Em um mundo individualista, se perguntar "o que eu tenho a ver com isso?" é um ato diferenciado. As mazelas e desafios coletivos que estão ligados à questões básicas humanas foram o ponto central do seminário realizado na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) nesta sexta-feira (28), cujo título indagava: Terra, Água e Alimento estão nas mãos de quem? O que eu tenho a ver com isso?
Pela manhã, houve mesa-redonda abordando o tema Problematizando as Questões Hídricas. À tarde, o tema foi O Plano Camponês e os Movimentos Sociais. À noite, o tema principal foi Segurança e Soberania Alimentar.
Nesta última parte da programação, as palestrantes foram a professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Wanda Hirai, e a integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST Vila Campesina), Salete Carollo.
Em sua fala, Wanda - que foi professora da UCPel -, destacou que 52 milhões de brasileiros não têm acesso diário à comida de qualidade e na quantidade satisfatória. A prevalência de insegurança alimentar, segundo ela, é quase 50% maior na zona rural do que na zona urbana, uma verdadeira contradição. Isso, explicou, se dá por uma pressão mercadológica que demanda cultivo de determinado tipo de produto e faz com que o agricultor perca a vocação de produção para o autoconsumo.
Conforme a docente, investimentos do Governo Federal em planos agrícolas deixam a desejar. Dos R$ 187 bilhões investidos em 2015, apenas R$ 28 bilhões foram destinados à agricultura familiar - que produz aproximadamente 70% dos alimentos consumidos no país. "Todo o restante foi para o agronegócio", disse. A professora alertou, ainda, para o uso abusivo de agrotóxicos, que coloca o Brasil como o país que mais utiliza no mundo atualmente. "Por ano, cada pessoa consome 5,2 litros de veneno", destacou, mencionando, ainda, que 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados e 28% deles contêm substâncias não autorizadas. "Por esses motivos a população precisa ter autonomia para decidir o que quer comer. Não adianta garantir o alimento, se não há qualidade ou quantidade", pontua.
A segunda palestrante, Salete Carollo, falou sobre a soberania em relação ao processo de produção dos alimentos, processamento, comercialização e consumo. Isso, segundo ela, passa pelo domínio tecnológico da produção das sementes, diversificação da produção - ou seja, produzir aquilo que as pessoas necessitam para se alimentar - a não utilização de agrotóxicos e que os próprios agricultores possam ter o processo de beneficiamento e, por consequência, um mercado direcionado à classe trabalhadora.
De acordo com ela, discutir esse assunto na Universidade é importante porque nesse espaço estão presentes pessoas geradoras de opinião e que querem avançar no processo de soberania alimentar. "Não apenas no acúmulo e na elaboração teórica de novos conhecimentos, mas que também dialoguem com aqueles agricultores que estão dispostos a construir e defender esse projeto", disse.
Integraram o evento, ainda, oficinas, momentos de perguntas e apresentações artísticas.