De repente as trevas se tornaram mais intensas. As pessoas começaram a não acreditar mais na beleza de si mesmas com sua dignidade, na beleza da família com sua união, na beleza da sociedade com sua fraternidade. Tudo foi-se transformando num consumismo descartável. Oh, trevas do consumo que ilude (popularmente: “quem tem mais chora menos”). As pessoas começaram a não esperar mais na força de si mesmas com sua dignidade, na força da família com sua união, na força da sociedade com sua fraternidade. Tudo foi-se metamorfoseando-se num utilitarismo passageiro. Oh trevas do utilitarismo que desespera (popularmente: “quem pode mais, chora menos”). As pessoas começaram a não amar mais a si mesmas com sua dignidade, a família com sua união, a sociedade com sua fraternidade. Tudo foi-se finalizando num vazio desesperador. Oh trevas do vazio que violenta (popularmente: “quem se aproveita mais, chora menos”).
A pandemia, com todos os seus sofrimentos, tornou mais transparente as trevas do consumismo descartável, do utilitarismo passageiro, do vazio desesperador. A humanidade precisa voltar a acreditar - fé, a esperar - esperança e a amar - amor a LUZ. A humanidade não foi feita para as trevas do consumismo, mesmo ele com sua luz brilhante; ela não foi feita para as trevas do utilitarismo, mesmo ele com sua potência luminosa; ela não foi feita para as trevas do vazio, mesmo ele com o seu prazer incandescente.
A humanidade foi criada por um Criador que enfrentou o “caos das trevas”, como narra a criação do universo o Livro Sagrado do Gênesis. Quando as “trevas do caos” foram transformadas pelo “Deus da luz”, Ele criou o gênero humano à “sua imagem e semelhança”. Como “imagem” para ser reflexo do Deus da Luz e como “semelhança” para agir semelhantemente ao Deus da Luz. Assim a humanidade tem a missão de “ser luz e agir como luz” como o seu Criador e Deus da luz.
A propósito do “somos feitos para ser luz”, nos últimos dias viralizou nas redes sociais a estória do “O Fósforo e a Vela”. Aliás, essa estória inspirou-me para esta minha reflexão. Ei-la: “Certo dia, o fósforo disse para a vela: - ‘Hoje te acenderei!’ – ‘Ah não!’, disse a vela. ‘Você não percebe que se me acender, meus dias estarão contados? Não faça uma maldade dessa’. – ‘Então você quer permanecer toda a sua vida assim? Dura, fria e sem nunca ter brilhado?’, perguntou o fósforo. – ‘Mas, tem que me queimar? Isso dói demais e consome todas as minhas forças’, murmurou a vela. O fósforo respondeu: - ‘Tem toda razão! Mas, essa é a nossa missão. Você e eu fomos feitos para ser luz. O que eu, apenas como fósforo, posso fazer, é muito pouco. Minha chama é pequena e curta. Mas, se passo a minha chama para ti, cumprirei com o sentido de minha vida. Eu fui feito justamente para isso, para começar o fogo. Já você é a vela. Sua missão é brilhar. Toda tua dor e energia se transformará em luz e calor por um bom tempo’. Ouvindo isso, a vela olhou para o fósforo, que já estava no final da sua chama, e disse: - ‘Por favor, acende-me...’. E assim produziu uma linda chama!”
No “caos das trevas”, a humanidade precisa voltar à sua origem de ser luz. Uma luz igual ao “fósforo e a vela” que foram capazes de desfazer-se e produzir uma linda chama. Uma luz que provoque novamente a fé, a esperança e o amor. Uma luz que faz cada um e cada uma “ser mais” em substituição do apenas “ter mais” que leva às trevas da ilusão; uma luz que faz de cada um e de cada uma “servir mais” em substituição do “poder mais” que leva às trevas do desespero; uma luz que faz de cada um e de cada uma “amar mais” em substituição do “aproveitar-se mais” que leva às trevas do vazio.
Fomos feitos para a luz. Missão essa dada pelo nosso Criador. Não cumprindo-a, o “caos das trevas” continuará iludindo, desesperando e esvaziando.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas