Na próxima sexta-feira, dia 1° de maio, comemoramos o Dia do Trabalhador. Em preparação dessa data símbolo de luta pela busca e garantia de direitos dos trabalhadores, a Capelania oferece três artigos que abordam o Projeto de Lei 4330, o “PL da Terceirização”.
Primeiramente, reproduzimos uma Reportagem de Guilherme Barrucho, publicado pela BBC Brasil, que apresenta os diferentes pontos de vista sobre a regulamentação da terceirização de toda e qualquer atividade. O outro é de Fabíola Marques, advogada trabalhista, que foi publicado pelo Jornal El País e reflete sobre as vantagens e desvantagens desta lei para patrões e funcionários. Por fim, disponibilizamos uma entrevista com a Juíza do Trabalho Patrícia Almeida Ramos (SP), da Folha de S. Paulo, que fala sobre a realidade atual dos trabalhadores terceirizados e a perspectiva, caso o PL também seja aprovado pelo Senado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff.
As vésperas do Dia do Trabalhador, a Capelania convida a comunidade acadêmica a refletir sobre a realidade brasileira, bem como sobre a realidade pessoal em sua empresa ou em sua comunidade.
Entenda o projeto que regulamenta a terceirização
Criticado por centrais sindicais, mas apoiado por grande parte do empresariado nacional, o projeto de lei que regulamenta a terceirização dos contratos de trabalho foi aprovado na noite desta quarta-feira pela Câmara dos Deputados, cercado de polêmicas.
A principal delas é a permissão de que empresas terceirizem não só atividades-meio (funções de apoio ao negócio central da empresa, como limpeza e vigilância), mas também as atividades-fim (por exemplo, a fabricação de carros, no caso de uma montadora).
A reportagem é de Luís Guilherme Barrucho, publicada por BBC Brasil, 09-04-2015.
O Plenário da Câmara aprovou o texto-base do projeto de lei por 324 votos a 137, mas alterações no texto-base e pontos mais controversos da proposta só serão votados na terça-feira que vem pelos deputados.
O projeto ainda tem de passar também pelo Senado.
Para os críticos, o projeto de lei é prejudicial aos trabalhadores pois coloca em risco direitos trabalhistas e ganhos salariais, além de poder levar a uma substituição em larga escala da mão de obra contratada pela terceirizada.
Já os defensores da proposta acreditam que ela acaba com a insegurança jurídica, aumenta a produtividade e gera mais empregos.
Projeto é criticado por centrais sindicais, mas apoiado por empresários
Até agora, por causa da ausência de parâmetros definidos para a terceirização, o tema vinha sendo regulado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da chamada Súmula 331, que proíbe a contratação de trabalhadores por meio de empresas interpostas, exceto os trabalhadores temporários (como aqueles que trabalham em época de Natal e Páscoa). De acordo com o dispositivo, a terceirização somente é legal quando se refere à atividade-meio da empresa, e não à atividade-fim.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu entrar na polêmica, ao declarar o tema de repercussão geral, em meio à multiplicação de ações civis públicas ajuizadas pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) envolvendo indenizações milionárias. O julgamento não ocorreu e está previsto para acontecer em 2015.
Centrais, sindicatos e movimentos sociais realizaram manifestações na terça-feira pelo país em oposição à votação do projeto de lei.
"Vamos fazer uma campanha massiva contra todos os deputados que votarem a favor dessa proposta", afirmou Graça Costa, secretária das Relações de Trabalho da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
A BBC Brasil listou três pontos polêmicos do projeto de lei e ouviu opiniões - contra e a favor - sobre ele.
1. Terceirização de toda e qualquer atividade
A possibilidade de que as empresas passem a terceirizar não só a atividade-meio (aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da empresa, ou seja, serviços necessários, mas não essenciais), mas também a atividade-fim (aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa) é um dos itens mais controversos do projeto de lei que regulamenta a prestação de serviços por terceiros.
No caso de um banco, por exemplo, a mudança permitiria que bancários - de operadores de caixa a gerentes, ou seja, aqueles que desempenham atividade-fim nessas instituições - passem a ser terceirizados. Atualmente, nessas empresas, apenas trabalhadores como seguranças ou faxineiros podem ter esse tipo de contrato, pois exercem atividade-meio, já que a atividade principal de um banco não é fazer segurança tampouco faxina.
Os críticos dizem, no entanto, que a flexibilização dos contratos "precariza as relações de trabalho". Eles também argumentam que, ao serem empregados como terceirizados, os trabalhadores perdem os benefícios conquistados pela categoria, como, por exemplo, piso salarial maior, plano de saúde, vale-alimentação, participação nos lucros, entre outros.
"Esse projeto de lei precariza as condições de trabalho no país. Dizem que mais empregos serão gerados, mas com que padrão? Padrão chinês?", critica o juiz Germano Silveira, vice-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), em referência às más condições de trabalho em fábricas na China.
"Os terceirizados ganham salários mais baixos, até metade do que ganha um contratado direto, e sofrem acidentes de trabalho com mais frequência, pois as empresas que prestam o serviço terceirizado economizam nos itens de segurança para cortar custos", acrescenta. "Os deputados (a favor do projeto de lei) querem transformar essa diferença de salário em lucro para os empresários".
Graça Costa, secretária das Relações de Trabalho da CUT (Central Única dos Trabalhadores) concorda. Segundo ela, o projeto, se aprovado, vai provocar uma substituição em massa de trabalhadores contratados por terceirizados.
"Há hoje no Brasil quase 13 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de trabalhadores contratados. Essa situação vai se inverter com a aprovação desse projeto de lei. O objetivo das empresas é unicamente reduzir custos. A relação de trabalho, que hoje é bilateral, ou seja, entre trabalhador e empregador, vai deixar de sê-lo, abrindo espaço para subcontratações a torto e direito. Será quebrada a coluna vertebral do direito do trabalho no Brasil", avalia.
Segundo Costa, estimativas apontam que, além de terem salários menores, os terceirizados trabalham mais e correm mais riscos de sofrer acidentes, inclusive fatais. Ela acrescenta ainda que, dos dez maiores grupos de trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados entre 2010 e 2014, 90% eram de mão de obra terceirizada.
2. Responsabilidade das empresas contratantes sobre obrigações trabalhistas
Pela atual versão do PL 4.330/2004, a empresa contratante (tomadora de serviços) deve fiscalizar se a empresa terceirizadora (fornecedora de serviços) está fazendo os pagamentos trabalhistas e garantindo os benefícios legais, como férias remuneradas.
Apenas se não comprovar ter feito a fiscalização, ela poderá ser punida no caso de alguma irregularidade. O projeto de lei determina que a empresa contratada comprove por meio de documentação mensal que está cumprindo com suas obrigações.
As centrais sindicais, no entanto, defendem que a responsabilidade do tomador de serviço não seja "subsidiária", mas "solidária". No linguajar jurídico, a chamada "responsabilidade subsidiária" significa que a empresa contratante (tomadora de serviços) somente pagará se o devedor principal deixar de pagar.
Isso leva o trabalhador a demorar mais tempo para receber seu dinheiro, no caso de uma demissão sem justa causa, por exemplo - porque ele precisa esgotar primeiro todas as possibilidades para receber do devedor solidário, ou seja, da empresa contratada.
Como muitas vezes essas terceirizadoras têm capital social muito baixo, com poucos bens no nome da empresa ou dos sócios, o trabalhador acaba enfrentando um longo périplo na Justiça para reaver seus direitos, dizem os representantes dos sindicatos.
"Essa foi uma solução intermediária (para o impasse), mas é apenas uma fiscalização formal", critica Silveira.
Para Costa, da CUT, a proposta prejudica o trabalhador porque tira do Estado o poder de fiscalização".
Quanto a encargos previdenciários e Imposto de Renda dos terceirizados, a responsabilidade é da empresa contratante (que antes apenas fiscalizava o pagamento), e não mais da terceirizada.
"Se a empresa terceirizada não cumprir com os direitos dos trabalhadores e a empresa contratante provar que se responsabilizou, o prejudicado será o trabalhador. Não faz sentido deixar na mão do empresário, que tem interesses financeiros nesse sistema, a tarefa de fiscalização, que deveria caber ao Estado", argumenta.
Costa lembra que o escândalo de desvio de verbas na Petrobras criou, recentemente, um impasse sobre obrigações trabalhistas."Mais de 20 mil trabalhadores terceirizados foram demitidos recentemente de empresas que prestavam serviços à Petrobras e não sabem a quem recorrer".
3. Garantias dos direitos trabalhistas aos terceirizados
A garantia dos direitos trabalhistas aos terceirizados, especialmente como deve ficar a representação sindical, é outro ponto de atrito entre críticos e apoiadores do projeto de lei que regulamenta a terceirização da mão de obra.
O texto não assegura a filiação dos terceirizados no sindicato de atividade preponderante da empresa, o que, segundo as lideranças sindicais, fragiliza a organização dos trabalhadores terceirizados.
De acordo com os sindicatos, é comum que terceirizados que trabalhem em um mesmo local tenham diferentes patrões e sejam representados por setores distintos. Negociações com o patronato acabam, assim, prejudicadas, apontam.
"Flexibilizar as relações trabalhistas é um erro, sobretudo no momento de crise. Precisamos de um mercado de trabalho forte, uma massa de trabalhadores com bons salários e com boas condições para que eles possam ser consumidores. O governo vai deixar de arrecadar", conclui Costa.
Outro lado
Na visão dos que apoiam o projeto de lei, a regulamentação dos contratos de prestação de serviços de terceiros beneficia os trabalhadores.
Segundo o deputado Arthur Maia (SD-BA), autor do substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para o PL 4.330/04, havia uma "discriminação contra o trabalhador terceirizado".
"Não temos uma legislação que discipline a matéria. Nosso objetivo é regulamentar as relações de trabalho nesse campo criando uma série de exigências para que uma empresa possa funcionar como terceirizada. Isso beneficia o trabalhador pois lhe dá a segurança que hoje ele não tem", diz Maia.
O deputado argumenta que os sindicatos são contra a proposta por temer uma "redução da arrecadação".
"Quando acontecer a legalização, haverá um fracionamento maior da contribuição sindical entre mais sindicatos. A crítica é legítima. Temos de reconhecer, porém, que não é justo que haja um prejuízo do trabalhador face à arrecadação sindical".
Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), afirmou que "com a regulamentação do trabalho terceirizado, o Brasil irá se alinhar às mais modernas práticas trabalhistas do mundo".
"Depois de muitos anos de debate, a terceirização poderá, enfim, ser regulamentada no Brasil. Isso acabará com a insegurança jurídica, aumentará a competitividade e certamente vai gerar mais empregos".
Para a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a regulamentação da terceirização é "condição imprescindível para que as empresas possam colocar seus produtos no mercado a preço competitivo e, com isso, ajudar o Brasil a sair desta crise inédita e de tamanho imprevisível".
A lei da terceirização é boa? Depende se você é patrão ou funcionário
A lei da terceirização é boa? A resposta para essa pergunta depende muito da posição no mercado que você ocupa. Ela terá consequências diversas para patrões e trabalhadores, e atingirá de forma diferente o setor público e o privado. De acordo com o texto aprovado na Câmara na noite desta quarta, empresas particulares podem terceirizar todas as atividades, tanto as atividades-meio (que são aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da companhia), quanto as atividades-fim, que dizem respeito à sua linha de atuação.
A reportagem é de Gil Alessi e publicada por El País, 23-04-2015.
A advogada trabalhista e professora da PUC-SP Fabíola Marques afirma que a nova lei da terceirização só é boa para o patrão, “que vai terceirizar sempre que isso lhe trouxer uma redução de custos". De acordo com ela, a medida trará economia na folha de pagamento e nos encargos trabalhistas das empresas. Mas uma consequência direta dessa economia é “a redução do valor pago ao empregado terceirizado, que terá sua situação precarizada”. Ou seja, se o empresário gasta menos ao terceirizar, o valor pago à companhia contratada – que conta com sua própria hierarquia e também busca o lucro – será menor, e o salário que essa empresa paga a seus funcionários será mais baixo do que o recebido antes.
Segundo Marques, outra faceta negativa da terceirização para os trabalhadores é o enfraquecimento dos sindicatos, o que também afetaria negativamente os salários. O projeto de lei não garante a filiação dos terceirizados no sindicato da atividade da empresa, o que pode ser prejudicial. “Se antes o faxineiro de um banco fazia parte do sindicato dos bancários, que é forte, após a terceirização ele integrará a entidade de classe da empresa terceirizada”, afirma Marques.
Os terceirizados podem passar a ser representados por diferentes categorias, e perdem benefícios conquistados pelo setor, como piso salarial maior e plano de saúde, além de ver seu poder de barganha reduzido. Por sua vez, os sindicatos fortes também são prejudicados pela terceirização, uma vez que irão ver o seu número de filiados minguar.
O mercado alega que com o modelo atual, as empresas acabam arcando com muitos encargos – incluindo eventuais processos trabalhistas -, o que gera um receio de contratar e prejudica a criação de postos de trabalho. Com a alteração na lei aprovada, existe um discurso do setor de que, com parte das responsabilidades compartilhadas com uma terceirizada – caberá a ela arcar com encargos trabalhistas -, haveria um aumento no número de vagas no mercado e um incremento no emprego. Esse ponto é questionado por centrais sindicais e especialistas, já que nada garante que haverá um aumento de contratações.
“Não existe relação direta entre a lei da terceirização e a abertura de novas vagas de trabalho”, afirma André Cremonesi, juiz titular da 5a vara do Trabalho de São Paulo. De acordo com ele, "no dia seguinte à sanção da lei as empresas começarão a terceirizar sua força de trabalho". Ele acredita que em um processo gradual, "não da noite para o dia", haverão menos trabalhadores contratados diretamente e mais terceirizados, sendo que o percentual de pessoas que podem se ver "nessa situação precária" chega, em teoria, "a quase 100% do total de 100 milhões de pessoas economicamente ativas [incluindo trabalhadores informais, microempresários e etc]". Segundo ele, atualmente 12 milhões de pessoas são terceirizadas.
Ele acredita que, caso a lei seja sancionada, haverá “uma avalanche de ações trabalhistas, com muita gente questionando a constitucionalidade da terceirização”. O magistrado afirma que como muitas vezes a terceirizada não tem patrimônio, o pagamento das indenizações ficará a cargo da empresa contratante. “Essa lei é um retrocesso”. Cremonesi afirma que este processo irá reduzir o poder de compra do trabalhador, e pode provocar uma queda no consumo no médio prazo.
A polêmica em torno do assunto ainda continua. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), classificou a terceirização da atividade fim como uma "pedalada" no direito do trabalhador, abrindo uma frente de conflito com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defensor da lei, que poderia atrasar o envio do projeto ao Senado.
Gaudio Ribeiro, assessor de ministro no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e coordenador dos cursos jurídicos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de Brasília, defende a nova lei, mas reconhece que as empresas terceirizadas “têm uma saúde financeira precária, trabalham no limite, e muitas vezes se veem obrigadas a suprimir direitos". Ele afirma que frequentemente elas não concedem equipamentos de proteção e nem férias, "e consequentemente o número de acidentes de trabalho costuma ser mais elevado”.
Ribeiro acredita que o contrato ideal é “a contratação direta com prazo indeterminado”, mas que isso é inacessível “para uma grande parte da população economicamente ativa”. Logo, ele afirma que a terceirização pode abrir portas para que jovens entrem no mercado de trabalho, ainda que em condições mais precárias.
Outro ponto polêmico do projeto é que a Câmara reduziu de 24 para 12 meses o prazo que a empresa precisa esperar para poder recontratar algum funcionário que era contratado com base na CLT demitido para tornar-se terceirizado. Especialistas afirmam que esse ponto favorece ainda mais a precarização do trabalho, já que incentiva a terceirização de funcionários registrados.
E, caso seja sancionada como está pelo Senado e pela presidenta Dilma Rousseff, a medida pode valer para os contratos atuais. Ou seja, vale para novas contratações e para funcionários que já estão há anos em uma determinada empresa.
PL da terceirização cria 'carcaças de empresas', afirma juíza do trabalho
Para Patrícia Almeida Ramos, presidente da Associação dos Magistrados de Justiça do Trabalho de São Paulo, projeto de lei em discussão no Congresso que autoriza a terceirização de funcionários em qualquer atividade de uma empresa simboliza um "retrocesso muito grande em toda a discussão sobre direitos trabalhistas das últimas décadas".
Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, 20-04-2015, a juíza discorda que terceirização ilimitada reduza o desemprego e traga segurança jurídica. Ela avalia que a terceirização cria "carcaças de empresas", que acabam com um referencial claro sobre quem é responsável pelos funcionários, o que "interessa apenas aos empresários".
Eis a entrevista.
A CUT [Central Única dos Trabalhadores] diz que os juízes do trabalho são todos contrários ao PL da terceirização. Isso é verdade? A opinião contrária ao projeto é hegemônica entre os magistrados?
Sim, existe uma mobilização de juízes do trabalho e de associações de magistrados para tentar barrar esse projeto que, se aprovado, significará um retrocesso muito grande em toda a discussão sobre direitos trabalhistas das últimas décadas. A Anamatra (Associação Nacional de Magistrados Trabalhistas) e as Amatras (Associações Regionais de Magistrados Trabalhistas) têm se manifestado publicamente contra o PL 4330. Temos feito cartas abertas à sociedade e reuniões com deputados para disputar a opinião pública. Acho que os trabalhadores ainda não entenderam a gravidade da situação, se entendessem as mobilizações de rua seriam maiores.
Um dos pontos do PL é a criação de um fundo "caução" de 4% dos contratos para casos em que a empresa terceirizada não recolhe os impostos. Nesses casos, caberia à contratante arcar com os custos, usando esse caução. Paulo Skaf argumenta que isso daria segurança aos trabalhadores. O que a senhora acha?
Na verdade isso seria criar um subterfúgio já prevendo que as terceirizadas não pagariam os impostos, que de fato é uma situação muito comum nessas empresas, não recolher fundo de garantia, atrasar salários. Nós não queremos criar subterfúgios, criar um problema e daí vir com um remendo de solução, nós queremos manter um direito historicamente constituído.
Há muitos casos de empresas terceirizadas que não pagam direitos? A senhora acredita que eles podem se multiplicar com a nova lei?
A Justiça está abarrotada deles – trabalhadores que de um dia para noite são dispensados sem nada receber, porque a empresa, terceirizada, perdeu o contrato com a tomadora de serviços. Sabemos que a contratação de empresas terceirizadas afronta o princípio da isonomia salarial. Em geral, o empregado "terceirizado" recebe salário inferior comparado ao empregado formal, na mesma colocação.
Na mesma linha, acidentes e doenças do trabalho sobem vertiginosamente no caso dos empregados terceirizados, pois as empresas podem não ter condições técnicas e/ou financeiras para investir em segurança e melhores condições de trabalho. Isso em um contexto em que a terceirização é autorizada [atualmente quando usada para as chamadas "atividade meios", como limpeza e segurança].
Muitas empresas buscam formas criativas de burlar a CLT. Recentemente, o Poder Judiciário recebeu uma leva de processos por conta de cooperativas; estas muitas vezes eram empresas disfarçadas que atuavam legitimadas pelo parágrafo único do artigo 442 da CLT, preciso ao declarar que não há vínculo empregatício entre a entidade e os associados. O que notamos é que todo esquema de trabalho que tenta despersonalizar as coisas e criar intermédios acaba gerando mais problema trabalhista. Assim, o contingente de demandas trabalhistas, com a aprovação do PL 4330, tende a se multiplicar, de fato.
A senhora conhece casos de demissões significativas para forçar recontratação por terceirizada e, assim, baixa de salários?
Estes casos fazem parte do cotidiano da Justiça do Trabalho. Diariamente nós, Magistrados, nos deparamos com demandas em que empregados são lesados por perderem seu posto de trabalho, em prol da diminuição de custos e contratação de mão-de-obra mais barata. É muito comum a extinção de departamentos inteiros e a substituição por trabalhadores terceirizados ou "pejotizados". E isso, repito, considerando somente o universo em que terceirização é autorizada: atividade-meio. Imagine o que acontecerá se autorização de contratação de empresa terceirizada for ilimitada.
Que benefícios costumam ser suprimidos em caso de terceirização?
Há um enxugamento geral dos custos com o trabalhador através da redução de seus direitos: redução de salários e a extinção de benefícios convencionais em geral, como vale alimentação e pagamento de horas extra, por exemplo.
Quais os problemas criados pela atual legislação para as empresas? Elas não têm nenhum argumento bom, em termos de ganhos de eficiência e "segurança jurídica"?
Esse argumento da segurança jurídica é problemático. A empresa que atua na legalidade tem segurança jurídica, ninguém está sendo condenado por cumprir a legislação. A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) –em vigor há anos– é clara e de conhecimento de todos (empresários, trabalhadores, juristas), trazendo segurança jurídica aos casos de responsabilidade nas terceirizações lícitas e ilícitas.
O que o empresariado quer é aumentar seu lucro, mas não existe conta mágica, ou eles aumentam esse lucro com uma gestão melhor, com um produto melhor, ou tiram mais ainda do trabalhador. O que estão tentando fazer é tirar da conta do trabalhador. Qualquer aumento de segurança jurídica para a empresa significa uma redução de segurança jurídica para o lado mais fraco, que é o empregado.
De acordo com o empresariado, não há uma especificação que diferencie objetivamente atividade-meio de atividade-fim. Para eles, além de criar incerteza, a dúvida abre espaço para corrupção no processo de fiscalização. A consequência dessa falta de clareza seria que empresas que terceirizaram determinadas atividades passaram a ser alvo de processos e a receber decisões desfavoráveis na Justiça. Para a senhora essas atividades estão bem diferenciadas na legislação? As empresas têm sido injustiçadas pela lei atual?
A jurisprudência e a doutrina já construíram há anos definição clara sobre tal distinção. Atividade-fim é aquela que coincide com o objetivo social da empresa definido em seu estatuto. O restante das atividades realizadas na empresa é considerado como atividade-meio. Invoco novamente o teor da Súmula 331 do TST. Não há "injustiças" praticadas contra as empresas por parte dos Poderes Executivo ou Judiciário. Os empresários que seguem esta regra singela –e não são poucos– não têm nenhum tipo de problema nessa seara.
A senhora acredita que caso o PL 4330 seja aprovado haverá uma queda no desemprego?
Não tenho dúvidas de que a aprovação do PL 4330 aumentará o índice de desemprego, pois os empregados terceirizados terão de aumentar sua carga de trabalho para receber um salário significativo, o que reduzirá o número de vagas no mercado de trabalho. E os empregos oferecidos terão condições precárias. O empregado continuará [e serão exigidas] as mesmas obrigações; em contrapartida, seus direitos serão reduzidos.
Qual o problema mais grave em relação a essa lei e que não está sendo discutido?
Acho que o fato de que essa lei pode aprofundar um processo de despersonalização que cria carcaças de empresas, empresas que são meras fachadas, mas que não respondem por nada porque até sua essência já foi terceirizada. O que significa ter uma empresa se a marca é apenas uma controladora de outras empresas terceirizadas? De que modo isso pode ser benéfico para o trabalhador, para o consumidor, para a sociedade, não ter um referencial claro de quem é responsável pelas coisas? Isso claramente interessa apenas aos empresários.