A discussão da criminalidade, punições, sistema carcerário e suas nuances teve lugar durante o 8º Encontro Transdisciplinar de Ciência Penitenciária, na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) nos dias 16 e 17. Temas palpitantes em qualquer noticiário e até mesmo na vida de cada cidadão foram as questões abordadas pelos palestrantes de renome como a doutora em filosofia do direito, Ana Messuti, funcionária internacional da Organização das Nações Unidas (ONU). A promoção foi do Grupo Interdisciplinar de Trabalho e Estudos Criminais-Penitenciários (GITEP) da UCPel.
Vivendo em Genebra, na Suíça, há 16 anos, e natural da Argentina, a pesquisadora esteve pela primeira vez em Pelotas. Tendo como área de dedicação a filosofia penal, Ana abordou na noite do dia 16 o tema “O Tempo como Pena”. De acordo com ela, a palestra instigou a reflexão a respeito do tempo do ponto de vista jurídico, e do ponto de vista de quem está encarcerado. “O sofrimento da intensidade de duração da pena”, disse. Para a pesquisadora, cerca de 85% do direito penal dedica-se a tipificar e categorizar delitos, enquanto pouca atenção se dá à pena em si, e até que ponto ela causa danos realmente.
Para ela, o sentido filosófico de liberdade remete a crescimento e pertença enquanto membro de grupo social. “Quando te privam da liberdade, te expulsam do convívio. É a gravidade da pena em função da exclusão”, afirmou. Segundo a pesquisadora, a pena é maior quando não há essa interação com os demais, fato que envolve os familiares. “E neste momento a sociedade tende a pedir penas mais graves, pois ‘quanto mais tempo de tranqüilidade melhor’, e não se calcula o castigo em si. É necessário saber distinguir problemas psicóticos de delinqüências econômicas”, disse.
Conforme a professora, o encaminhamento da questão está centrado na conscientização acadêmica dos profissionais da justiça e também nos meios de comunicação. De acordo com ela, o trabalho desenvolvido pelo GITEP é muito importante para esta discussão. “Se há pressão acadêmica e doutrinária profunda, só pode vir de grupos interdisciplinares como esse. O único jeito de encarar o sistema penal é interdisciplinar”, afirmou.
A lei paralela
O assunto abordado pelo doutor em sociologia pela Unicamp, Roberto Barbato Júnior, foi “Direito Informal e Criminalidade: Os Códigos do Cárcere e do Tráfico”, assunto de livro de sua autoria, de mesmo nome. O pesquisador explanou a respeito das narrativas de presidiários a respeito das histórias do cárcere, de que lançou mão para escrever a obra. “Existem formas alternativas de resolução dos conflitos sociais que são alheias ao direito formal ou oficial”, disse. Assim, Barbato Júnior tratou dos conflitos que surgem nos presídios e são resolvidos de acordo com a forma que os presos se organizam internamente. Ou seja, a justiça dos próprios presidiários. Na oportunidade, ele também tratou da questão dos ataques realizados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo. “Discutimos o código que transcende a barreira do cárcere”, contou.
Segundo o palestrante, a grande discussão no momento é até que ponto o direito informal tem autonomia para suplantar o direito formal.
A obra está entre os dez finalistas do prêmio Jabuti de literatura, na área de direito.
Criminologia e Subjetividade
A abordagem mais psicológica da questão ficou a cargo da professora doutora em psicologia clínica da Universidade Federal Fluminense, do Rio de Janeiro, Cristina Rauter. Ela realizou a abordagem “Criminologia e Subjetividade”, com ênfase no trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa da sua universidade, que é dispositivo da criminalidade.
De acordo com ela, o tema da criminalidade está em alta como característica da sociedade contemporânea. “Por uma série de motivos, uns tem medo dos outros. Por isso, vivemos cada vez mais isolados. O medo do crime produz isolamento e entristecimento da sociedade”, explicou. A pesquisadora trabalha com a hipótese de que estas manifestações servem para controlar a população. “Ficamos com medo, e assim mais submissos. São dispositivos que os poderosos usam”, disse. Apesar disto, Cristina comentou que esses “poderosos” são anônimos, pois o poder na sociedade contemporânea é em rede, e não é claramente detectável.
Além disso, a palestrante disse que a prisão é um grande problema. “Até o momento, encarcerar não tem sido solução, mas um sintoma. Criamos mais um problema, gerando mais crimes e reincidências. A sociedade precisa da cadeia por não ter sido capaz de criar outra solução”, afirmou.