda persiste?
A propósito, vem à lembrança a estória do rabino que reuniu seus alunos e perguntou: “Como é que sabemos o exato momento em que a noite acaba e o dia começa?” “Quando, à distância, somos capazes de distinguir uma ovelha de um cachorro”, disse um menino. O rabino não ficou contente com a resposta. “Na verdade”, disse outro aluno, “sabemos que já é dia quando podemos distinguir, à distância, uma oliveira de uma figueira”. “Não é uma boa definição”, respondeu o sábio. ”Qual é a resposta então?”, perguntaram os garotos. O rabino então falou: “Quando um estrangeiro se aproxima e nós o confundimos com nosso irmão, este é o momento da aurora, o momento em que a noite acaba e o dia começa”.
A distância física pode e deve ser superada pela aproximação do amor-fraternidade. Não há distância que não seja quebrada pelo amor fraterno. É só existir “coragem criativa”, insiste o Papa Francisco! (cf. Patris Corde). Mas o que vemos ainda?
Vemos ainda crianças convivendo em casa que sentem-se distantes pela falta de amor dos pais... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença-amor dos pais com os filhos.
Vemos ainda pais presentes nos lares que sentem-se distantes pela frieza dos filhos... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença- calor dos filhos com os pais.
Vemos ainda membros de nossas comunidades cristãs que sentem-se distantes pelo esquecimento que experimentam... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença-lembrança dos irmãos com os esquecidos.
Vemos ainda cidadãos de nossa civilização que sentem-se distantes pela marginalização que são obrigados a viver... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença-inclusão das pessoas com os marginalizados.
Vemos um planeta-terra povoado por seres humanos “inteligentes e entendidos” das coisas terrenas, mas sentem-se distantes pela não vivência da “sabedoria das coisas divinas”... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença- divina com os semelhantes.
Vemos ainda uma raça humana “feita à imagem e semelhança de Deus”, mas sente-se distante pelo abismo pecaminoso criado com a posse não-devida do “fruto da árvore da vida”... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença- vida com toda a criação – a “casa comum”.
Vemos ainda uma humanidade impulsionada para a plenitude do amor e da fraternidade, mas sente-se distante pelo vazio do não-amor e do fratricídio... O distanciamento pandêmico pode tornar-se, com coragem criativa, sinônimo de mais presença-amor que gera vida e menos distância de não-amor que gera morte.
Papa Francisco durante os últimos dias, na sua celebração eucarística diária, no momento da homilia, usou uma de suas expressões emblemáticas, caracterizando a verdadeira distância que persiste: “vivemos um abismo da indiferença”. Se a humanidade não superar esse abismo da
indiferença, o término do distanciamento pandêmico e a volta da proximidade de convivência (o que esperamos muito) não quebrará de um lado a verdadeira distância maléfica e mortal e não trará de outro lado a verdadeira presença benéfica e vital.
A pandemia é a grande chance de sonhar e trabalhar: Todo “estrangeiro” pode se aproximar e nós o confundimos com “nosso irmão”, e teremos o MOMENTO DA AURORA, o momento em que a noite acaba e o dia começa.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.