O desejo, que todos portamos em nossos corações, é de que a Festa do Natal/2021 nos dê, em meio à pandemia que ainda estamos vivendo, o presente sereno e profundo de tocarmos a bondade de nosso Deus com as mãos, infundindo-nos nova coragem.
Para melhor compreendermos o significado do Natal do Senhor, também é importante uma breve referência à origem histórica desta solenidade. De fato, o Ano litúrgico da Igreja não se desenvolveu inicialmente a partir do evento do nascimento de Cristo, mas sim da fé em sua Ressurreição.
O primeiro a afirmar com clareza que Jesus teria nascido em 25 de dezembro foi o escritor antigo, Hipólito de Roma, em seu comentário ao Livro do Profeta Daniel, escrito por volta de 204. Algum exegeta observa, depois, que nesse dia era celebrada a festa à Dedicação ao Templo de Jerusalém, instituída por Judas Macabeu em 164 a.C.. A coincidência de datas vem então significar que, com Jesus, surgido como Luz de Deus em meio à noite, realiza-se verdadeiramente a consagração ao templo, o Advento de Deus sobre esta terra.
No cristianismo, a festa do Natal assumiu uma forma definida no século IV, quando toma então o lugar da antiga festa romana do “Sol Invictus”, o sol invencível; coloca-se assim em evidência que o nascimento de Cristo constitui a vitória da verdadeira luz sobre a escuridão do mal e do pecado. Todavia, a atmosfera intensa e particular que envolve o Natal veio a desenvolver-se na Idade Média, graças a São Francisco de Assis, o qual era profundamente apaixonado pela figura humana de Jesus, o Deus-conosco.
Seu primeiro biógrafo, Tomás de Celano, nos conta que São Francisco “acima de todas as outras solenidades, celebrava com inefável zelo o Natal do Menino Jesus, chamando de a festa das festas aquele dia em que Deus, feito um bebê, mamou em seios humanos” (Fonti Francescane, n. 199, p. 492). Foi dessa devoção particular ao mistério da Encarnação é que se originou a famosa celebração do Natal em Greccio, Itália.
Na primeira biografia de São Francisco, Tomás de Celano fala dessa noite de Natal em Greccio de modo vívido e comovente, contribuindo decisivamente para propagar a mais bela tradição natalina, a do presépio. A noite de Greccio, de fato, deixou para o cristianismo toda a intensidade e beleza da Festa de Natal, e educou o povo de Deus para que compreendesse sua mensagem mais autêntica, seu calor único, e a amar e adorar a humanidade de Cristo. Ela descreve com grande precisão, como a fé viva e o amor de São Francisco pela humanidade de Cristo transmitiram à fé cristã do Natal: a descoberta de que Deus se revela nos ternos braços do Menino Jesus. Graças a São Francisco, o povo cristão pôde perceber que, no Natal, Deus se tornou verdadeiramente Emanuel, o Deus-conosco, do qual nenhuma barreira nem nenhuma distância podem nos separar. Naquele Menino, Deus passou a estar tão próximo de cada um de nós, que podemos nos referir a Ele por “você”, cultivando com Ele uma relação íntima de profundo afeto, como faríamos com um recém-nascido.
No Menino Jesus, de fato, se manifesta Deus-Amor: Deus vem sem armas, sem a força, porque não pretende conquistar, por assim dizer, a partir do externo, mas deseja ao contrário ser acolhido pelo homem livremente; Deus se faz um Menino indefeso a fim de vencer a soberba, a violência, o ímpeto de possuir do ser humano. Em Jesus, Deus assumiu essa condição pobre e desarmada para nos vencer pelo amor, conduzindo-nos à nossa verdadeira identidade. Não devemos esquecer que o maior dos títulos de Jesus Cristo é justamente o de “Filho”, Filho de Deus.
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas