Qual é o perfil do ser humano pós-moderno que a civilização de hoje necessita? Colocar essa questão já é uma ousadia. Respondê-la, é ousadia maior. Mesmo assim, propus-me elaborar uma resposta nas poucas linhas abaixo, de apenas um sintético artigo.
Para iniciar, a resposta ao perfil do ser humano pós-moderno, é determinada, particularmente, em função das condições pessoais e sociais, marcadas por um crescente niilismo e por profundas desigualdades e gritantes injustiças que estão presentes na civilização hodierna. Também marcada pelo horizonte cultural de um milênio que está se inaugurando – cultura marcada pela racionalidade e pelo espírito “intelectóidista”, de um lado, mas igualmente por manifestações de uma subjetividade extrema e única, que faz do indivíduo, centro, critério e fim de tudo, inclusive da “própria religião”. “Cada um acredita no que quer!” Mesmo, ainda sentado a uma suposta mesa marcada pela essencialidade e pela hospitalidade, cada um se apodera do supremo direito do indivíduo onipotente. E, mesmo refém da globalização, sente-se senhor das suas ideias e crenças, de seus desejos e “valorizações”. Para fazer frente a esse contexto, iniciando minha tentativa de resposta, a civilização atual precisa de seres humanos pós-modernos dotados de convicções profundas, identidade pessoal e social clara, possuidores de fina preocupação altruísta e não menor sensibilidade social.
Assim, em uma civilização marcada pelo consumismo pragmático e pela busca de satisfações imediatas, polarizada no desfrute do presente e fechada às interrogações transcendentes, a nossa civilização precisa de seres humanos pós-modernos imbuídos de profundo sentido de vida, com experiência madura de fé, de esperança, de amor e forte abertura ao Transcendente. Esses seres pós-modernos devem ser capazes de dar testemunho de vida e de responderem à inquietude mais profunda do coração humano, que feito para o Deus-Criador, só em Deus-Criador pode encontrar repouso: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti”, já afirmava Agostinho de Hipona, umas das mentes mais brilhantes da história da humanidade até hoje.
Mais, em uma civilização marcada pelo pluralismo de pensamentos cognitivos, de critérios éticos, de estilos vivenciais, de culturas diferentes, de religiões diversas, o ser humano pós-moderno deve sentir-se membro da história hodierna. Em meio a este pluralismo ideológico e axiológico, o ser humano deve possuir convicções sólidas, ser capaz de vivê-las e testemunhá-las. Isso ajudará à civilização a confessar uma fé madura, a dar razão de sua esperança e a viver o dom maior do amor, em um momento histórico, em que se “tudo vale”, o que “menos vale”, corre o risco de ser justamente o ser humano, tornado objeto e instrumento da mera civilização egoísta e “descartante”.
Por fim, em uma civilização marcada por injustas desigualdades, mesmo passando por sistemas sociais que se dizem aptos para o bem-estar do ser e conviver do gênero humano, a humanidade pós-moderna deve reinventar a fraternidade social e ambiental. Essa é urgentíssima, acabando com a hegemonia de uma minoria em detrimento da maioria - bilhões de seres humanos sobrevivem a duras penas e o próprio sistema planetário rebela-se contra os seus agressores, prenunciando dias terríveis para a “Casa Comum” (Papa Francisco). Humanidade e “Casa Comum”, na pós-modernidade, se veem crescentemente ameaçadas pelas consequências, não só previsíveis, mas previstas, pela volta de adesão forte dos seres humanos pós-modernos ao pecado de “Eva e Adão”, com a expulsão do “paraíso”, e, pela volta de adesão forte dos seres humanos pós-modernos ao pecado de “Caim”, com o fratricídio de “Abel”. Perfila-se, portanto, para o ser humano pós-moderno, sem perda de tempo, a retomada de uma nova “Eva” e novo “Adão” e seu novo paraíso, e, a incorporação de “Abel” e sua real fraternidade.
Resumindo, a civilização atual, precisa de seres humanos pós-modernos imbuídos de profundo sentido de vida e responsabilidade e compromisso social e ambiental, capazes de educar novas gerações que, primeiro, vivam com sentido de vida, segundo, chamem à responsabilidade, e terceiro, engajem-se de corpo e alma nas lutas pelo reinado da justiça e da paz, da verdade e do amor, tendo como parâmetro a dignidade inviolável da pessoa humana e da integridade da “Casa Comum”.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas