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Convite à reflexão: dia nacional da consciência negra (20 de novembro)
13.11.2017 | 11:50 | #capelania-e-identidade-crista
Convite à reflexão: dia nacional da consciência negra (20 de novembro)
Apresentação

Nesse dia 20 de novembro comemoramos o dia nacional da consciência negra. Essa data se associa à luta contra a escravidão e todas as formas de discriminação, em razão da raça ou da cor da pele. Os afrodescendentes no Brasil sofrem até hoje os efeitos de uma “abolição” nunca completada e de uma ideologia de superioridade branca, que continua a alimentar formas abertas ou disfarçadas de discriminação.

Apresentamos dois textos como convite à reflexão. O primeiro, de Jussara Barros (publicado no Portal “Mundo da Educação”) recorda as lutas dos afrodescendentes, no passado e no presente, mostrando que – apesar dos avanços e conquistas - essa luta está longe de acabar. Nesses avanços poderíamos incluir os esforços para resgatar a memória dos que construíram o alicerce da riqueza de Pelotas, nas charqueadas, na construção civil e nas lavouras de nossa região. Cito como exemplos os livros do pesquisador Adão Monquelat, A Pelotas dos Excluídos e a recente obra de Olga Pereira Reinterpretando Silêncios (reflexões sobre a docência negra na cidade de Pelotas - RS).

O segundo texto, do capelão da UCPel, denuncia a tentativa do governo Temer de afrouxar a legislação que rege o combate às novas formas de escravidão, praticadas tanto em fazendas e lavouras do interior do Brasil como em indústrias nas cidades (por exemplo, em ateliês de costura). O afrouxamento dos controles sobre as novas formas de escravidão não se dá apenas enfraquecendo a legislação, mas cortando verbas para a fiscalização de entidades denunciadas por praticar esse tipo de crime. 

Temos motivos para suspeitar que os novos senhores das “casas grandes” continuarão a pressionar para não serem investigados por suas práticas de trabalho  escravo em “senzalas” modernas. 

Leia e participe desse debate!   

Dia Nacional da Consciência Negra  (Jussara Barros, em “Mundo da Educação”)

O dia 20 de novembro faz menção à consciência negra, a fim de ressaltar as dificuldades que os negros passam há séculos.  A escolha da data foi em homenagem a Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares, em consequência de sua morte. Zumbi foi morto por ser traído por Antônio Soares, um de seus capitães.  A localização do quilombo ficava onde é hoje o estado de Alagoas, na Serra da Barriga.

O Quilombo dos Palmares foi levantado para abrigar escravos fugitivos, pois muitos não suportavam viver tendo que aguentar maus tratos e castigos de seus feitores, como permanecerem amarrados aos troncos, sob sol ou chuva, sem água e sofrendo com açoites e chicotadas. O local abrigou uma população de mais de vinte mil habitantes.

Ao longo da história, os negros não foram tratados com respeito, passando por grandes sofrimentos. Pelo contrário, foram escravizados para prestar serviços pesados aos homens brancos, tendo que viver em condições desumanas, amontoados dentro de senzalas. Muitas vezes suas mulheres e filhas serviam de escravas sexuais para os patrões e seus filhos, feitores e capitães do mato, que depois as abandonavam.

As casas dos escravos eram de chão batido, não tinham móveis nem utensílios para cozinhar. As esposas dos barões é quem lhes concediam alguns objetos, para diminuir as dificuldades de suas vidas. Nem mesmo estando doentes eram tratados de forma diferente, com respeito e dignidade. Ficavam sem remédios e sem atendimento médico, motivo pelo qual inventaram medicamentos com ervas naturais, ações aprendidas com os índios durante o período de colonização.

Algumas leis foram criadas para defender os direitos dos negros, pois muitas pessoas não concordavam com a escravização. A Lei do Ventre Livre foi a primeira delas, criada em 1871, concedendo liberdade aos filhos dos escravos nascidos após a lei. No ano de 1885, criaram a Lei dos Sexagenários, dando liberdade aos escravos com mais de sessenta anos de idade.  Porém, com a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, foi que os escravos conquistaram definitivamente sua liberdade.

O grande problema dessa libertação foi que os escravos não sabiam realizar outro tipo de trabalho, continuando nas casas de seus patrões, mesmo estando libertos. Com isso, a tão esperada liberdade não chegou por completo. As oportunidades de vida que tiveram eram limitadas apenas aos trabalhos pesados, como não haviam estudado e não aprenderam outros ofícios além dos braçais. Porém, alguns conseguiram emprego no comércio.

O dia da consciência negra surgiu para lembrar o quanto os negros sofreram, desde a colonização do Brasil, suas lutas, suas conquistas. Mas também serve para homenagear àqueles que lutaram pelos direitos da raça e seus principais feitos.  Na data são realizados congressos e reuniões discutindo-se a história de preconceito racial que sofreram (e ainda sofrem) , a inferioridade da classe no meio social, as dificuldades encontradas no mercado de trabalho, a marginalização e discriminação, tratando-se também de temas como beleza negra, moda, conquistas (como as quotas raciais), etc.

Trabalho escravo: afrouxando controles em troca de votos

Visando agradar à bancada ruralista, o governo Temer publicou portaria, no dia 16 de outubro passado, alterando as diretrizes para a fiscalização do trabalho escravo no Brasil. As novas regras dificultam incluir na chamada Lista Suja os nomes dos envolvidos na prática desse tipo de crime. Quem for incluído nesta lista não pode solicitar financiamento público.   Houve forte reação a essa portaria no Brasil e no exterior. Para a cientista social Beatriz Affonso, Diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional, a mudança na portaria sobre o trabalho escravo é gravíssima. 

“É um contexto muito perverso onde tudo está ajeitado para permitir que trabalhadores sejam escravizados”, disse Beatriz. O corte drástico de verbas fez com que a fiscalização do trabalho escravo despencasse durante o Governo Temer.  

A portaria foi publicada antes da votação no Congresso da segunda denúncia contra Temer.

Representantes do Sistema ONU no Brasil afirmaram que a medida tende a dificultar as ações de combate ao crime do trabalho semelhante ao de escravo. Disse o porta-voz da ONU: "Nas últimas décadas, o Brasil construiu essa legislação e executou políticas públicas de combate ao trabalho escravo que se tornaram referência mundial, mas que agora estão sujeitas a alterações pela nova portaria." A portaria alterou a definição de trabalho escravo, os critérios de autuação e a forma de divulgação da chamada "lista suja". O texto tornou mais limitado o conceito de trabalho escravo, exigindo que haja "restrição à liberdade de locomoção da vítima" para a ação ser enquadrada no crime. A ONU entende que as formas contemporâneas de escravidão incluem trabalho forçado, servidão doméstica, formas servis de casamento e escravidão sexual. 

"A ONU reconhece o alinhamento do conceito brasileiro de trabalho escravo, definido no artigo 149 do Código Penal, às normas internacionais", disse o representante da ONU. E recomenda que "eventuais alterações nessa definição envolvam debates mais amplos e profundos junto a todos os segmentos interessados...” Em 2016, mais de 40 milhões de pessoas foram vítimas da escravidão moderna no mundo, segundo pesquisa da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e da Fundação Walk Free. "O Brasil não é imune ao problema ... No Brasil, muitos casos ocorrem de forma velada, como o trabalho escravo em fazendas, fábricas e domicílios. Somente com uma legislação precisa e fiscalização eficaz é possível enfrentar com determinação esta ameaça", concluiu.  

Em 2015, o Ministério do Trabalho e Previdência Social resgatou 1.010 trabalhadores que estavam em condições análogas à escravidão. As 140 operações feitas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel e por auditores fiscais do trabalho identificaram trabalhadores nessa situação em 90 dos 257 estabelecimentos fiscalizados. Com menos fiscalizações, casos de trabalho escravo caíram em 2016, diz a Pastoral da Terra (CPT). Dados parciais apontam que em 2016 foram identificados no Brasil 766 trabalhadores em situação análoga à escravidão, dos quais 752 foram libertados. De 1995 até 2016, mais de 52 mil trabalhadores foram libertados de situações análogas à de escravidão no Brasil.

A boa notícia é que, graças às pressões da sociedade, no dia 24/10, a Ministra Rosa Weber, do STF, concedeu liminar suspendendo a portaria sobre o trabalho escravo. A lista suja acabou sendo publicada. Mas é preciso continuar alerta, pois os modernos donos de trabalho escravo certamente voltarão à carga. 

(Pe. Martinho Lenz SJ – Capelão da UCPel)
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