Conta-se: Buda e seus discípulos decidiram empreender uma jornada durante a qual atravessariam vários territórios e cidades. Um dia, no qual o sol brilhava com todo o seu esplendor, viram ao longe um lago e pararam para matar a sede. Na chegada, Buda se dirigiu ao seu discípulo mais jovem e impaciente: – “Tenho sede. Você pode me trazer um pouco de água daquele lago?” O discípulo foi até o lago, mas quando chegou percebeu que um carro de bois começou a atravessá-lo e a água, pouco a pouco, ficou turva. Após esta situação, o discípulo pensou: “Não posso dar ao mestre esta água barrenta para beber”. Então ele voltou e disse a Buda: – “A água está muito lamacenta. Não acho que podemos bebê-la”. Buda não respondeu, mas também não fez nenhum movimento. Depois de um tempo, ele pediu ao discípulo para retornar ao lago e trazer água para ele. Este, como não queria desafiar seu mestre, foi até o lago; é claro que ficou furioso, pois não entendia por que tinha que voltar se a água estava lamacenta e não podia ser tomada. Ao chegar, ele observou que a água mudou de aparência, parecia boa e estava cristalina. Então, ele pegou um pouco e a levou para Buda. Ele olhou para a água e disse ao seu discípulo: – “O que você fez para limpar a água?” O discípulo não entendeu a pergunta, ele não tinha feito nada. Então, Buda olhou para ele e explicou: – “Você esperou e a deixou parada. Desta forma, a lama se assentou sozinha e você teve água limpa. Não seja impaciente. Pelo contrário, seja paciente”.
Parece que apenas sabemos medir o tempo pelo relógio e pensando que não temos tempo a perder. O tempo do relógio é regulado por uma máquina. É neutro e inodoro, isento e uniforme, corre inalterável, dirige-se sempre para frente, indiferente às ingerências do presente e do passado. O tempo do relógio é descomplicado e contínuo, capaz de estabelecer, a qualquer preço, a sua progressividade. É um tempo sem vínculos que estabilizam, sem sentimentos que atrasam, sem raízes que maturam. O pensador e poeta português, José Tolentino Mendonça, afirma: “O tempo do relógio não é exatamente um tempo humano”. Mesmo assim, fazemos do triunfo do tempo do relógio uma espécie de interdito civilizacional.
O exercício da paciência começa pela aceitação esperançosa da vida. Ela nos coloca face a face com a vulnerabilidade, tanto a própria quanto a dos outros. Sentimo-nos, ainda, distantes das nossas metas, não gostamos de tudo o que encontramos em nós e à nossa volta, percebemos que há um trabalho de transformação que deve prosseguir ou mesmo ser intensificado. Não se deve confundir paciência com indecisão, passividade, escassa coragem e ânimo empreendedor. Pelo contrário: paciência é, sim, audácia de não se deixar instrumentalizar pela precipitação ou se bloquear pelo temor. Paciência, sim, é investir ativamente o nosso tempo na gestão das expressões complexas e inesperadas da vida, mas fazendo-o com sabedoria, serenidade e atitude construtiva. Já, um dos maiores pensadores de todos os tempos, o santo Tomás de Aquino, explicando a paciência, dizia que "ela é a capacidade de não desesperar".
O agricultor não escava desesperado a terra atrás da semente que ali deixou, mas aparta-se dela sabendo que há um tempo necessário de separação para que a semente, no seu ritmo, possa crescer e frutificar. A paciência é atenção à singularidade e à oportunidade de cada tempo, plenamente conscientes de que a existência se constrói com realidades muito diversas: situações de proveniência diversa, memórias heterogêneas, fragmentos disto e daquilo, caligrafias inesquecíveis, pegadas que prosseguem lado a lado mesmo visivelmente desiguais. A nossa unidade pessoal, a nossa comunhão com os outros e a nossa relação com Deus só se realizam no encontro inesperado do diverso: por uma via demorada de escuta, de disponibilidade, de efetivo reconhecimento, de partilha e, por fim, de encontro. A maior parte do tempo habitamos o inacabado. A paciência, então, é a arte de acolher o inacabado e, a partir dele, partir para uma ação incessante de ressignificação - um trabalho de reconciliação.
Giacomo Leopardi, escritor italiano, lembrou, de forma um pouco irônica, que "a paciência é a mais heroica das virtudes, precisamente por não possuir aparentemente nada de heroico". Nessa linha, o próprio termo grego para paciência, makrothymia, descreve fundamentalmente "um modo de respirar". Assim, a paciência é respiração longa, distendida e aberta, bem ao contrário do nosso respirar ofegante e férreo. Talvez tudo o que tenhamos que aprender a fazer, seja isto: respirar melhor.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas