O cálculo da felicidade, todos nós o fazemos. Na verdade é o cálculo existencial mais decisivo e determinante que a humanidade faz e deve fazer. Onde devem ser colocados os termos deste cálculo da felicidade?
Os termos do cálculo da felicidade, quando postos apenas na perspectiva da mortalidade, levam a resultados niilistas. Mas quando postos na perspectiva da imortalidade, eles se alteram radicalmente.
Já Platão, depois de constatar que a vida terrena não vale as penas que comportam, agregou a cláusula condicional decisiva: isso só é verdade se não existe uma “esperança sublime”, a imortalidade feliz. Mas se esta existe, então fica claro que o valor pleno da vida terrestre se acha fora dela, ou seja, que ela não tem seu fim-extinção na morte, mas tem seu fim-realização no post mortem. Com isso, a vida temporal ganha um novo sentido de felicidade e um novo encanto: passa a valer fundamentalmente como primeira etapa para a vida plena e feliz.
E é justamente por causa dessa esperança surda ou gritante, numa vida perene, que os humanos, mesmo com um déficit de felicidade terrena, recusam-se a apressar o momento de sair de vez dessa vida. Sim , viver é projetar-se, e projetar-se é transcender. A vida quer sempre mais vida. Pois, a vida se transcende seja horizontalmente (autotranscendência), seja verticalmente (hetero transcendência).
A transcendência horizontal se manifesta na espera por uma vida melhor e feliz já aqui. De fato, cada ser humano, por mais infeliz que seja, espera que sua vida melhore e se alterem os pratos da balança da felicidade. Assim, até que haja vida, há esperança; e vice-versa, até que haja esperança, há vida.
Mas há mais que isso: há ainda a transcendência vertical da vida. Pois a vida não para na horizontalidade da espera, mas se ergue para a verticalidade da esperança escatológica. Todo ser humano, embora às vezes incrédulo, carrega em seu íntimo, de modo explícito ou implícito, a esperança da permanência eterna de seu ser. É o “instinto da eternidade”. Por causa desse instinto vital, mais poderoso que todas as objeções racionais ou emocionais, o ser humano pode dizer: “não obstante, a vida é bela!”
Pensadores de todos os tempos afirmaram: “Sentimus, experimurque nos aeternos esse” – “Sentimos e experimentamos que somos eternos”. O grande Teillard de Chardin, talvez, tenha sido o mais terminante quando afirma que o “homem não levantaria o mindinho” se não fosse pela “convicção mais ou menos obscura” de estar trabalhando para “qualquer coisa de definitivo”.
Evidentemente, o desejo irrepreensível e obscuro da imortalidade, embora não prova demonstrativa, serve, contudo, como poderosa prova moral e psicológica. Em suma: o valor da vida temporal só se ilumina plenamente sub lumine aeternitatis, segundo a sentença agostiniana: “A vida da vida mortal é a esperança na vida imortal”.
Com tudo isso, porém, ainda não chegamos aos termos últimos do cálculo da felicidade. Pois, para a vida do ser humano ser plenamente feliz, não basta que a morte biológica seja vencida e a vida seja imortalizada. É preciso ainda que essa vida, agora imortal, seja plenamente bem-aventurada e feliz. Ao contrário, a imortalidade infeliz, o popular “inferno”, seria o supremo e real niilismo, o niilismo mais horroroso, ao qual seria preferido o niilismo indolor do nada como percebeu Kierkegard. Portanto, para chegar à felicidade bem-aventurada plena, é preciso vencer não só a morte biológica, mas também a morte espiritual, que consiste na alienatio a vita Dei. Essa alienação representa o niilismo mais trágico, o definitivo.
Assim, a vitória final sobre toda a morte, cálculo da verdadeira felicidade, passa por uma vida de comunhão de fé, de esperança e de graça com a fonte de toda a vida e felicidade, que é Deus.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas