/ Notícias / Negação e silenciamento do conflito racial no Brasil é tema de trabalho na UCPel
Negação e silenciamento do conflito racial no Brasil é tema de trabalho na UCPel
Negação e silenciamento do conflito racial no Brasil é tema de trabalho na UCPel
Muitos ainda defendem que o Brasil vive em uma democracia racial. Desde a implementação das ações afirmativas, especialmente as cotas raciais, o conflito que até então era praticamente negado no Brasil ganhou um pouco mais de espaço, possibilitando a análise de diversas novas formas de discurso. O trabalho do recém mestre, formado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Luiz Felipe dos Santos, dá uma contribuição significativa para o quadro da negação e silenciamento do conflito de raça existente no país. 

Luiz Felipe se utilizou da teoria da Análise de Discurso – de filiação pecheutiana – para interpretar fragmentos de discursos do livro do jornalista Ali Kamel, intitulado Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor, onde o autor critica a adoção de cotas raciais, sustentando a tese de que, ao contrário de combater o racismo, elas podem dar origem ao ódio racial que até então era inexistente no Brasil. De acordo com o mestre, a escolha pelo livro de Kamel ocorreu devido ao poder que o diretor geral de Jornalismo da Rede Globo possui.

Antes de chegar às análises de oito fragmentos retirados do livro de Kamel, Luiz Felipe recorreu à história para reconstruir o processo de formação do Brasil, desde a saída do negro da Angola até a chegada em terras brasileiras. “Parti daí para entender toda a estruturação da sociedade brasileira e entender questões atribuídas aos negros como a inaptidão intelectual, cultural, aptidão exagerada para a selvageria”, comenta. Seu trabalho ainda reconstruiu a história do racismo científico, onde a inferioridade da raça negra era defendida devido a aspectos fenótipos. 

O propósito do estudo foi identificar a partir do discurso de Kamel elementos que possam revelar justamente o contrário do afirmado pelo autor: a existência do conflito de raça, enquanto fenômeno ideológico de ordem estrutural, constituindo-se numa distorção que confere privilégios a um determinado grupo em detrimento de outro. 

De acordo com Luiz Felipe, o trabalho não teve como intenção apontar o autor do livro como racista e sim mostrar uma discursividade anterior, evidenciando um discurso ainda existente. “Escolhi a Análise de Discurso justamente por me dar a possibilidade de ter um gesto de interpretação”, diz.

Segundo o autor da dissertação, Kamel aponta em seu livro que não existiram barreiras de ascensão social do negro no país. “Nas últimas sequências discursivas, ele ainda afirma que no Brasil não existe conflito de raça e que vivemos em uma democracia racial” pontua. Essa negação do conflito faz com que ele se amplie, define. “Quando tu negas dizendo que não há racismo e que vivemos em uma democracia social, na verdade estamos silenciando outras questões que estão por trás”. Para o mestre, não havendo o debate não existe possibilidade de chegar a conclusões para resoluções.

Através dos fragmentos selecionados e analisados do livro de Kamel, é possível apontar o quanto ainda existe uma estrutura racista no país. Para ele a comprovação dessa afirmação se dá pela inexistência de uma elite negra e intelectual no Brasil, visto que os negros são mais de 50% da população brasileira. 

A voz de Luiz Felipe - na Análise de Discurso todo o texto é composto de vozes que remetem a certo lugar e a certo momento histórico - começa a aparecer quando ele defende a política de cotas raciais, que, conforme o mestre, não é a solução mais adequada, mas foi o melhor que se obteve em um período de tempo e espaço. “Na medida em que se conserta a estrutura, o racismo individual talvez diminua e seja habitual ver negros em postos de prestígio”, afirma. 

Luiz Felipe defende que o livro de Kamel comprova a existência um discurso racista e que seu trabalho contribui para mostrar como ele se apresenta. “O discurso aponta a nossa realidade. Tentamos silenciar, negar, esconder, mas ele está lá e uma hora aparece. Isso aponta a realidade, a estrutura e a estratificação social que ainda temos”, finaliza.
Compartilhe:

Leia Mais
EU FAÇO
A UCPEL.
E VOCÊ?