Um conto húngaro, denominado "o ferreiro da catarata", está muito divulgado e, assim, é do conhecimento de muitas pessoas.
Neste tempo da pandemia da Covid-19, várias vezes, esse conto, também, me veio à tona do profundo da minha lembrança. Qual significado tem a mensagem deste conto, fui me perguntando? Pois, alguns rasgos de significado foram aparecendo e hoje coloco-os por escrito.
Iniciamos com a transcrição do conto húngaro: "Um ferreiro fazia operações de catarata com o seu instrumental de ferreiro e com total perfeição, inclusive de pacientes que eram insolúveis para os cirurgiões profissionais. Um dia, diante de uma equipe médica especialista da Universidade, operou uma pessoa com catarata dupla. O primeiro olho já foi operado com perfeição. Começaram as muitas observações de perigos justos por parte dos médicos. O ferreiro perdeu o controle pessoal e nunca mais conseguiu operar".
Perder o controle do viver e do agir, do agir e viver. Neste tempo pandêmico muitas pessoas perderam o controle do viver e consequentemente do agir. Outras pessoas perderam o controle do agir e consequentemente do viver. Ainda algumas pessoas perderam ambos ao mesmo tempo: do viver e agir e do agir e viver.
Segundo o nosso conto, o ferreiro perdeu o controle no momento que foi observado pela equipe médica. Diante de uma ação exterior ele perdeu o controle. Estava "seguro de si", do seu viver e agir e do seu agir e viver, até o momento em que perdeu a confiança presente nele. De igual modo, fazendo uma comparação simples, também a hodierna humanidade foi atingida pela ação exterior do coronavírus. Estava ela "segura de si", do seu viver e agir e do seu agir e viver, até o momento pandêmico em que perdeu a confiança presente nela.
Ter ou perder o controle do nosso viver e agir e do nosso agir e viver é uma questão de confiança. A palavra "confiança" vem do latim "confidere", formada por "com" – intensificativo, mais "fidere" - "acreditar", que, por sua vez, deriva de "fides" - "fé". Portanto, "confiança" significa depositar fé com intensidade. Ter confiança é "acreditar mesmo". Perder a confiança é "não acreditar mesmo" e isso faz perder o controle do nosso viver e agir e do nosso agir e viver.
A confiança é uma realidade a ser cultivada no nosso interior que não se abala em nada com algo vindo do exterior. Bem cultivada, nada nos pode atingir perdendo o controle do nosso viver e agir, do nosso agir e viver.
O verdadeiro cultivo da confiança, primeiramente acontece num "con-fidere" - "acreditar mesmo" em nós e nos outros como "imagem e semelhança" do Criador de tudo. E depois, acontece num "con-fidere" - "acreditar mesmo" em nós e nos outros como "protagonistas forjados" pelo Senhor da Vida e da História. Trocar os papéis: "con- fidere" - "acreditar mesmo" em nós e nos outros como criadores próprios (sem sermos "imagem e semelhança do Criador") e “con-fidere”- “acreditar mesmo” em nós e nos outros como protagonistas próprios (sem sermos “forjados” pelo Senhor da Vida e da História), isso leva a perder o controle como humanidade, sua vida e ação. Trocando os papéis, qualquer situação adversa - "observações dos professores" nos faz descontrolados e inoperantes - "ferreiro húngaro no final do conto".
Sejamos eternos aprendizes, ancorando a nossa confiança no Criador e Senhor da Vida e da História. Ele e sua sempre Boa Nova são fontes de verdadeira "con-fidentia" - "confiança". Por isso, usando a linguagem querida pelo Papa Francisco, não deixemos que nada nos roube a confiança.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas