Nas minhas leituras recentes deparei-me com uma referência a uma afirmação colocada na boca de um sábio e por isso iniciada assim: “Um sábio disse”. E segue a afirmação:
“Exercícios difíceis treinam o corpo.
Assuntos difíceis treinam a mente.
Tempos difíceis, treinam o espírito.
Pessoas difíceis treinam o coração”.
A máxima sapiencial fez brotar a reflexão que segue.
“Exercícios difíceis treinam o corpo”. Está em jogo o “corpo” (sentido hebraico de nefesh: “ser vivente”) enquanto capacidade de AGIR. Está contemplada a dimensão ativa do ser humano. Esse, precisa de “exercícios difíceis”: torna-se uma pessoa ativa. Como tal, é aquela pessoa que faz uma ação, que determina os rumos de uma situação, que cocria com o Criador. As pessoas infelizmente “treinam” pouco a capacidade de agir!
“Assuntos difíceis treinam a mente”. Está em jogo a “mente” (sentido grego de nous: “consciência”) enquanto capacidade de REFLETIR. Está presente a dimensão reflexiva do ser humano. Esse, encontra-se diante de “assuntos difíceis”: torna-se uma pessoa reflexiva. Como tal, é aquela pessoa que integra a reflexão, que se comporta com ponderação, que age com prudência, que vive a Serenidade. Está longe o “treino” da capacidade de refletir de tantas pessoas!
“Tempos difíceis, treinam o espírito”. Está em jogo o “espírito” (sentido hebraico de ruah: “sopro”) enquanto capacidade de ESPERANÇAR. Contempla-se a dimensão transcendente do ser humano. Esse, se depara com “tempos difíceis”: torna-se uma pessoa transcendente. Como tal, é uma pessoa que excede o finito, que almeja o superior, que busca o sublime, que ativa o Infinito. Cada vez mais, as pessoas, praticamente, não “treinam” mais a capacidade de esperançar-se!
“Pessoas difíceis treinam o coração”. Está em jogo o “coração” (sentido hebraico de lev: “sede da decisão”) enquanto capacidade de DECIDIR. Transparece a dimensão divina do ser humano. Esse, convive sempre com “pessoas difíceis”: torna-se uma pessoa divina. Como tal, é uma pessoa bela, pessoa que é excelente, que é santa, que participa de Deus. Como almeja-se que mais e mais pessoas se abram para “treinar” a sua capacidade de decidir” (também vontade mais genuína de Deus em relação ao ser humano).
“Agir”, “refletir”, “esperançar” e “decidir”, capacidades de todos nós, pessoas humanas, sempre estão tentadas em fugir de “exercícios difíceis”, de “assuntos difíceis”, de “tempos difíceis”, de “pessoas difíceis”. Porém, a humanidade foi criada “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1). Reside aí sua felicidade, que passa pela dificuldade e não pela facilidade.
Tem razão o sábio acima, quando usa o verbo “treinar” para as quatro dimensões do ser humano: agir, pensar, esperançar e decidir. O grande desafio nos tempos líquidos que estamos vivendo, é justamente este: precisamos treinar solidamente na “Copa da felicidade humana”.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas