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[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
03.06.2015 | 19:01
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
Neste mês a Capelania abordará temas que corroboram com o eixo “Igreja e Reflexões Pastorais”. Nesta primeira semana, véspera do Feriado de Corpus Christi, oferecemos três artigos que discorrem sobre a festa litúrgica que a Igreja celebra anualmente.

O primeiro, “Corpus Christi ou Corpo de Deus? Que corpo, mesmo, esta data recorda e celebra?” foi extraído do portal IHU e é referente a junho de 2009. 

O segundo é um artigo do Pe. Francisco Taborda, sj que “expõe o significado da eucaristia e da transubstanciação, que, embora tão fundamentais para a vida da Igreja, estão cercados de incompreensões e ‘penduricalhos’ que acabam por tirar a atenção do que é mais importante”

Por fim, disponibilizamos o texto de Raymond Gravel, padre da Arquidiocese de Quebec, Canadá, publicado em 11 de junho de 2012, referente ao Domingo do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, onde provoca reflexões à cerca do que é a Eucaristia e como a compreendemos. 

Que este convite à reflexão contribua para vivenciarmos esta data celebrativa na busca de uma fé amadurecida.

Boa leitura.

Sexta, 12 de junho de 2009

Corpus Christi ou Corpo de Deus? Que corpo, mesmo, essa data recorda e celebra?

"Convém que a gente participante da  procissão em homenagem ao Pão Consagrado seja a mesma que pega no arado sem olhar para trás, a que toma a sua cruz em seguimento de Jesus Cristo, a que ama os pobres e os pecadores, não os julgando para não ser julgada, a que, a caminho do Pai, espera encontrá-lO na eternidade, menos por ter participado dessa homenagem e mais por ter dado a vida pelo que aquele Pão simboliza  e encarna". As palavras são de Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin, em artigo gentilmente enviado à IHU On-Line. O texto é alusivo às celebrações de Corpus Christi, realizadas ontem, dia 11 de junho.
Confira o artigo.

Dia 11 de junho, festa ou feriado? “Corpo de Deus” ou “Corpus Christi”? Os grandes meios de comunicação, quando em português, designam o dia como de “Corpo de Deus”; quando em latim, como de “Corpus Christi”. Essa dupla designação levanta a diferença fundamental entre as religiões em geral e o cristianismo em particular. Para aquelas, “Deus é um Espírito perfeitíssimo, eterno, criador do céu e da terra”. Por isso, se o Deus das religiões é só Espírito, para elas é de todo inconveniente falar em “Corpo de Deus”.

Cristianismo fora de Jesus Cristo não está com nada. O Homem-Jesus-de-Nazaré veio ao mundo 2010 anos atrás, na Terra Santa ou Palestina. Deus, para as religiões, é totalmente transcendente e tem sempre aqui na terra um profeta, um guru, alguém em suma, que é quem o explicita. No islamismo, por exemplo, Deus é Allá e seu profeta é Maomé; na religião afro-brasileira, Deus é Oxalá e intermediário é o Orixá; em países asiáticos o Deus transcendente tem Buda como profeta. Enquanto as religiões tem sempre seu referencial em Deus, o cristianismo fora do Homem-Jesus-Cristo não existe. Porém Jesus que é um Homem de carne e osso é também Deus em plenitude. Para os cristãos portanto, a festa do dia 11 está muito mais para “Corpus Christi” do que para “Corpo de Deus”.

[...]

Jesus Cristo é o Deus-Amor porque Ele veio nos revelar o verdadeiro AMOR oblativo, total, só ele digno do nome Amor. O próprio Mahatma Gandhi, que não era cristão, exclamou: “A um povo de famintos, Deus só pode aparecer como Pão” e o Homem de Nazaré disse: “Não há maior prova de amor do que dar a Vida por aqueles aos quais se ama!” Não só falou mas concretizou com seus sofrimentos (paixão), morte na cruz, ressurreição e ascensão. Tornou-se pão para ser símbolo máximo do infinito amor pelas suas criaturas. Isto nós celebramos com a festa-feriado de Corpus Christi. As procissões que levam o Pão consagrado por ruas, casas e janelas enfeitadas para a ocasião, revelam uma devoção popular histórica, devota, cujo valor espiritual e cultural tem de ser acentuado.

A ênfase que se dá a uma Presença sacramental de Jesus Cristo não exclui, todavia, a sua presença igualmente Real, Encarnada e Viva nos corpos daquelas pessoas que, como Ele, foram e têm sido  desprezadas, perseguidas pelo poder econômico, político e religioso de cada época. À nossa volta existe muita gente processada, presa,  condenada e morta, justamente pela fidelidade que guardou ontem e guarda hoje à Sua Vontade Libertadora e Redentora do mal, do pecado, da injustiça.

Uma certa cerimônia religiosa, por sua pompa, solenidade vistosa e aparato, assim, corre o risco de fazer do seu significado o esquecimento do seu significante, sendo capaz de imitar ideologicamente uma exibição de autoridade e poder contra a qual o Corpo de Jesus Cristo, vítima pobre, flagelada e crucificada pelo mesmo tipo de mando, deu testemunho claramente oposto.

O sentido litúrgico dos ritos, das procissões que celebram a Eucaristia, antes de reduzirem o Mistério da Encarnação a uma Presença Mágica de solução de todos os nossos problemas, recorda que ela apareceu numa certa mesa em que se partia  o pão para todas/os, um pão material que, além de saciar a fome física dos comensais, pretendia perenizar tanto um modelo de amor, de partilha e convivência, quanto uma Presença Divina na história.

O fim transcendente ao sacramento celebrado na próxima quinta-feira parece não ser outro que não o do concreto modo pelo qual esse modelo cumpre a ordem de Jesus Cristo, “fazei isso em memória de mim”.  Em que o “nem só de pão vive o homem”, num contexto de repúdio à tentação de um consumo egoísta e exclusivo, posteriormente responsável pelo assassinato do Filho de Deus, vai ser confrontado depois pelo “... felizes os que têm fome e sede de justiça”, “...foi no partir do pão que nós o reconhecemos”, num contexto de ressurreição e de vitória sobre a morte.

Essa explicitação serve bem ao sentido e à referência que a celebração de Corpus Christi comporta. Questiona o reducionismo censurado pelo próprio Jesus Cristo quando advertiu de que não “não é aquele que me chama de Senhor, Senhor, que entrará no Reino dos céus”, pois entre os sinais dos tempos que aparecem hoje, a ausência progressiva dos sinais da Eucaristia, aquela que não é puramente sacramental, parece inquestionável. Tão Real como Essa, aquela constitui desafio à prática de quantas/os querem ser fiéis a uma e à outra já que, em verdade, nem deviam ser consideradas separadamente. 

Entre discutir se a data de celebração de Corpus Christi, portanto, deve ou não ser feriado, se a procissão vai sair com chuva ou sem chuva, quem deve ou não levar o ostensório, parece mais importante refletir que pensamento, sentimento e ação ela nos convida a considerar como os mais apropriados ao Amor e à Vida que ela encarna.
Salvo melhor juízo, convém que a gente participante da  procissão em homenagem ao Pão Consagrado seja a mesma que pega no arado sem olhar para trás, a que toma a sua cruz em seguimento de Jesus Cristo, a que ama os pobres e os pecadores, não os julgando para não ser julgada, a que, a caminho do Pai, espera encontrá-lO na eternidade, menos por ter participado dessa homenagem e mais por ter dado a vida pelo que aquele Pão simboliza e encarna.

Artigos
Publicado em julho-agosto de 2013
Valorizar o sentido mais profundo da Eucaristia: entrevista com pe. Francisco Taborda, sj
Por Da redação

O entrevistado expõe o significado da eucaristia e da transubstanciação, que, embora tão fundamentais para vida da Igreja, estão cercados de incompreensões e “penduricalhos” que acabam por tirar a atenção do que é mais importante.
“Infelizmente, é muito comum confundir-se missa com show. A missa não é um show, e o padre não é um animador de auditório a modo de Sílvio Santos, Faustão ou Gugu Liberato”, esclarece Pe. Francisco Taborda na entrevista a seguir. Doutor em Teologia pela Westfälische Wilhelms-Universität (Münster/Westf.), ele é professor na Faculdade de Teologia dos jesuítas em Belo Horizonte – MG. Tem publicado diversos livros e artigos científicos com a temática dos sacramentos, entre eles: Sacramentos, práxis e festa: Para uma teologia latino-americana dos Sacramentos; Nas fontes de vida cristã: Uma teologia do batismo-crisma; Memorial da Páscoa do Senhor. Pela Paulus, publicou seu mais recente livro, A Igreja e seus ministros: Uma teologia do ministério ordenado.

A experiência de anos estudando, lecionando, escrevendo e celebrando a teologia da eucaristia permite a Pe. Taborda sintetizar de maneira muito clara e categórica o sentido da eucaristia e esclarecer com exímia propriedade e lucidez desvios, incompreensões, distorções e criações de penduricalhos em práticas celebrativas atuais, como a transformação da celebração do sacramento em momento de adoração ou em animação de auditório; da comunidade celebrativa em grupo de tietes; a suposição de que receber a comunhão na mão seria “coisa moderninha”, proveniente da pouca valorização do sacramento… Segundo Pe. Taborda, é muito importante que se saiba que a forma como, até o século IX, se recebia a comunhão era na mão, e quem acha que nossas mãos não são dignas de tocar o sacramento do corpo de Cristo precisa saber que em nenhuma parte da Escritura há alguma invectiva contra as mãos, julgando-as perigosas ou indignas, mas há uma página fortíssima da Epístola de São Tiago contra a língua (cf. Tg 3,1-12).

O que significa a eucaristia?
A melhor definição de eucaristia é – a meu ver – “memorial da Páscoa do Senhor”. Quando, na última ceia, Jesus instituiu a eucaristia, concluiu as palavras da instituição dizendo: “Fazei isto em meu memorial” (ou “em memória de mim” – o que vem a dar no mesmo). Ora, a última ceia, segundo narram os evangelhos sinóticos (Marcos, Mateus e Lucas), foi uma ceia pascal, em que o povo judeu fazia o memorial de sua libertação do Egito, comendo ritualmente um cordeiro imolado, o cordeiro pascal. Cristo foi apresentado por João Batista como o “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Ele é o verdadeiro Cordeiro pascal. A libertação dos judeus do Egito consistiu na passagem do Mar Vermelho. Passaram da escravidão à liberdade e assim se constituíram como povo, o povo de Deus. Assim também a Páscoa de Jesus consistiu na passagem da morte à vida, aquele que fora crucificado ressuscitou. Quando celebramos a eucaristia, fazemos o memorial dessa Páscoa, ou seja, dessa passagem do Senhor, da morte à vida. “Memorial” não é meramente uma recordação nostálgica; é uma celebração que nos faz participar (não fisicamente, mas sacramentalmente, e assim realmente) do mistério celebrado, ou seja, do mistério pascal de Cristo. Com Cristo passamos da morte à vida e nos constituímos como o Corpo de Cristo que é a Igreja.

Por que celebrar Corpus Christi numa data especial após Pentecostes?
A festa de Corpus Christi surgiu numa época em que a maioria dos cristãos já havia perdido essa concepção profunda da eucaristia e a entendia quase unicamente como um rito para fazer Cristo presente no meio de nós, como se do contrário ele estivesse ausente. Com isso, a festa de Corpus Christi se centra na eucaristia como sacramento da presença real de Cristo e deixa em segundo plano (ou mesmo esquece) seu caráter de memorial do mistério pascal. Por isso se julgou insuficiente comemorar a instituição da eucaristia (sacrifício e ceia memorial) na quinta-feira santa, pois lá não aparece em primeiro plano a ideia de presença real. Significa que Corpus Christi é uma “festa de ideia”. Explico: a liturgia comemora, no decorrer do ano litúrgico, a história da salvação, os mistérios da vida de Cristo (e não ideias). As “festas de ideias”, como da Santíssima Trindade, do Santíssimo Nome de Jesus ou de Maria, da Sagrada Família, são introduções tardias no calendário litúrgico, quando já não se compreendia mais a dinâmica histórica da revelação de Deus. Por isso era preciso encontrar uma data, mas essa data não tinha lugar na grande estrutura do ano litúrgico que se baseia na história da salvação. Daí ter-se recorrido a uma data que não estivesse tão claramente marcada pela intervenção de Deus na história humana. Assim recaiu a escolha no que hoje chamamos de “tempo comum” e que antes da reforma litúrgica do Vaticano II se chamava “tempo depois de Pentecostes”.

O que é transubstanciação e por que ainda hoje ela causa tantos questionamentos?
Transubstanciação é a mudança de toda a substância do pão e toda a substância do vinho na substância do corpo e do sangue de Jesus. Essa é a definição correta, mas é demasiado técnica. Por si hoje não se consegue mais entender seu significado, já que a própria palavra-chave “substância” tem na atualidade outra significação do que outrora, no século XII, quando essa palavra foi criada, ou no século XVI, quando o Concílio de Trento a considerou sumamente apta para expressar o mistério eucarístico. Hoje, como vivemos influenciados pelas ciências exatas, a palavra “substância” evoca, por exemplo, uma substância química. Ora, uma substância química é uma coisa que tem cheiro, cor, forma, tamanho etc. Pois bem. “Substância” no sentido usado na palavra “transubstanciação” é exatamente o contrário disso. Nesse sentido, “substância” se contrapõe a “acidente”, e tudo aquilo que foi antes mencionado (cheiro, cor, forma, tamanho) são acidentes! E os acidentes são justamente o que não muda na transubstanciação. O pão e o vinho consagrados (seria melhor chamá-los de “eucaristizados”, isto é, sobre os quais foi pronunciada a oração de ação de graças, a eucaristia) continuam a ter o mesmo cheiro, a mesma cor, o mesmo peso, enfim, as mesmas características físico-químicas. Então o que mudou? Mudou a realidade última do pão e do vinho que, embora do ponto de vista físico-químico continuem a ser o que chamamos pão e vinho, do ponto de vista metafísico já não o são; agora são corpo e sangue de Cristo. No momento em que o pão eucaristizado deixa de ser pão (por exemplo, fica bolorento), já não é mais o corpo de Cristo; no momento em que o vinho eucaristizado deixa de ser vinho (por exemplo, azeda), já não é mais o sangue de Cristo.

O que seria de nossas igrejas e nossa vida sem a presença da eucaristia? Pode-se dizer que a igreja vive da eucaristia?
Não sei se a pergunta entende pela palavra “igreja” o edifício de tijolos, pedra ou concreto ou se se trata da Igreja viva, ou seja, a Igreja que somos nós, todos os membros do Corpo de Cristo, a Igreja-Corpo. A igreja-edifício é apenas o espaço onde se reúne a Igreja-Corpo. Agora a Igreja-Corpo não pode existir sem eucaristia, pois, se é verdade que a Igreja é que faz a eucaristia, é mais ainda verdade que a eucaristia faz a Igreja. Nós nos constituímos como Igreja pela eucaristia. A finalidade da eucaristia não é fazer Cristo presente, como se, do contrário, não estivesse presente na Igreja; é fazer de nós o Corpo de Cristo. O Concílio, na Constituição sobre a Liturgia, nº 7, diz muito claramente que há vários modos de presença de Cristo na liturgia. Cristo está presente substancialmente nas espécies eucarísticas (ou seja: sob os acidentes do pão e do vinho). Mas está também presente na pessoa do padre que preside, pois a missa não é desse padre ou daquele padre (como é comum ouvir dizer); o verdadeiro celebrante da missa é o próprio Cristo, o padre é apenas seu ministro, seu instrumento visível, e como tal deve “desaparecer” para que Cristo transpareça. Como dizia João Batista: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). A Constituição sobre a Liturgia continua lembrando que Cristo está presente na celebração de cada sacramento, pois, como dizia Santo Agostinho, “quer Pedro batize, quer Judas batize, é Cristo quem batiza”. Ou seja: o batismo não vale mais por ter sido administrado pelo primeiro apóstolo, nem vale menos por ter sido administrado pelo traidor, pois eles são meros ministros; o batismo vale porque, seja lá quem for o ministro, é Cristo que batiza. Ora, se é Cristo que batiza, ele está presente quando se celebra o sacramento. E isso que é dito do batismo vale para qualquer outro sacramento. O Concílio ainda fala da presença de Cristo na proclamação da Palavra de Deus, da presença de Cristo na comunidade que celebra sua fé com salmos e hinos, na assembleia reunida em seu nome (cf. Mt 18,20). Mais tarde, Paulo VI, na encíclica Mysterium fidei, retomou esse ensinamento do Concílio e completou-o, lembrando a presença de Cristo quando se exerce a caridade para com o necessitado (cf. Mt 25,40), a presença de Cristo no magistério da Igreja e assim por diante.

O Concílio diz que o sacramento da eucaristia é a síntese e o cume para onde tendem todos os sacramentos. Por quê?
O centro de nossa fé é o mistério pascal de Cristo, sua morte e ressurreição. Ora, a eucaristia é o memorial dessa Páscoa de Cristo, o sacramento que nos faz participar desse momento culminante de toda a história da salvação. Ela é, portanto, a síntese da fé, já que a fé não é só tomar conhecimento de algo que, do contrário, não se saberia (por exemplo, de que Cristo morreu e ressuscitou), mas é tomar parte naquilo que cremos, tornar concreto em nossa vida o mistério da fé (fundamentalmente, a morte e a ressurreição de Cristo).

Todos os sacramentos nos dão participar do mistério pascal de Cristo sob determinado ponto de vista. Por exemplo: pelo sacramento da penitência ou reconciliação participamos do mistério pascal de Cristo enquanto ele operou, de uma vez por todas, a remissão dos pecados. Mas a eucaristia nos dá participar do próprio mistério pascal, enquanto nela se atualiza nossa participação na entrega de Cristo ao Pai, em que consiste o mistério de Cristo. Dito de outra forma: todos os sacramentos têm relação com o fato de que ser cristão é ser membro do Corpo de Cristo. Por exemplo: pelo batismo passamos a ser membros do Corpo de Cristo; pela reconciliação, voltamos a ser membros vivos do Corpo de Cristo, para o qual havíamos morrido pelo pecado. Mas, pela eucaristia, crescemos cada dia como Corpo de Cristo. É como o ser humano: a criança ao nascer já é um corpo humano, mas precisa crescer e, para isso, necessita de alimento, e, se por acaso adoecer, precisa de remédio. O batismo é nosso nascimento; a eucaristia é alimento que nos permite crescer como Corpo de Cristo; a reconciliação é o remédio que nos faz viver de novo, quando morremos pelo pecado.

Qual é o sentido da presença de Cristo na eucaristia?
Cristo está presente na eucaristia sob as espécies de pão e de vinho. Ora, pão e vinho são alimentos. Logo, o sentido da presença de Cristo na eucaristia é que nós nos alimentemos dele. A adoração ao Santíssimo Sacramento não é a finalidade e o sentido primeiro da eucaristia, mas um sentido derivado: já que Cristo está presente, pode-se adorá-lo. Mas Jesus não disse ao instituir a eucaristia: “tomem e contemplem” ou “tomem e adorem”, mas “tomem e comam”, “tomem e bebam”. A exposição do Santíssimo Sacramento para que seja adorado tem a mesma finalidade que, numa padaria, pôr os pães na vitrine: é para despertar o desejo de comer aqueles pães tão apetitosos. Assim também a exposição do Santíssimo é para que desperte em nós o desejo de participarmos da celebração da eucaristia, que é o fundamental; a adoração é secundária como decorrência da presença real e substancial de Cristo sob os acidentes do pão e do vinho. [...].

O pão da partilha!

A mão que recebe o Corpo de Cristo está prestes a dar o pão ao que tem fome. O Corpo e o Sangue de Cristo são o santo Sacramento da refeição que nos faz viver no Ressuscitado.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, Domingo do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo (11 de junho de 2012). A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referência bíblica:

Evangelho: Mc 14,12-16.22-26

Hoje é a festa do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, é a festa da Eucaristia, a Festa de Deus: a festa da presença do Cristo da Páscoa na Eucaristia tem duas mesas: a mesa da Palavra proclamada, interpretada e atualizada, e a mesa da partilha do pão e às vezes do vinho, para significar a comunhão entre nós, com Cristo Ressuscitado...

Nós que vamos à missa regularmente temos que nos perguntar: O que é a Eucaristia? Será um rito no qual nós participamos sem nos vincular com os outros membros da comunidade?

No comentário da Revista Signes d’aujourd’hui, o teólogo francês Patrick Jacquemont escreve o seguinte: “A Ceia é uma refeição e não um altar. Os discípulos foram preparar a mesa. Jesus, na véspera de sua morte, comeu com os discípulos. Ele partiu o pão. Não se trata somente de multiplicar os pães, mas ele quis manifestar uma presença: “Tomem, isto é o meu corpo” (Mc 14,22). Jesus está presente e ele promete está-lo cada vez que o pão for partido. É o que foi realizado na noite da Páscoa ao redor da mesa de Emaús e o que se realiza ainda hoje, de eucaristia em eucaristia, de missa em missa”.

Se entendo bem o que escreveu Patrick Jacquemont, a Eucaristia é uma refeição que une pessoas diferentes, mas que partilham uma mesma fé, uma mesma esperança, uma mesma amizade, uma mesma família, e essa comida se inscreve no quadro de uma festa: é a comida pascal. E no interior dessa refeição, há um rito particular que exprime a presença do Cristo Ressuscitado...

Preparando a homilia deste domingo, eu fiz duas constatações:

1. Nas nossas missas, nós perdemos o marco primitivo da refeição... Podemos compreender essa realidade sobre o plano histórico, sendo que tivemos que adaptar as nossas missas às grandes assembleias que queriam celebrar a Eucaristia de forma regular e com muita gente... É totalmente correto, sempre que não se perca o sentido do gesto que faz...

Então, a questão que vem é a seguinte: qual é o sentido da Eucaristia? A Eucaristia nos leva à Páscoa, isto é, nos leva a esse evento fundador da fé cristão: a morte-ressurreição de Jesus. Então, celebrá-la é fazer memória do Cristo que nos libera do sofrimento e da morte, dando ele mesmo a sua própria vida por nós...

Patrick Jacquemont continua: “Jesus está presente na eucaristia para que nós vivamos da sua vida que explode na manhã da Páscoa. Jesus nos dá a sua vida para que nós a compartilhemos pela nossa vez”... É o que quer dizer o “façam isto em memória de mim”. A mão que recebe o Corpo de Cristo está prestes a dar o pão ao que tem fome. Os lábios que bebem do cálice estão livres para beijar o portador de HIV. O Corpo e o Sangue de Cristo são o santo Sacramento da refeição que nos faz viver no Ressuscitado.
Não é por nada que Santo Agostinho, no século IV, dizia: “Tornem-se aquilo que comem; vocês comem o Corpo de Cristo, tornem-se o Corpo de Cristo”. E se nós conservamos o pão eucarístico, é para ir até aqueles e aquelas que são incapazes de vir na missa, por causa da sua saúde, afim de que também eles possam unir-se com os que participam dela. É só por essa razão que se pode conservar o pão consagrado. A Ceia é uma refeição e não um altar. O pão, então, está feito para ser partilhado e comido, e não para ser exposto e adorado.

Atualmente, em nossas eucaristias, nós perdemos um pouco o sentido da festa. Cristo ressuscitou e ele está vivo através de nós, seus discípulos. E, porém, as nossas missas parecem mais enterros do que festas. É evidente que nós nos lembramos da passagem que Jesus teve que fazer para ressuscitar, mas ele ressuscitou. Por que parece que ele não está? Temos mais a impressão de que estamos na Sexta-Feira Santa do que no Domingo de Páscoa...

É verdade que chegamos à missa com as nossas feridas, os nossos limites e fraquezas... Mas também é verdade que, partilhando com os outros aquilo que somos, nós podemos esperar compartilhar descanso, cura e libertação de tudo o que nos impede viver. Se Cristo ressuscitou, ele nos ressuscita também... Essa é a esperança cristã...

Por outro lado, há um detalhe no evangelho que é muito importante: No momento em que Marcos escreve o evangelho estamos em plena perseguição em Roma... Os cristãos estão, sem dúvida, desanimados pela situação... Se Jesus ressuscitou e ele está presente na comunidade cristã, como explicar que tudo esteja indo tão mal? Pedro também foi crucificado e Paulo foi decapitado... Será que dá para continuar aguardando?

E aí Marcos tenta retomar o fio dos eventos respondendo à confusão dos cristãos à comunidade: “No primeiro dia dos Ázimos, quando matavam os cordeiros para a Páscoa, os discípulos perguntaram a Jesus: ‘"Onde queres que vamos preparar para que comas a Páscoa?’"(Mc 14,12). É uma inquietação, uma dúvida que se instala; os discípulos estão preocupados pelo que acontece em Jerusalém que vem de ser destruída,e em Roma onde os cristãos foram perseguidos.

À pergunta feita por Marcos, o Cristo do evangelho responde: “Jesus mandou então dois de seus discípulos, dizendo: ‘Vão à cidade.Um homem carregando um jarro de água virá ao encontro de vocês. Sigam-no’” (Mc 14,13). Seguramente não é corrente que um homem leve um cântaro de água... Na época, eram as mulheres as que faziam isso... Então, por que um homem?

O exegeta francês Jean Debruynne explica esse detalhe, dizendo que o caminho da fé sai do ordinário... É um caminho novo, que não é evidente... Se pudermos seguir esse homem que leva um cântaro de água, é sinal de que existe sempre um caminho possível para viver a sua fé. Esse caminho não é habitual; ele é novo. Não foi traçado com antecedência. É na novidade que podemos descobri-lo e pegá-lo. Então, sempre é possível viver a sua fé, mas devemos viver de outra maneira. Jean Debruynne escreveu: “É um caminho-surpresa, um caminho surpreendente... Certamente Jesus nos anuncia também o caminho da sua cruz, mas, ao mesmo tempo, ele nos anuncia também o caminho da fé. Não é porque nós estamos um pouco perdidos que a fé não existe. Não se trata de outra fé, mas sim de outra maneira”.

O que me fica disso, hoje, é o que nós estamos em outro contexto histórico diferente daquele de Marcos, mas, ao mesmo tempo, há algo parecido. Os crentes atualmente esvaziaram a missa; se voltaram indiferentes; eles não se reconhecem nas nossas assembleias litúrgicas e o conteúdo das nossas celebrações não lhes diz absolutamente nada. Então, se queremos dar-lhes o gosto de celebrar, talvez tenhamos que propor outros caminhos e seguir outros portadores de água, diferentes dos que eles estão acostumados. Talvez as nossas Eucaristias tornar-se-iam mais significativas e iriam interpelar mais os crentes atuais. Uma coisa é certa: o pão que repartimos, que nós partilhamos, que nos fala da presença do Ressuscitado, esse pão é feito para ser comido, e não para ser exposto e adorado.
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