/ Notícias / [Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
05.03.2015 | 17:44 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
Quaresma
Escrito por Dom Jaime Spengler

O Tempo da Quaresma nos orienta e prepara para a suprema festa cristã: a Páscoa. Por sua vez a Páscoa ilumina toda a busca cristã. Assim, nós, enquanto atravessamos os quarenta dias do ‘deserto quaresmal’, com a atenção fixa no evento pascal, podemos aprender do combate de Jesus contra o mal, qual a nossa missão no mundo de hoje.

Promover a vida plena para todos, empenhados em afastar de nós qualquer expressão do mal.

A estrada de Jesus conduz à vida. Por isso, os discípulos de ontem e de hoje se empenham em prol de vida para todos, desde o seu concebimento até o seu ocaso natural.

Jesus sentiu, em diferentes momentos de sua vida terrena, a necessidade de se retirar para lugares desertos, de solidão. O deserto, segundo a tradição bíblica, é lugar para escutar a voz de Deus e do tentador. No corre-corre do cotidiano, no rumor, na confusão, na pressa de cada dia não se pode escutar tais vozes; e, se o fazemos, corremos o risco de fazê-lo superficialmente. No deserto, na solidão podemos descer no profundo de nós mesmos e do mistério da vida; é ali que verdadeiramente se joga o nosso destino, a vida e a morte. É espaço onde podemos ouvir a voz capaz de atingir nossa consciência – as vozes do Bem e do Mal. “A beleza do deserto é que ele esconde, em algum lugar, um poço profundo’, nos recorda Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe).

A Quaresma é, pois, para nós tempo privilegiado para recolhermo-nos no ‘deserto’. Ali buscamos nos identificar com Cristo, empenhados em fazer nossos os sentimentos d’Ele (Fl 2,5). O jejum, a oração e a esmola são, segundo a tradição, meios privilegiados para a conformação com o Senhor. Por isso, essas práticas não podem cair numa espécie de formalismo exterior. No jejum somos reintegrados; na oração cultivamos a intimidade com o Senhor; na esmola expressamos bondade e generosidade, ao modo do próprio Deus – Ele é ´bom e compassivo’!

Segundo a tradição oriental, a Quaresma é marcada por uma ‘dolorosa alegria’. Dolorosa porque exige esforço, empenho qual caminho para se chegar à alegria da Páscoa. A ‘dolorosa alegria’ é, talvez, algo de difícil compreensão para nós ocidentais!

No entanto, é certamente essa ‘dolorosa alegria’ que está vivendo a esposa de um nosso jovem, professor de música, membro de um dos nossos mais vigorosos movimentos juvenis (CLJ), estupidamente assassinado, dias atrás, em Porto Alegre. Mas essa é também a realidade de tantas pessoas que se sentem atingidas pela violência sem limites que grassa em nossas ruas, vilas, bairros, praças, cidades. Violência que nem mesmo causa indignação! É a realidade de não poucos cristãos que estão sendo brutal e estupidamente martirizados no oriente, à causa de fundamentalismos e conjunturas político-econômicos! Martírio que se torna ‘show macabro’ nas mídias sociais!

A Quaresma é, de fato, tempo privilegiado para práticas de penitência – oração, jejum e esmola – como meio característico para a expiação dos pecados não só individuais, mas também sociais, tendo em vista o futuro das novas gerações!

A Igreja no Brasil nos convida a, especialmente durante a quaresma de 2015, a refletir sobre o tema “Fraternidade: Igreja e Sociedade”. Os cristãos, filhos e filhas de Deus, são ativos na sociedade. Através do diálogo e da caridade se empenham na transformação da sociedade seguindo os critérios do Evangelho e do Crucificado-Ressuscitado; cuidam das pessoas que são excluídas da sociedade, especialmente os ‘resíduos, sobras’.

Sabem que ‘precisamos de muita penitência’ a fim de afastar de nosso meio o ‘espírito do mal’, que continua produzindo expressões de morte. Sabem que através da esmola, do jejum e da oração poderão cooperar para afastar do seio da sociedade o ‘espírito ruim’ que corrompe, explora, fragiliza, dificulta o projeto do Reino de Deus e sua justiça.

Nesse contexto quaresmal, a Igreja nos convida: do deserto à festa da Vida – a Páscoa!

Fonte: CNBB


Igreja e Sociedade

Dom Pedro Luiz Stringhini
Bispo de Mogi das Cruzes (SP)

A Igreja Católica realiza, nessa quaresma, a 52ª edição da Campanha da Fraternidade, com o tema Fraternidade: Igreja e Sociedade e o lema ‘Eu vim para servir’ (Mc 10,45).

O cartaz mostra o significativo gesto do Papa Francisco beijando os pés de uma pessoa, no rito do lava-pés.
 
Nesses anos, a campanha seguiu três categorias de temas: os ligados à renovação interna da Igreja, os relacionados a questões sociais (família, saúde, educação, trabalho, ecologia) e os referentes a situações existenciais de grupos específicos e excluídos da sociedade (menor, negro, mulher, juventude, indígenas).

Durante a campanha, em todo o País, as comunidades e organismos da Igreja refletem, de forma capilar e popular, o tema proposto. O deste ano oferece como que uma síntese dos anteriores, uma vez que trata da ação social da Igreja, com base em sua Doutrina Social. O ponto de convergência entre Igreja e Sociedade é a busca do bem comum e o esforço de se construir uma sociedade baseada em princípios fundamentais como justiça, direito, paz, liberdade.

O Estado é laico e a Igreja não reivindica para si privilégios, mas as pessoas que compõem a nação têm suas crenças. A Igreja Católica, as outras igrejas cristãs e as religiões não cristãs participam e contribuem na vida da nação, somando forças com outros atores sociais, como os movimentos populares, sindicatos, associações de bairro, partidos políticos, etc.

‘Eu vim para servir’ são palavras de Jesus que embasam o serviço de caridade do cristão e da Igreja, em três dimensões: assistencial, promocional e transformadora. A assistência aos pobres é o socorro imediato a quem está privado do básico, como a alimentação. A promoção humana contempla o aspecto educacional, permitindo aos pobres sentirem-se cidadãos providos de dignidade, direitos e deveres. A transformação social é meta que vislumbra mudanças das estruturas arcaicas e deformadas que servem aos interesses de uma minoria historicamente privilegiada e concentradora da riqueza da nação.

Uma sociedade justa, democrática e sustentável será fruto de uma ação política, no sentido amplo, em que o povo esteja presente por meio de instrumentos legítimos e eficazes, de forma participativa e não só representativa. As pastorais sociais da Igreja têm priorizado esse processo educativo de conscientização.

Assim, o texto base da campanha da fraternidade conclama a um movimento para superação da violência e construção da paz. Incentiva os conselhos paritários de participação social e a participação na reforma política. Alerta para a gravidade da degradação ambiental e a necessidade de políticas públicas de defesa da natureza, especialmente na preservação da água.
 
Em tempos de Campanha da Fraternidade como relacionar Igreja e sociedade, fé e história?

"Cinquenta anos após o encerramento do Concílio Vaticano II, a Igreja no Brasil, nesta Quaresma e por meio da Campanha da Fraternidade 2015, convida a todos os cristãos e “homens de boa vontade” a continuarem atentos ao mandato de Jesus, sem sermos “profetas das desgraças”, relembrado por João XXIII", escreve Sérgio Ricardo Coutinho, mestre (UnB) e doutorando (UFG) em História Social, professor de “História da Igreja” no curso de Teologia no Instituto São Boaventura e de “Serviço Social e Religião” no curso de Serviço Social do Centro Universitário IESB, ambos em Brasília.

Eis o artigo.

Um comentário que recebi há poucos dias, sobre um artigo que publiquei aqui no IHU, trazia perguntas importantes: “Se a Igreja não deve ser ‘autorreferencial’, isto é, ter a si própria, enquanto Corpo Místico de Cristo, cuja Cabeça é o próprio Cristo, como referência, então, qual deveria ser a sua referência? O mundo? A mídia secular? São apenas perguntas…”. Em outras palavras, qual deveria ser a “referência” da Igreja?

Com o “mundo espiritual” ou com o “mundo secular”? Ou com os dois ao mesmo tempo?

De fato, a ideia que a Igreja tem de si mesma, de sua teologia e de sua tradição não é uma questão puramente “interna” (ad intra). Sua auto-compreensão depende de uma compreensão do mundo, ou seja, de que modo compreende sua missão, a maneira de relacionar-se com o mundo e de estar presente na sociedade (ad extra).

O Concílio Vaticano II, que comemoramos o seu Jubileu e que inspirou a Campanha da Fraternidade deste ano, e o processo de sua recepção acabaram por colocar em questão a historicidade, ou seja, o como relacionar a “mudança” e a “continuidade” na Igreja Católica.

Esta discussão, evidentemente, não se iniciou com o Concílio Vaticano II, mas embora não tivesse abordado diretamente o tema da historicidade, manifestou uma abertura para o “mundo” que podia ser traduzida como o reconhecimento da autonomia do mundo e da história em relação à Igreja. Além disso, o Concílio acabou por colocar em questão, não só a historicidade do mundo, mas a própria historicidade da Igreja, onde “descontinuidade” e “continuidade” se articulam de forma dialética.

De fato, era muito forte em diversos setores eclesiais uma compreensão “continuística” da história da Igreja. Esta interpretação não aceitava a ideia de qualquer descontinuidade histórica entre a “Era Constantiniana”, da Igreja Imperial no primeiro milênio, e a “Era Tridentina”, do Concílio de Trento no segundo milênio, e, consequentemente, entre estes períodos e o século XX. E, em relação à sua percepção da “história geral”, sua posição se baseava no pressuposto de que o evoluir histórico da humanidade, ao perder seu ponto central de referência na Igreja, avançava à deriva, num processo que iria se precipitar no abismo do desastre social. A culpa para este processo estava na secularização da sociedade acelerada pela Revolução Francesa.

O tomismo foi, enquanto sistema estruturado de pensamento teológico, o suporte teórico que a Igreja possuiu para a elaboração de uma concepção de sociedade como também serviu, especialmente durante os séculos XIX e parte do XX, de ferramenta para enfrentar a “crise do tempo” causada pela sociedade moderna e a de manter viva seu “projeto histórico”: a “esperança pela volta de um passado”, a “saudade do paraíso” – o mito nunca realizado da Cristandade, o sonho nunca acabado da societas christiana.

No entanto, havia outros setores eclesiais que vinham se desligando de uma percepção teológica metafísica como seu centro de orientação e se redirecionando para uma perspectiva teológica centrada na noção de “história da salvação”, onde a história humana se tornara também uma fonte real da atividade teológica. Em outras palavras, estes setores concederam à história um “lugar” para experimentar sua fé; um lócus theologicus, ou seja, o papel da história e da mudança na Igreja e na teologia.

O Pe. Angelo Giuseppe Roncalli, como professor de História da Igreja no início dos anos 1900, antes de se tornar o papa João XXIII, se apropriando não do tomismo de escola (cristalizado, estático, incondicional, a-histórico), mas do pensamento de Santo Tomás, procurou encontrar respostas para que se pudesse superar a tensão entre reflexão teológica e pesquisa conduzida segundo critérios científicos, quando o horizonte cultural católico tinha sido sacudido por esta problemática. 

Para isso, o jovem padre do Seminário de Bergamo aprofunda sua atitude, sem perder a adesão à doutrina tradicional da Igreja, de assimilar a irrenunciabilidade do método crítico. Buscava na época uma sistematização conceitual do relacionamento entre revelação e história, e entre fidelidade à tradição e mutações da humanidade, enfim entre continuidade e descontinuidade.

Ele fundamentou sua atitude positiva com relação à história especialmente na distinção entre substância e acidentes, que ele já havia valorizado ao tratar, certa vez, da concepção de santidade não como reprodução de um modelo estável, mas como assimilação do núcleo vital da virtude dos santos, adaptado às atitudes de cada um e às circunstâncias específicas. Na medida em que tal distinção pudesse ser aplicada não somente à vida espiritual interior, mas também ao Cristianismo como um todo, seria possível e oportuno “aproximar a antiga virtude do cristianismo às necessidades dos tempos modernos”.

De fato, como demonstrou brilhantemente o teólogo dominicano, e Cardeal, Yves Congar sobre o pensamento deSanto Tomás, este soube distinguir bem o momento necessário, essencial, e o momento contingente, histórico, do mistério sobrenatural. É isto que explicaria o fato (quase que escandaloso), de que ele tenha abordado a graça antes de falar de Cristo porque Cristo, enquanto Verbo encarnado é (só) um meio histórico acidental com relação ao substancial, essencial. 

O mesmo se aplicaria à Igreja: ela engloba os dois aspectos, o essencial-teologal (o permanente) e o histórico sacramental, social e jurídico (o acidental).

Quando da abertura do Concílio Vaticano II, em 1962, Roncalli, agora como João XXIII, recorre à sua consciência histórica, que fora amadurecida ao longo dos 60 anos anteriores de sua vida, para justificar “o gesto [...] de convocar esta soleníssima reunião” como a forma de “afirmar, mais uma vez, a continuidade do magistério eclesiástico, para o apresentar, em forma excepcional, a todos os homens do nosso tempo”, mas sem perder de vista, além dos desvios, “as exigências e as possibilidades deste nosso tempo” (Gaudet Mater Ecclesia).

Em outras palavras, João XXIII desejava potencializar a dimensão acidental da Igreja, diante das aceleradas transformações da sociedade, em vista de uma mudança na forma sem alterar a substância da Igreja: “Uma coisa é a substância do ‘depositum fidei’, [...] e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance”.

João XXIII faz a constatação de que em todas as épocas da Igreja a vida religiosa apresentou aspectos de luz e sombra, implicando o abandono do privilégio concedido por seus predecessores, com diferenças apenas de matizes, a uma Idade Média entendida como um ideal realizado de vida cristã, e a renúncia à apresentação da modernidade como uma louca apostasia da religião, contra a qual a Igreja, juíza suprema da história, tinha lançado inúteis advertências. O papa preferia sublinhar a oportunidade que a época presente oferecia para uma expansão (sem os caminhos anteriores de conquista) e um aprofundamento da mensagem cristã.

É deste modo que João XXIII reafirmava a historicidade da Igreja. Ela não era mais apresentada como uma fortaleza assediada pelo mundo, ardorosa na defesa de uma tradição cuja temporalidade se presumia garantia da verdade, ou mesmo, como um “museu”, como se fosse uma antiguidade a ser preservada; mas fala da natureza da Igreja como um “jardim” com toda a sua diversidade e que aparecia como mergulhada inteira no caminhar evolutivo da humanidade, disposta a levar o anúncio evangélico em harmonia com as condições concretas de existência, participando dos problemas do mundo e oferecendo-lhe o conforto da misericórdia e da caridade.

Para isso, ele se encontrou com a expressão “sinais dos tempos”. O conceito de “sinais dos tempos” foi o modo pelo qual quis apresentar seu “horizonte de expectativas”, aquilo que potencialmente e esperançosamente a Igreja e a sociedade poderiam vir a ser.

Roncalli estava relacionando formas antigas de vida eclesial com a nova época da renovação (“opportuni aggiornamenti”, “atualizações oportunas”), que se abria para a Igreja: “Uma época que poderia ser chamada de missão universal” e na qual, mais do que nunca, era preciso se apropriar “da recomendação de Jesus, de saber distinguir os ‘sinais dos tempos’ (Mt 16,3)” vislumbrando, “no meio de tanta treva, não poucos indícios que dão sólida esperança de tempos melhores para a Igreja e a humanidade” (Humane salutis, 25/12/1961).

Cinquenta anos após o encerramento do Concílio Vaticano II, a Igreja no Brasil, nesta Quaresma e por meio daCampanha da Fraternidade 2015, convida a todos os cristãos e “homens de boa vontade” a continuarem atentos ao mandato de Jesus, sem sermos “profetas das desgraças”, relembrado por João XXIII, de olhar com esperança e otimismo para nossos tempos: “Ao pôr do sol vocês dizem: ‘vai fazer bom tempo, porque o céu está vermelho’. E de manhã: ‘Hoje vai chover, porque o céu está vermelho-escuro’. Olhando o céu, vocês sabem prever o tempo, mas não são capazes de interpretar os sinais dos tempos”. (Mt 16, 2-3).


Compartilhe:

Leia Mais
EU FAÇO
A UCPEL.
E VOCÊ?