A Universidade Católica de Pelotas (UCPel) passou a integrar o sistema Grandes Desafios - Brasil (Grand Challenges - Brazil), da Fundação Bill & Melinda Gates. O projeto, que versa sobre transtornos neuropsiquiátricos maternos no ciclo de gravidez e pós-parto foi um dos nove aprovados no país, concorrendo com mais de 150 propostas. No fim do mês de outubro, o coordenador da proposta, professor Ricardo Pinheiro, foi um dos poucos convidados pela Fundação para o encontro anual da entidade, em Pequim, na China. Lá, ele teve a oportunidade de apresentar a proposta para representantes da comunidade científica de todo o mundo.
A Fundação Bill & Melinda Gates investe em vários países, em projetos cuja temática é voltada à saúde para todos, em especial ao desenvolvimento infantil. O estudo da UCPel passou pelo crivo de carta de intenção, apresentação de projeto escrito e arguição oral perante uma banca composta por representantes da própria Fundação, do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Todo o processo levou cerca de um ano.
De acordo com Pinheiro, o projeto será financiado metade pela Fundação, metade pelo Ministério da Saúde via Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). "Trata-se do ingresso da UCPel em uma fonte financiadora internacional com peso na pesquisa em saúde pública", destacou, apontando a possibilidade de internacionalização e avaliação por parte de pares internacionais.
O estudo oficialmente é intitulado Transtornos neuropsiquiátricos maternos no ciclo gravídico-puerperal: detecção e intervenção precoce e suas consequências na tríade familiar.
A partir de janeiro, a equipe da pesquisa buscará identificar e convidar todas as gestantes da zona urbana de Pelotas no primeiro e segundo trimestre para uma avaliação em aspectos de saúde mental, como ansiedade e depressão. Aquelas que forem identificadas com depressão ou risco de desenvolvê-la passarão por uma intervenção psicoterápica breve, gratuitamente. O tratamento será conduzido por uma equipe especializada e treinada. As gestantes serão acompanhadas até três meses após o nascimento do bebê. A intenção é detectar as principais causas do adoecer mental no período gestacional e o impacto na criança.
A UCPel tem um know-how de mais de 30 anos em pesquisas na área de saúde mental da gestante, pós-parto e desenvolvimento infantil precoce. De acordo com o professor, em países em desenvolvimento - como é o caso do Brasil -, aproximadamente 20% das mulheres têm depressão na gestação e 25% têm risco de desenvolver.
A proposta é não só facilitar o restante da gestação quanto melhorar as condições para o bebê. Conforme estudos já realizados pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento, filhos de mães com depressão muitas vezes têm menores índices de desenvolvimento em algumas áreas, como de linguagem, cognição e motora. Além disso, explica Pinheiro, mães deprimidas passam por períodos de internação pós-parto maiores, o que impacta o sistema de saúde. Parto prematuro e bebê com baixo peso também estão associados à depressão na gestação.
O estudo buscará avaliar a eficácia de intervenções terapêuticas para prevenir e tratar a depressão gestacional e do pós-parto - e, concomitantemente, identificar marcadores biológicos intimamente relacionados aos transtornos psiquiátricos, como uma ferramenta de inovação tecnológica para o desenvolvimento de uma combinação de testes, que juntos representem uma alternativa mais eficaz para a prevenção, diagnóstico e tratamento da depressão gestacional, pós-parto e da saúde da criança.
Conforme o pesquisador, os estudos atuais da UCPel caminham em direção similar a estudos em realização noutros países que indicam que o detectar, o compreender e o intervir nas alterações emocionais do ciclo gravídico-puerperal é decisivo para que se possa minimizar o impacto tanto da enfermidade dessa gestante sobre ela mesma quanto a repercussão disso na saúde de seu filho. "Se somos capazes de detectar padrões, somos capazes de prever o adoecimento da mãe e a repercussão no desenvolvimento infantil", explicou o professor.
De acordo com Pinheiro, a proposta é inovadora, porque almeja integrar elementos que tradicionalmente são vistos como distintos na antiga dicotomia mente-cérebro. Segundo ele, o resultado dessa integração tem o potencial de trazer benefícios para um problema conhecido relacionado à imprecisão do diagnóstico de transtornos psiquiátricos. "Somado a isso, a proposta de uma intervenção precoce de baixo custo para um problema severo e com consequências duradouras", adiantou.
Envolvimento
A Fundação Bill & Melinda Gates possivelmente visitará a UCPel em maio ou junho para acompanhar o andamento do projeto. A pesquisa envolverá alunos do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento (PPGSC) e do Mestrado Profissional em Saúde da Mulher, Criança e Adolescente, bolsistas de iniciação científica e técnicos especialmente selecionados para a investigação. Os resultados finais da pesquisa estão previstos para o final de 2017.
* Na foto, o professor Ricardo Pinheiro junto ao grupo de brasileiros no encontro em Pequim. Ele é o terceiro, da esquerda para a direita, na fileira do fundo.