As religiões, por serem as vias de acesso ao Transcendente, são as "instituições do sentido" por excelência. O sentido da vida é sua especialidade, como se exprimiu Jacques Lacan, numa entrevista coletiva: "No que concerne ao sentido, eles (os religiosos) conhecem um bocado. São capazes de dar um sentido realmente a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por exemplo. São formados nisso. Desde o começo tudo que é religião consiste em dar um sentido às coisas".
Assim o sentido das religiões é dar sentido à vida. Mas elas só o fazem na medida em que elevam a pessoa humana a Deus, pois tal é a primeira e fundamental função da religião. Se, depois, ela confere também sentido, isso acontece apenas indiretamente e como por efeito, mostrando aí, que a “questão Deus" é, em si mesma, prioritária sobre a "questão sentido ". O sentido, fruto que é da fé religiosa, serve de critério para verificar até que ponto uma religião é viva, verdadeira e fecunda. De fato, quando uma religião falha na tarefa de comunicar sentido, reduz-se à mera instituição social, perdendo o interesse das pessoas e a relevância na história. Se quiser recuperar sua função e, daí, sua credibilidade, precisa se renovar, reconectando-se com a questão decisiva do destino último do ser humano que a religião, em sua linguagem, chama de "salvação". É, pois, da problemática humana mais fundamental que ela tem que partir, se quiser inserir na história a proposta religiosa de sentido.
A "volta da religião" que vivemos na civilização pós-moderna, é um dos fenômenos mais marcantes e ao mesmo tempo mais surpreendentes de nosso tempo. A novidade desse fenômeno não é tanto que a religião volta ao âmbito pessoal e social, depois de seu presumido desaparecimento. Mas, antes, que ela assume novas formas de expressão, ganhe visibilidade pública e se torne objeto de um novo interesse por parte de todos, particularmente, das classes pensantes. Essas, pelo fato de sua opção moderna racionalista, acabaram num estado de profundo depauperamento espiritual. Sentem-se agora sufocados no horizonte do mundo e querem ganhar altura, ou seja, transcender. Mas para onde?
Não se trata de uma "volta religiosa", estabelecendo um "fundamentalismo": processo de afirmação identitária de tipo hard; nem criando uma nebulosa mística-esotérica: forma soft de religião, ao contrário da primeira. Trata-se, sim, das "grandes Religiões" em vias de renovação para o essencial.
Os dois primeiros processos representam posições extremas, diametralmente opostos, colocando-se o terceiro numa posição média, enquanto busca conservar o essencial de sua mensagem para o sentido da vida e, ao mesmo tempo, mudar suas formas históricas de expressão.
Que os processos da "volta da religião" não encontrem a entrada da porta do cristianismo, guardião da única proposta capaz de derrotar totalmente o niilismo, é uma questão que, em parte, o próprio cristianismo é e será chamado a responder.
Como cristão que sou, e, comigo tantos outros que se professam cristãos, nós acreditamos que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus encarnado na história, veio para que Nele todas as portas para o sentido da vida se tornem realidade: Ele é o Caminho certo, a Verdade segura e a Vida plena. Sentido à vida não é ter esse Caminho, essa Verdade e essa Vida para o aqui - imanência e para o depois – transcendência?
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas