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[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
11.11.2015 | 17:12 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
A Capelania oferece nesta semana dois textos. 

O primeiro um artigo de  ldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, sobre a crise de representação na democracia, através dos partidos políticos.  Ele afirma que “A crise global da política, é também uma crise da política global”. 

Em seguida, reproduzimos a reportagem de Alejandro Rebossio publicada por El País, com José Antonio Ocampo, economista colombiano, professor de Harvard e coautor, com o Nobel Joseph Stiglitz, do livro Tiempo para una mano visible: lecciones da la crisis financiera mundial de 2008 [Tempo para uma Mão Visível: Lições da Crise Financeira Mundial de 2008]. Na reportagem Ocampo aborda o “Desafio na América Latina de subir imposto da renda e punir sonegação”. 

Desejamos uma boa leitura e reflexão. 


A crise dos partidos e o fim do monopólio da política

"Porquanto os partidos e os políticos perderam o monopólio do discurso político, eles mantêm o monopólio da representação política legal nas democracias. As sociedades mantêm-se prisioneiras desse paradoxo: por um lado, um profundo desencantamento com os partidos e a sua rejeição e, por outro, ela, de alguma forma ou de outra, precisa votar em atores e no sistema que rejeita", escreve Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em artigo publicado por Jornal GGN, 03-11-2015.

Segundo ele, "ao mesmo tempo em que os partidos e os políticos não são capazes e não querem realizar uma reforma política que melhore e modernize o sistema representativo, também não estão dispostos a abrir janelas pelas quais a sociedade possa exercer um maior controle e uma maior regulação sobre eles. A democracia brasileira tende a perdurar nesta interminável agonia, na qual ela está meia morta e meia viva".

Eis o artigo.

A crise global da política, que é também uma crise da política global, tem vários de seus aspectos relacionados à crise dos partidos. A crise afeta os partidos de centro-direita, de centro e de centro esquerda. Nas bordas dessa crise, nos últimos tempos, em alguns países, houve um crescimento de partidos de extrema-direita e de esquerda radical. A própria Grécia é exemplar nesse fenômeno: ao mesmo tempo em que o Syriza venceu três eleições consecutivas, a extrema-direita do Aurora Dourada também cresceu. Isto ocorre, em maior ou menor grau, também em outros países.

O surgimento de Partidos-Movimentos, a exemplo do Syriza e do Podemos na Espanha, foi saudada pela intelectualidade de esquerda como uma nova esperança de organização política mais aberta, menos burocrática e mais propícia de encaminhar uma luta política anti-sistêmica no plano global.

Esses dois partidos, no entanto, são também expressão dos limites que as novas organizações de esquerda padecem. Com três vitórias eleitorais – uma no início do ano, o referendo sobre o acordo da dívida e a nova eleição que reconduziu Alexis Tsipras novamente à condição de primeiro-ministro – o Syriza não conseguiu fugir ao acordo atenuando, mas mesmo assim imposto pelo FMI, pelo Banco Central Europeu e pela Alemanha. O Podemos está em processo de desidratação eleitoral com a recuperação econômica da Espanha, que coloca o conservador Partido Popular na liderança das intenções de votos, seguido pelo tradicional PSOE, de centro-esquerda.

Os Partidos-Movimentos foram vistos como organizações que saberiam combinar a democracia representativa com a democracia direta em seu interior. Até agora, esta esperança não se confirmou. Embora, de fato, tenham permitido uma maior participação de militantes, através de reuniões abertas e de plataformas participativas, tanto o Podemos quanto o Syriza não deixam de ser organizações bastante centralizadas. Convém lembrar o vaticínio de Robert Michels que afirmou que o destino de todos os partidos é a burocratização, a centralização e a oligarquização. O que se pode dizer até agora é que os Partidos-Movimentos são rebentos ainda em formação da crise da esquerda tradicional, que foi cooptada pelo sistema global e se corrompeu. Que tipo de alternativa eles poderão constituir e se são viáveis ou não, são questões ainda abertas.

O Fim do Monopólio Político e o Monopólio da Representação
Do ponto de vista mais geral, a crise dos partidos se relaciona a dois fenômenos. O primeiro diz respeito ao fato de que os partidos, tal como os sistemas democráticos onde atuam, foram capturados pelo grande capital. Essa captura tem vários aspectos, destacando-se: aumento do poder de barganha e de chantagem das empresas em face dos trabalhadores, dos partidos e dos Estados por conta da mobilidade do capital conferida pelas novas tecnologias; limitação do poder dos governos em face do aumento do poder dos mercados; submissão dos partidos aos ditames do capital através do sistema de financiamento privado-publico, o que os têm levado a uma autarquização e estatização crescentes.

Mas um dos problemas mais relevantes para analisar a crise dos partidos, que é uma crise de legitimidade junto aos eleitores por não se reconhecem nos eleitos, diz respeito ao fim do monopólio do discurso político que eles sustentavam por décadas. A perda do monopólio do discurso político se deve ao surgimento daquilo que alguns especialistas chamam de democracia monitória: o surgimento de milhares de instituições e organizações de natureza política, cultural, social e econômica que monitoram e criticam o comportamento dos políticos, dos partidos, dos governos e das instituições representativas. O monitoramento e as críticas desnudam o caráter manipulador do sistema político, os seus equívocos, a sua corrupção e a sua incompetência.

Com isso, os partidos e o sistema político como um todo perdem legitimidade junto à sociedade que, com frequência crescente, passa a assumir um discurso antipolítico ou a votar nas novas agremiações de extrema direita e de esquerda radical que fazem críticas duras aos partidos tradicionais. As redes sociais, que deram voz ampliada a indivíduos e grupos, contribuíram para agravar a perda do monopólio do discurso político.

Mas há um paradoxo em tudo isto: porquanto os partidos e os políticos perderam o monopólio do discurso político, eles mantêm o monopólio da representação política legal nas democracias. As sociedades mantêm-se prisioneiras desse paradoxo: por um lado, um profundo desencantamento com os partidos e a sua rejeição e, por outro, ela, de alguma forma ou de outra, precisa votar em atores e no sistema que rejeita.

Para sair desse impasse, muitos estudiosos propõem a quebra do monopólio da representação política dos partidos, permitindo que movimentos sociais e outros agrupamentos possam lançar candidaturas avulsas, candidaturas não partidárias. As candidaturas avulsas já são uma realidade em vários países e o argumento é que elas exercem uma ação de moderação e de temperamento à conduta dos partidos e dos políticos. Mas não existem ainda estudos significativos que mostrem os impactos que elas exercem sobre os partidos. Nem mesmo se elas melhoraram o sistema de representação, conferindo-lhe uma nova qualidade.

A adoção de candidaturas avulsas, certamente é controversa e envolve riscos. Um dos argumentos que se opõe a esta tese é o de que elas provocariam um enfraquecimento ainda maior dos partidos políticos. O surgimento de oportunistas e carreiristas e uma maior fragmentação do sistema político seriam outros riscos. O fato é que todas essas mazelas estão aí sem a existência de candidaturas avulsas. Se elas viessem a ser adotadas no Brasil, certamente, requerer-se-ia uma regulamentação para evitar algumas das mazelas apontadas.

Ademais, a implantação de candidaturas avulsas em nosso país requer uma mudança constitucional. Dificilmente aqueles que detêm o monopólio da representação política votariam pela quebra do mesmo. Esse é mais um dos becos sem saída da política brasileira: ao mesmo tempo em que os partidos e os políticos não são capazes e não querem realizar uma reforma política que melhore e modernize o sistema representativo, também não estão dispostos a abrir janelas pelas quais a sociedade possa exercer um maior controle e uma maior regulação sobre eles. A democracia brasileira tende a perdurar nesta interminável agonia, na qual ela está meia morta e meia viva. Neste desalento, os avanços econômicos, sociais e políticos são sucedidos por retrocessos, num doloroso espetáculo que parece não ter fim.



Desafio na América Latina é subir imposto da renda e punir sonegação

A América Latina vive tempos de estagnação econômica, e se pretende manter a tendência da década passada, de reverter a desigualdade mais alta do mundo, não mais poderá depender tanto da abundância de recursos, mas sim de sua melhor redistribuição. Essa é a opinião de José Antonio Ocampo, economista colombiano, professor de Harvard e coautor, com o Nobel Joseph Stiglitz, do livro Tiempo para una mano visible: lecciones da la crisis financiera mundial de 2008 [Tempo para uma Mão Visível: Lições da Crise Financeira Mundial de 2008]. E, quando se fala em distribuição, a América Latina continua a registrar dois problemas graves: o imposto de renda, que é um dos tributos mais fraudados e que menos pesa na estrutura de arrecadação dos países, e as contribuições para a seguridade social, cuja não realização mantém 46,8% dos latino-americanos em situação de emprego informal.

A reportagem é de Alejandro Rebossio, publicada por El País, 02-11-2015.
No livro Desigualdad, concentración del ingresso y tributación sobre las altas rentas [Desigualdade, Concentração de Renda e Tributação dos Altos Rendimentos], a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) chama a atenção para a diminuição do peso do imposto de renda na região nas últimas décadas, por três motivos: os tetos considerados baixos (vão de 25% a 35%, abaixo do que se vê na Alemanha, na Inglaterra e na Espanha), o elevado nível de deduções e isenções; e o elevado nível de sonegação. O teto máximo se aplica, nos países desenvolvidos, no caso das pessoas que ganham de três a quatro vezes mais do que o valor do PIB per capita de seus países, mas, na América Latina, essa taxação só atinge aqueles que recebem nove vezes o valor da renda média por habitante.

Nesse sentido, Argentina, Brasil e México aparecem como os países mais desenvolvidos, enquanto Chile, Colômbia, Peru e Venezuela quase não adotam o teto. Além disso, “na prática, as pessoas acabam pagando em média cerca de 10%, e as empresas, às vezes, nada, considerando as diversas isenções e a elisão fiscal”, afirma Suzana Ruiz, especialista da ONG Oxfam Intermón. “Aqueles que estão próximos do poder estabelecem o seu modelo tributário conforme a sua própria medida”, comenta Ruiz. As isenções de imposto de renda chegam a 3,6% do PIB chileno e a 2,5% da riqueza nacional mexicana. Em outras grandes economias da região, atingem menos de 2%.

79% não creem que dinheiro de imposto será usado corretamente
Um dos motivos para a sonegação fiscal na América Latina é a precariedade dos serviços públicos. Estes, por sua vez, são de baixa qualidade, em muitos países, justamente pelo fato de a arrecadação obrigatória ser muito reduzida. “A população latino-americana tem consciência de que deve pagar impostos. O problema é que não confia no Estado, em sua imparcialidade e profissionalismo para administrar adequadamente esses recursos. Uma pesquisa realizada pelo instituto Latinobarômetro mostra que 79% dos cidadãos não acreditam que o dinheiro dos impostos será usado corretamente”, afirma um relatório da consultoria Llorente & Cuenca. Por isso, essa consultoria propõe um “pacto fiscal” que rompa com “esse círculo vicioso de não se pagar impostos porque os serviços prestados pelo Estado são ineficientes e de uma gestão incapaz de controlar as fraudes”. Para a Llorente & Cuenca, “se o cidadão sentir que se beneficia da provisão de bens e serviços públicos por parte do Estado, os governos ganharão em legitimidade e o desprestígio das instituições políticas e do Estado diminuirá, pois, no fim das contas, o que determinará em grande parte o grau de legitimidade e o seu direito de cobrar mais recursos dos contribuintes é justamente a forma como o governo irá gastar os recursos públicos arrecadados”.

A sonegação do IVA (imposto de valor agregado) na América Latina (20% da arrecadação potencial) é semelhante à dos países europeus, mas grandes diferenças aparecem quando se trata do imposto de renda. Em 11 países europeus, a evasão do tributo por parte das empresas chega a 28,7%, ante 54,2% na América Latina. No caso do imposto de renda da pessoa física, a diferença é de 33% para 46,8%. “Os assalariados não têm como fugir do imposto. Já o restante consegue escapar. Os rendimentos mais elevados não são totalmente declarados e problemas graves continuam a existir na administração pública”, avalia Ruiz, da Oxfam.

“O impacto redistributivo [do imposto de renda] é bastante limitado por causa dos baixos níveis de arrecadação”, lamenta o estudo publicado pela CEPAL. Na maioria dos países latino-americanos, esse tributo implica uma redução que não chega a 0,01 ponto no coeficiente de Gini de desigualdade de renda [o nível 1 indica maior desigualdade, e 0, menor]. No México ele gera uma redução de 0,03, e no Brasil, de 0,02.  Na América Latina, o imposto de renda equivale a 5,5% do PIB regional. Nos países ricos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa é de 11,6%.

Baixa arrecadação
Ricardo Martner, especialista da CEPAL, detalha os motivos da baixa arrecadação desse tributo na América Latina. “Primeiramente, isso deve à economia informal, que chega a 70% em alguns países, o que sacrifica a capacidade de controle. Em segundo lugar, houve desde a década de 90 uma diminuição das taxas do imposto, multiplicando-se as isenções, por exemplo, sobre a renda do capital, que é menos tributada do que a renda proveniente do trabalho. Isso é atribuído à globalização e à dificuldade para manter os investimentos dentro do país.” Martner comenta que o 1% dos latino-americanos mais ricos controla 20% da renda, em vez dos 10% registrados nos países desenvolvidos. “Eles têm renda mais elevadas porque pagam pouco imposto... É preciso convencer as empresas a contribuírem conforme os seus rendimentos”, sugere o especialista.

As maneiras utilizadas pelas empresas para pagar pouco imposto são variadas, segundo Dâo Real, especialista da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e do Caribe. “As grandes companhias aumentam os seus custos ou diminuem o seu faturamento manipulando os preços de suas exportações e importações com filiais em outros países, de forma a pagar imposto ali onde o sistema lhes seja mais favorável, por exemplo, em paraísos fiscais. As pequenas e médias, por sua vez, usam mecanismos mais simples: não registram o faturamento de uma parte de suas vendas”, explica Real.  Além disso, “como os países são muito dependentes de investimento estrangeiro, acabam oferecendo muitos incentivos fiscais para atraí-lo, o que gera um aumento do aperto tributário sobre as rendas mais baixas e o consumo”, acrescenta o especialista desse organismo latino-americano.


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