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[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
19.03.2014 | 10:01 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
Mensagem da Capelania:

A partir desta semana, a Capelania universitária da UCPel promove uma iniciativa até agora inédita em nossa instituição.

Em coerência com as novas “linhas gerais de atuação”, que o setor vem discutindo e amadurecendo nos últimos dois anos, queremos disponibilizar semanalmente alguns textos que proporcionem ocasião de se refletir sobre questões atuais relevantes, tanto no âmbito eclesial quanto em nível da sociedade como um todo. Desse modo, os artigos publicados buscarão contemplar as duas instâncias (Igreja e sociedade), bem como a relação entre elas.

Tal iniciativa é ainda embrionária e possui, nesse primeiro momento, um caráter experimental. A previsão é que, em alguns meses, possamos assumir um projeto mais consistente e continuado.

Iniciamos, nesta semana, com dois textos complementares, em torno da Campanha da Fraternidade, que a Igreja do Brasil promove a cada ano e que em 2014 tem como tema “Fraternidade e tráfico humano” e como lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

O primeiro texto é a mensagem sobre a Campanha da Fraternidade que o Papa Francisco enviou para nós do Brasil. O segundo é do jornalista Leonardo Sakamoto que analisa a problemática do tráfico humano desde um ponto de vista diferente, mas que está em consonância com a preocupação de Jesus Cristo e da Igreja com a promoção da vida, com os direitos humanos, com o cuidado com as pessoas pobres e marginalizadas.

A equipe da Capelania deseja uma boa leitura!

Texto 1: Mensagem do Papa Francisco para a Campanha da Fraternidade 2014

Queridos brasileiros,

Sempre lembrado do coração grande e da acolhida calorosa com que me estenderam os braços na visita de fins de julho passado, peço agora licença para ser companheiro em seu caminho quaresmal, que se inicia no dia 5 de março, falando-lhes da Campanha da Fraternidade que lhes recorda a vitória da Páscoa: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5, 1). Com a sua Paixão, Morte e Ressurreição, Jesus Cristo libertou a humanidade das amarras da morte e do pecado. Durante os próximos quarenta dias, procuraremos conscientizar-nos mais e mais da misericórdia infinita que Deus usou para conosco e do seu pedido para fazê-la transbordar para os outros, sobretudo aqueles que mais sofrem: “Estás livre! Vai e ajuda os teus irmãos a serem livres!. Nesse sentido, visando mobilizar os cristãos e pessoas de boa vontade da sociedade brasileira para a chaga social que é o tráfico de seres humanos, os nossos irmãos bispos do Brasil lhes propõem este ano o tema “Fraternidade e Tráfico Humano”.

Não é possível ficar impassível sabendo que existem seres humanos tratados como mercadoria! Pensemos em adoções de criança para remoção de órgãos; em mulheres enganadas e obrigadas a se prostituir; em trabalhadores explorados, sem direitos nem voz; etc. Isso é tráfico humano! “Há necessidade de um profundo exame de consciência: de fato, quantas vezes toleramos que um ser humano seja considerado como um objeto, exposto para vender um produto ou para satisfazer desejos imorais? A pessoa humana não se deveria vender e comprar como uma mercadoria. Quem a usa e explora, mesmo indiretamente, torna-se cúmplice desta prepotência” (Discurso aos novos Embaixadores, 12/12/2013). Se, depois, descemos ao nível familiar e entramos em casa, quantas vezes aí reina a prepotência! Pais que escravizam os filhos, filhos que escravizam os pais; esposos que, esquecidos de seu chamado para o dom, exploram-se como se fossem um produto descartável, que se usa e se joga fora; idosos sem lugar, crianças e adolescentes sem voz. Quantos ataques aos valores basilares do tecido familiar e da própria convivência social! Sim, há necessidade de um profundo exame de consciência. Como se pode anunciar a alegria da Páscoa, sem se solidarizar com essas pessoas humanas cuja liberdade aqui na terra é negada?

Queridos brasileiros, tenhamos a certeza: Eu só ofendo a dignidade humana do outro porque antes vendi a minha. A troco de quê? De poder, de fama, de bens materiais... E isso  -  pasmem! -  a troco da minha dignidade de filho e filha de Deus, resgatada a preço do sangue de Cristo na Cruz e garantida pelo Espírito Santo que clama dentro de nós: “Abbá, Pai!” (cf. Gal 4, 6). A dignidade humana é igual em todo o ser humano: quando a piso no outro, estou pisando a minha. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou! No ano passado, quando estive junto de vocês afirmei que o povo brasileiro dava uma grande lição de solidariedade. Certo disso, faço votos de que os cristãos e as pessoas de boa vontade possam comprometer-se para que nunca mais nenhum homem ou mulher, jovem ou criança, seja vítima do tráfico humano! E a base mais eficaz para restabelecer a dignidade humana é anunciar o Evangelho de Cristo nos campos e nas cidades, pois Jesus quer derramar por todo o lado vida em abundância (cf. Evangelii Gaudium, 75).

Com esses auspícios, invoco a proteção do Altíssimo sobre todos os brasileiros e brasileiras, para que a vida nova em Cristo lhes alcance, na mais perfeita liberdade dos filhos e filhas de Deus (cf. Rm 8, 21), despertando em cada coração sentimentos de ternura e compaixão por seu irmão e irmã necessitados de liberdade, enquanto de bom grado lhes envio uma propiciadora Bênção Apostólica.

Vaticano, 25 de fevereiro de 2014

Francisco

Texto 2: Campanha da Fraternidade: A nossa responsabilidade pelo tráfico de pessoas

Escrevi com Xavier Plassat, frei dominicano e coordenador da campanha pela erradicação do trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, um texto para o lançamento da Campanha da Fraternidade 2014, nesta quarta (5), cujo tema é o combate ao tráfico de seres humanos.

Independente de concordar ou não com as políticas e posições da Igreja Católica, o fato é que uma campanha com essa temática merece o nosso apoio. Ainda mais com a capilaridade com que conta a instituição, podendo levar e discutir a mensagem, alertando milhões de pessoas sobre as redes de tráficos de seres humanos para o trabalho escravo, a exploração sexual, a remoção forçada de órgãos, entre outras aberrações. Para uma mudança concreta, é claro que não basta informação sem uma real melhoria da qualidade de vida das potenciais vítimas, sejam elas brasileiras ou estrangeiras. Mas este é um passo importante. Segue o texto:

Filho do patriarca Jacó, José é a primeira figura bíblica vítima do tráfico humano. José ainda pode ser encontrado em qualquer esquina do nosso mundo global. Seu nome é Sikandar, Miriam, Juan, Pedrito, Luizinha, Jerry. Seu exílio (ou inferno) chama-se Doha, Belo Monte, Dacca, Brás, Codó, Barcelona, General Carneiro, Guarulhos, Lampedusa.

José está vivo. Escondido, invisível, traficado feito mercadoria, acorrentado pelo medo, instrumentalizado para o lucro fácil, preso nos tentáculos de um velho-novo crime. Tráfico e escravidão permaneceram vivos, transformando-se e ganhando novas características que os diferenciam do passado. A finalidade é a mesma: alguém lucra, alguém é explorado. Intermediários viabilizam o sistema. Cúmplices garantem sua sustentabilidade. As modalidades são variadas: exploração sexual, trabalho análogo ao de escravo, servidão, remoção ilegal de órgãos, casamento forçado, entre outras.

A escravidão tem na atualidade um peso nunca visto na história da humanidade. Não por acaso: aprendemos a transformar tudo em mercadoria e nos conectamos globalmente, transformando o mundo em um único e grande supermercado. A Organização Internacional do Trabalho estima em 21 milhões o número de vítimas, tanto homens como mulheres, um em cada quatro com menos de 18 anos.

No Brasil, para onde foram traficados 5 milhões de africanos, com o amparo da lei e a bênção da religião, a forma mais visível deste tráfico ainda é o trabalho escravo, presente sob as modalidades do trabalho forçado, da servidão por dívida, da jornada exaustiva e do trabalho em condições degradantes. As vítimas são aliciadas em bolsões de pobreza, dentro e fora do país. Nos últimos 20 anos foram libertadas 47 mil delas, em dois mil estabelecimentos de mais de 600 municípios. No campo, destaque para a pecuária, as lavouras do agronegócio e carvoarias. Nas cidades, a construção civil e oficinas de confecção. Para a exploração sexual, as informações quantitativas são precárias. O Brasil é tido como um dos grandes exportadores de mulheres a serem exploradas sexualmente, particularmente na Europa.

Por aqui, a mobilização contra a escravidão contemporânea iniciou-se nos anos 1970, destacando-se a figura do bispo Pedro Casaldáliga e a atuação incansável da Comissão Pastoral da Terra. Acolheram fugitivos e tornaram públicas denúncias de trabalhadores escravizados em plena floresta amazônica. A pressão em fóruns nacionais e internacionais acabou obrigando o Estado a assumir, em 1995, a causa da erradicação. A partir da ratificação do Protocolo de Palermo, tratado internacional sobre o tráfico de pessoas, em 2004, o Brasil adotou uma política nacional de enfrentamento a esse crime.

A invisibilidade das práticas do tráfico e a cegueira de muitos são algumas das dificuldades para avançar no combate a esse crime. Há quem teime em negar sua realidade, a exemplo de ruralistas em sua busca para esvaziar o conceito legal e a política nacional de combate ao trabalho escravo.

Face à idolatria que sacrifica a dignidade e a liberdade no altar do lucro, ressoa a pergunta feita a Caim: “Onde está teu irmão?” Sim, o escândalo ainda perdura, com o José bíblico renascido sob outros nomes. De nós depende que ele possa sair da invisibilidade, levantar-se, conquistar seus direitos. Oportunamente este é o desafio proposto à sociedade pela Campanha da Fraternidade lançada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. “Tráfico humano e Fraternidade” é seu lema.

E, você, que veste as roupas produzidas por tantos Josés, come o fruto de seu trabalho e mora em residências erguidas por suas mãos, saberia responder onde, neste momento, está teu irmão e tua irmã?

Leonardo Sakamoto
(05/03/2014)

Sobre o Autor: Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. 

O texto acima foi publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, PR, e reproduzido em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/

Foto: Trabalhadores libertados no Pará (João Ripper/Imagens humanas)

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