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[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
01.10.2014 | 17:28 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
Nesta semana e na próxima, no espaço deste nosso Convite à Reflexão, vamos nos ocupar com o momento político nacional. As eleições no Brasil nos instigam a pensar sobre a nossa realidade.

Os subsídios oferecidos neste dia relacionam a dimensão propriamente política com dois grandes campos da dinâmica social: o papel e o peso da grande mídia, e os interesses econômicos das grandes corporações, notadamente as ligadas ao agronegócio.

O primeiro texto reproduz o início de uma série divulgada pela Intervozes, e que versa sobre o fenômeno da concentração dos meios de comunicação de massa sob o controle de grupos políticos, o chamado coronelismo eletrônico. Com esse conceito, designa-se o poder exercido pela grande mídia na esfera política, e se denuncia os riscos desse procedimento para a democracia: “Num quadro em que um meio de comunicação de massa, que deveria cumprir uma função pública, é controlado por um político, que pode influenciar sua linha editorial, a autonomia e independência deste veículo para exercer o controle sobre o poder público estão totalmente comprometidas. Ao mesmo tempo, o proprietário do veículo passa a ter o poder de filtrar e restringir informações e conteúdos a serem divulgados, na medida de seus interesses e de seus correligionários, numa prática de autopromoção”.

Em seguida trazemos uma reportagem que alerta para o fato do crescimento da influência do poderio do agronegócio no destino político de nosso país. Tal fenômeno contém o agravante de que ele ultrapassa o âmbito de um ou de outro partido, mas vem pautando a agenda das principais forças políticas em ação.
Vale lembrar que os limites de nosso projeto não nos permitem ir mais a fundo nas questões abordadas. Por isso chamamos a atenção para as remissões que aparecem nos artigos que ora publicamos.

Que a leitura e reflexão dos presentes textos nos ajudem a ampliar e densificar nosso horizonte de compreensão do contexto que nos é dado viver.


Coronelismo, antena e voto:
a apropriação política das emissoras de rádio e TV

Como a prática, recorrente no Brasil, de políticos eleitos se tornarem proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão ou de radiodifusores serem eleitos para cargos do poder público e passarem a legislar em causa própria é prejudicial à democracia. O comentário é de Carlos Gustavo Yoda, jornalista e integrante do Intervozes, em artigo publicado por CartaCapital, 23-09-2014.

Eis o artigo.

“Coronel” é patente militar em quase todos os exércitos do mundo. O mais alto posto antes de “general” dentro das Forças Armadas do Brasil, figura responsável pelo regimento de uma ou mais tropas ou companhias. No Nordeste brasileiro, “coronel” também é sinônimo de grandes proprietários de terra, “os coroné”, quem manda, aquele que dita as regras. Daí o termo “coronelismo”, cunhado, em 1948, no clássico da ciência política moderna Coronelismo, Enxada e Voto, do jurista Victor Nunes Leal, para dar nome ao sistema político que sustentou a República Velha (1889-1930). Entre as interpretações de documentos, legislações e dados estatísticos, o livro explica como o mandonismo local se misturava aos altos escalões das estruturas de poder.

Mais de 60 anos se passaram desde a publicação de Victor Nunes Leal. E o coronelismo de outrora ganhou novos contornos, entre eles, o chamado coronelismo eletrônico. Em período eleitoral, nada mais importante do que revisitar essa história e analisar como o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos segue influenciando os rumos da política brasileira.

Para provocar essa reflexão, a partir desta semana, o Intervozes, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, publica uma série de reportagens sobre o fenômeno da concentração dos meios sob o controle de grupos políticos. Daqui até o final da campanha eleitoral vamos mostrar por que e como esta prática é prejudicial à democracia, o que diz a legislação e a quem cabe fiscalizar e punir os abusos, quem são os principais partidos e grupos econômicos que violam a Constituição e se aproveitam desta ilegalidade. Por fim, buscaremos conhecer como funcionam as regras em outros países que desenvolveram mecanismos eficazes de combate ao coronelismo eletrônico.

A publicação das reportagens é uma contribuição do Intervozes à campanha Fora Coronéis da Mídia, lançada em julho deste ano pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), com o objetivo de mobilizar os mais diversos movimentos sociais e sensibilizar a sociedade e as esferas de poder sobre o tema.

Origens do problema
De acordo com Victor Nunes Leal, durante a Velha República, a milícia imperial estava a serviço dos grandes proprietários de terras e escravos. Esta articulação entre quem comandava as instituições públicas e os grandes fazendeiros passou a influenciar os processos eleitorais. Sucessivos governos locais, estaduais e federais se elegeram com o chamado “voto de cabresto”, a partir da relação estabelecida em locais pobres. O coronelismo se sustentava, assim, em um sistema político de troca de favores recíprocos, onde o voto é moeda de troca por benefícios pessoais, em detrimento do interesse público e do bem comum, também interpretados como clientelismo e fisiologismo.

Mesmo em meio a uma lavoura economicamente decadente, os coronéis continuaram a manter uma moeda de valor inestimável: a influência absoluta sobre a vontade e os destinos de empregados, meeiros e todos aqueles envolvidos em torno do grande latifúndio. O valor dessa moeda aumentou com a democratização formal do País, sobretudo no período republicano quando se universaliza o direito ao voto: o “coronel” passa a ser então o elo de ligação entre o poder estadual e os eleitores. Aos governos cabia, como contrapartida, o reconhecimento da autoridade local e a alimentação desse poder, através da cessão de alguns recursos: empréstimos, empregos e, sobretudo, os favores das forças policiais. A liderança do coronel exige o sistema representativo, e essa é a preocupação central de Victor Nunes ao longo de seu livro. Ele destaca ainda que o sistema coronelista depende sobretudo de um ambiente baseado na estrutura arcaica de concentração de propriedade do latifúndio.

Com indicadores censitários da década de 1940, Victor Nunes aponta que os grandes latifúndios ocupavam mais de 75% em área das terras disponíveis no País e que 70% da população ativa pertenciam à categoria dos não-proprietários, cifra que chegava a 90%, somados os pequenos proprietários, cuja situação era de total precariedade, na maior parte dos lugares.

Apesar do coronelismo ser um episódio histórico, consequências e processos culturais do sistema coronelista ainda se fazem sentir na arcaica distribuição fundiária, de renda e de poder no Brasil.

Coronelismo eletrônico
“Mais sofisticado, sutil e ainda mais perverso”, na opinião do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Francisco Fonseca é o “moderno” fenômeno do coronelismo eletrônico, ou seja, o uso de canais de comunicação de radiodifusão para atender a interesses políticos – prática que perdura nos tempos digitais. Suas origens estão no autoritarismo coronelista de décadas passadas e a prática política traz inúmeras semelhanças com seus modelos de concentração de propriedade. Só que, em vez do poder sobre as terras, o controle agora também alcança as ondas do rádio e da TV.

No início da década de 1980, um repórter da Rádio Rural, de Concórdia (SC), abria espaço para o depoimento do ex-senador Atílio Fontana: “Senador, o microfone é todo seu”. O senador, ciente de suas propriedades, disse a quem quisesse ouvir: “Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda”. Este episódio foi narrado em matéria do Jornal do Brasil que, naquela época, já denunciava o uso eleitoreiro de 104 estações de rádio e televisão, espalhadas por 16 estados, de propriedade de deputados, governadores, senadores ou ministros.

O cenário da época foi analisado pela professora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Suzy dos Santos, no artigo “O Coronelismo Eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. Nos anos 80, o processo de abertura política do regime militar dava seus primeiros passos. Depois de 15 anos de bipartidarismo, em novembro de 1979, a Reforma Partidária foi aprovada. Os novos partidos começavam a ser articulados.

“Também naquele ano, foram liberadas as eleições diretas para governos estaduais. A concentração partidária, através dos governadores, senadores e prefeitos ‘biônicos’ e da maioria do Congresso com representantes da Arena, deu o tom da distribuição das outorgas de radiodifusão para as elites políticas. Na reportagem do Jornal do Brasil, 81,73% das estações de rádio e televisão mencionadas eram controladas por afiliados do PDS”, partido de remanescentes da Arena, explica Suzy.

Desde a denúncia no Jornal do Brasil, a expressão “coronelismo eletrônico” tem sido usada com frequência na mídia e em artigos acadêmicos para se referir ao cenário brasileiro no qual políticos eleitos se tornam proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão – ou, então, tão comum quanto, radiodifusores são eleitos para cargos do poder público e passam, no caso dos eleitos para o Congresso Nacional, a participar das comissões legislativas que outorgam os serviços e regulam os meios de comunicação no país, legislando em causa própria. Não foram poucos os casos na história. Todos passaram impunes.

Neste cenário, alerta Francisco Fonseca, da FGV, as instituições políticas acabam cooptadas pelo poder econômico dos grupos de comunicação. “O coronelismo midiático provoca o fim da diversidade. É antidemocrático. Estimula as estruturas de oligopólios e as pautas [jornalísticas] em nome de uma elite. É uma censura de mercado, econômica”, afirma.

O impacto desta prática nos processos eleitorais e na configuração das representações das instituições também é significativo. O rádio e, principalmente, a televisão continuam sendo os meios de comunicação de massa de maior alcance na população. A última PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) mostrou que 97,2% das residências possuem pelo menos um aparelho de televisão e 75,7%, um de rádio.

A esses meios de comunicação cabe o papel de dar expressão às demandas e à diversidade da sociedade em todos os seus aspectos, mas também de fiscalizar os poderes públicos e a iniciativa privada. É também por meio de uma mídia livre que se estabelece a ligação e o controle entre representantes e representados, como princípio fundamental para o ambiente democrático. Por isso, a Constituição Federal garante o direito de acesso à informação aos cidadãos e, em conjunto, a liberdade de imprensa.

Num quadro em que um meio de comunicação de massa, que deveria cumprir uma função pública, é controlado por um político, que pode influenciar sua linha editorial, a autonomia e independência deste veículo para exercer o controle sobre o poder público estão totalmente comprometidas. Ao mesmo tempo, o proprietário do veículo passa a ter o poder de filtrar e restringir informações e conteúdos a serem divulgados, na medida de seus interesses e de seus correligionários, numa prática de autopromoção.

Fica caracterizado, assim, um claro desequilíbrio nos princípios de igualdade dos processos eleitorais, numa situação que pode configurar até mesmo a violação de eleições livres, com candidatos e partidos em condições totalmente desiguais de disputa.

Compreendendo o risco para a democracia brasileira do controle de serviços públicos, como a radiodifusão, por políticos, a Constituição Federal, em seu artigo 54, proíbe que deputados e senadores sejam proprietários ou diretores de empresas concessionárias de serviço público ou exerçam cargo ou emprego remunerado nesses espaços privados. A medida vem sendo respeitada para diversos serviços, mas segue ignorada no caso do rádio e da televisão (como veremos nas demais reportagens desta série).

No próximo artigo, você vai saber o que pensam o Ministério das Comunicações, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral sobre esta prática. E saber como a sociedade civil e partidos políticos contrários a este uso das concessões de rádio e TV estão lutando contra o problema.

Fonte: Instituto Humanitas (IHU), Unisinos, 24 de setembro de 2014



Cortejado por candidatos, agronegócio expõe força eleitoral inédita

"Estávamos habituados a ir atrás dos candidatos à Presidência para levar nossos pedidos, mas pela primeira vez eles é que estão nos procurando". A declaração, feita à BBC Brasil pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, expõe a força do agronegócio nesta eleição.

A reportagem é de João Fellet e publicada por BBC Brasil, 22-09-2014.

Responsável por uma fatia cada vez maior da economia brasileira, o setor nunca esteve tão presente nos discursos, agendas e alianças dos candidatos que lideram a corrida presidencial. Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) têm se reunido com representantes do segmento de olho em doações para suas campanhas, no poder do grupo em influenciar votos e na sua força no Congresso.

"O cortejo dos candidatos ao agronegócio cresceu de forma excepcional em relação a eleições passadas e está mais escancarado, intenso e assumido", diz o jornalista Alceu Castilho, estudioso das relações entre política e agronegócio e autor do livro Partido da Terra (editora Contexto, 2012).

Uma das maiores provas desse cortejo, diz Castilho, ocorreu no início de agosto, quando os três principais presidenciáveis – à época, o candidato do PSB era Eduardo Campos – foram sabatinados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Na última eleição presidencial, somente o candidato do PSDB, José Serra,  visitou a entidade.

Contribuições
As contribuições do setor às campanhas ajudam a explicar a aproximação, diz Castilho. Elas expõem o crescente poderio do agronegócio num momento em que a economia nacional fraqueja.

Segundo a CNA, o setor hoje representa 23% do PIB (Produto Interno Bruto) e foi responsável por 41% das exportações do país em 2013. O Brasil hoje é o maior exportador global de café, açúcar, suco de laranja, carne bovina, frango, soja em grão e milho.

Castilho diz que as doações do grupo JBS, maior processador de carne do mundo, são emblemáticas. Na eleição de 2010, a empresa repassou R$ 35 milhões a comitês e diretórios partidários e integrou o segundo escalão entre as maiores doadoras. Neste pleito, a empresa já doou R$ 71,9 milhões e disputa a liderança da lista.

Outros grandes grupos do setor – entre os quais a Cosan, a Cutrale e a Copersucar – também integram a lista das empresas que mais doaram até agora.
Castilho diz, no entanto, que o peso do agronegócio nas doações eleitorais não pode ser medido somente pelos repasses de empresas do ramo, já que importantes doadoras de outros segmentos também têm fortes laços com o setor.

Ele cita entre essas companhias a construtora Queiroz Galvão, dona de fazendas de eucalipto no Maranhão, e a fabricante de bebidas Ambev, que possui indústrias de sucos e exerce grande influência na cadeia produtiva agrícola.

Para ele, as duas gigantes – assim como várias outras empresas originariamente de outros ramos – também exercem lobby político em favor do agronegócio.

Presidenciáveis
Dentre os três principais presidenciáveis, Aécio é considerado o candidato mais próximo do agronegócio. O coordenador de seu programa de governo para o setor é o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

Dilma tem como principal aliada no ramo a presidente licenciada da CNA Kátia Abreu (PMDB-TO), cotada para assumir o Ministério da Agricultura se a petista for reeleita.

Marina é quem desperta mais receio no setor. Desde a morte de Eduardo Campos, ela tem elogiado o segmento e dito que apenas uma "pequena fração" de seus representantes "não atualizou suas práticas" ambientais.

A candidata do PSB tem buscado se aproximar de empresários de açúcar e etanol em São Paulo, e conta nessa tarefa com a ajuda de seu vice, o deputado federal  Beto Albuquerque (PSB-RS), que mantém boas relações com o setor.

Apoio no Congresso
Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, ao acenar ao agronegócio, os presidenciáveis também tentam garantir apoios no Congresso caso vençam a disputa. A bancada ruralista é considerada pelo Diap como a mais forte da Casa. Segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária, nome oficial da bancada, 23% dos deputados e 16% dos senadores integram o grupo.

A bancada se reúne em almoço todas as sextas para definir prioridades e posições. Segundo Queiroz, o grupo indicou o atual ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB-MT), e os presidentes das comissões de Agricultura e do Meio Ambiente da Câmara e da Comissão de Reforma Agrária do Senado.

Tradicionalmente, afirma ele, associações que representam grandes produtores de matérias primas agrícolas – como a CNA – exerciam na bancada uma influência sem paralelo. Hoje, porém, a bancada também mantém relações próximas com indústrias ligadas ao agronegócio, representadas por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria).

O perfil dos representantes da bancada também tem mudado, diz Queiroz. Grandes empresas do ramo deixaram de apoiar apenas políticos que são proprietários de terra e passaram a chancelar candidatos de outros ramos profissionais.

"Hoje há a opção em apoiar candidatos economistas, advogados, profissionais liberais que sejam identificados com o setor, mas não sejam tão expostos como os donos de terras."

Cidades pequenas
Para o cientista político Edélcio Vigna, que estuda a bancada desde o fim da ditadura, outro motivo para o cortejo dos presidenciáveis ao agronegócio é sua capacidade de angariar votos.

Vigna afirma que o PMDB, que tem o maior número de congressistas ruralistas, é também o partido que controla mais prefeituras no país. E especialmente nos municípios pequenos, que são 80% do total e onde as campanhas dos presidenciáveis só chegam pela TV, os prefeitos têm grande poder de influenciar votos.

Para ele, o peso político do setor eliminou do debate eleitoral bandeiras tradicionais da esquerda. "Não se discute mais reforma agrária, função social da propriedade, desapropriação de terras", afirma. "Hoje a discussão sobre o campo é somente econômica, desenvolvimentista."


Fonte: Instituto Humanitas (IHU), Unisinos, 23 de setembro de 2014
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