De repente, muitos de nós já usamos a linguagem de sermos “fortes” e “tenazes” neste tempo de pandemia. É com “força” e “tenacidade”, olhando o sentido positivo de não-sucumbir por falta de força e de não-afundar por falta de tenacidade, que devemos enfrentar a situação de exceção da COVID-19. Positivamente, “forte” é aquele que se “afirma” e tenaz aquele que se “agarra”.
Proponho uma reflexão bíblica sobre “forte” e “tenaz”. Será que segundo a Palavra de Deus, basta apenas ser “forte” e “tenaz”?
Primeiramente uma estória para abrir as portas da compreensão bíblica de “forte” e “tenaz”: “Contam que certa vez duas moscas caíram num copo de leite. A primeira era ‘forte’ e a segunda ‘tenaz’. A ‘forte’ tão logo ao cair, com sua força própria e exclusiva, nadou até a borda do copo, mas como a superfície era muito lisa e ela tinha as asas molhadas, não conseguiu sair. Acreditando que não havia saída, a mosca desanimou, parou de nadar e de se debater e afundou. Sua companheira de infortúnio que era ‘tenaz’ também se debateu e por tanto tempo de debater-se, aos poucos o leite ao seu redor, com tanta agitação, foi se transformando e formou um pequeno nódulo de manteiga, de onde a mosca ‘tenaz’ conseguiu com muito esforço subir e dali levantar vôo para algum lugar seguro. Tempos depois, a mosca ‘tenaz’, por descuido ou por acidente, novamente caiu no copo. Como já havia aprendido em sua experiência anterior, começou a se debater, na esperança de que, no tempo devido, se salvaria. Outra mosca, passando por ali e vendo a aflição da companheira de espécie, pousou na beira do copo e gritou: - ‘Tem um canudo ali, nade até lá e suba pelo canudo’. A mosca ‘tenaz’ não lhe deu ouvidos baseando-se na sua experiência anterior de sucesso e, continuou a se debater e a se debater, até que, exausta afundou no copo ‘cheio de água’”.
As Sagradas Escrituras, quando denomina alguém “forte”, usa também sinônimos como poderoso, auto-suficiente, centrado nas suas forças. “Forte”, portanto, é aquele que tem e conta com sua força própria e exclusiva. Dispensa, pois, a força que vem de Deus. E segundo a revelação, o único forte é Deus, só Ele tem força própria, Ele é o todo-poderoso. Mais, Ele não tolera rivais que ousam acumular-se de “força própria e exclusiva”; ao contrário, acolhe os “fracos”, que não tem e não contam com força própria e exclusiva, porque colocam toda a sua força em Deus. Maria, mãe de Jesus, chega a rezar no seu Magnificat: “Deus derruba os fortes-com força própria e eleva os fracos-sem força própria”.
A palavra “tenaz” na Bíblia traduz o substantivo hebraico malqahayim, que vem do verbo laqah que significa “pegar”, “segurar”, “apanhar”. “Tenaz”, portanto, é aquele que se agarra obstinadamente na sua capacidade própria e exclusiva. Dispensa, pois, a capacidade que vem de Deus e até dos outros. E segundo a revelação, o único capaz é Deus, só Ele tem capacidade própria, Ele é a total-segurança. Mais, Ele não tolera rivais que ousam acumular-se de “tenacidade própria e exclusiva”; ao contrário acolhe os “abertos” que não tem e não contam com capacidade própria e exclusiva, porque colocam toda a sua capacidade em Deus. São os “simples e pequeninos”, da oração de Jesus, “aos quais são reveladas as coisas de Deus”.
Em toda a nossa vida e história, especialmente isso fica claro neste tempo pandêmico, haverá “sucesso”, nós não-sendo “fortes” – com força própria e exclusiva e não-sendo “tenazes” – com capacidade própria e exclusiva. “Sucesso” verdadeiro e autêntico vem de Deus todo-poderoso e de Deus total-segurança. Terão “sucesso” aqueles que colocam sua força e sua segurança em Deus. Senão o nosso destino será o mesmo daquele das moscas “forte” e “tenaz”.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas