O mais recente debate sobre a mulher na Igreja Católica é sobre a possibilidade de ordenar mulheres como diaconisas. O tema surgiu recentemente, quando o Papa Francisco aceitou a proposta de uma participante do encontro de Superioras Maiores para que criasse uma comissão encarregada de estudar o assunto. E o Papa aceitou.
Na verdade, esse tema não teria despertado tanto interesse, se ele não estivesse ligado a um tema bem mais amplo: o da participação da mulher na Igreja, não só como fieis seguidoras de Jesus, mas em funções de decisão e como membros como membros da hierarquia (anda que apenas no primeiro degrau, como diaconisa). Há muita resistência a essa ideia na hierarquia da Igreja e mesmo no meio do povo cristão.
O fato é que o próprio Paulo Apóstolo atesta a da existência de diaconisas na primitiva Igreja, como lemos na carta de S Paulo aos Romanos: “Recomendo a vocês nossa irmã Febe, diaconisa da igreja de Cencreia" (Rm 16, 1).
Para refletir sobre o tema inserimos dois textos em nosso convite à reflexão: primeiro, a notícia sobre o evento, que levantou a discussão: “Papa quer criar comissão estudos para ordenar diaconisas”. O outro texto é uma reflexão de um teólogo leigo, professor da Universidade de Pádua, com o título “Francisco, as mulheres e a urgência de uma reforma”. O IHU on line, da UNISINOS, publicou outros textos e comentários sobre esse tema, que citamos no final do artigo de Mancuso.
Boa Leitura!
Papa quer criar comissão de estudo para ordenar diaconisas
O papa Francisco anunciou em 12 de maio sua intenção de criar uma comissão que estude a possibilidade de que as mulheres possam ser diaconisas.
"É uma possibilidade nos dias de hoje", respondeu Francisco à pergunta de uma religiosa durante a audiência que concedeu à União Internacional das Superiores Gerais.
O diaconato é o grau de consagração anterior ao do sacerdócio e nele podem administrar alguns sacramentos, como batismo e casamento, que atualmente só os homens podem receber.
Perante as 900 superiores gerais de vários institutos e congregações religiosas reunidas hoje nesta audiência, Francisco mostrou sua disposição pela primeira vez a que também haja diaconisas.
Uma das superiores perguntou por que não instituir uma comissão oficial que estude esta possibilidade. Francisco explicou que comentou com um "sábio professor" o tema das "diaconisas nos primeiros séculos da Igreja, mas não se sabia realmente que papel desenvolviam e sobretudo se tinham sido ordenadas ou não".
"Quanto a criar uma comissão oficial que possa estudar a questão?, acredito que sim. Seria fazer o bem da Igreja e esclarecer este ponto. Estou de acordo e falarei para que se possa realizar algo assim. Aceito a proposta. Parece-me uma coisa útil esta comissão que esclareça bem as coisas".
Esta possibilidade já tinha surgido durante o Sínodo dos bispos de outubro de 2015, quando o arcebispo canadense Paul-André Durocher durante seu discurso propôs aos demais bispos a possibilidade de estudar que também as mulheres pudessem ser ordenadas como diaconisas.
Segundo o concílio Vaticano II, as funções litúrgicas e pastorais do diácono são: "administrar solenemente o batismo, reservar e distribuir a Eucaristia, assistir ao casamento e benzê-lo em nome da Igreja, (e) levar o viático aos moribundos (comunhão eucarística dada àqueles que estão prestes a morrer) e ler a sagrada Escritura para os fiéis".
Também figuram as funções de "instruir e exortar o povo, presidir o culto e oração dos fiéis, administrar os sacramentos (e) presidir os ritos de funeral e sepultamento".
Artigo de Vito Mancuso
É uma questão de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.
A opinião é do teólogo leigo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 13-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Talvez nos encontremos na presença do primeiro movimento significativo daquela que poderia ser uma revolução realmente epocal. Considero-a a mais importante de todas as meritórias iniciativas de reforma empreendidas até agora pelo Papa Francisco. Se há um caminho privilegiado, de fato, para a renovação da qual a Igreja Católica hoje tem uma necessidade imensa, trata-se do caminho feminino.
Mais do que a reforma da Cúria, mais do que o ecumenismo, mais do que a reforma da moral sexual, mais do que a liberdade de ensino nas faculdades teológicas, mais do que muitas outras coisas, o ingresso das mulheres na estrutura hierárquica da Igreja Católica teria o efeito de transformar de modo irreversível tal venerável e também um pouco debilitada instituição.
Reconhecendo a emancipação feminina que já havia chegado a cumprimento no Ocidente em todos os âmbitos vitais, João Paulo II produziu uma série de documentos altamente elogiosos em relação àquilo que ele definia como "gênio feminino"; pense-se na carta apostólica Mulieris dignitatem, de 1988, e na específica Carta às Mulheres, de 1995.
Nem nesses textos nem em outro lugar, porém, o papa polonês jamais definiu o que ele realmente entendia por essa expressão, usada também, em seguida, mais de uma vez, por Bento XVI nos seus discursos sobre o assunto.
O Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii gaudium, de 2013, também falou de "gênio feminino". Nessa quinta-feira, 12 de maio, no entanto, com a abertura ao diaconato feminino, falando diante de mais de 800 freiras superiores, essa expressão papal hermética finalmente recebeu a possibilidade de passar de uma edificante proclamação retórica a um concreto caminho institucional.
Talvez, em breve, não se falará mais de gênio feminino, mas de gênios femininos, porque as mulheres individuais finalmente terão a possibilidade de voltar a doar, de pleno direito, o seu patrimônio genético a todo o organismo da Mãe Igreja, que, agora, na sua mente, é feminina unicamente quanto à gramática, enquanto, em relação ao direito canônico, ela é exclusivamente masculina (e daí decorre a atual esterilidade, porque a vida espiritual, além da biológica, também precisa de cromossomos Y e cromossomos X).
Eu usei a expressão "voltar a doar" porque a abertura ao diaconato feminino por parte de Francisco não é uma novidade absoluta. No Novo Testamento já se fala de diaconisas. Ou, melhor, tal abertura papal pode envolver a revolução epocal de que eu falava precisamente porque remete a uma dupla fidelidade: a uma fidelidade ao presente, a fim de tornar a Igreja Católica à altura de tempos em que a emancipação feminina, ao menos no Ocidente, é um processo quase completo, e uma fidelidade ao passado, a fim de recuperar a extraordinária inovação neotestamentária quanto ao papel das mulheres.
Se lermos os Evangelhos, de fato, vê-se como Jesus, de um modo totalmente descontínuo em relação à práxis rabínica do tempo, buscava e encorajava a presença feminina. Lucas, por exemplo, escreve que, no seu ministério itinerante, "estavam com ele os Doze e algumas mulheres", dando até os nomes delas: Maria Madalena, Joana, Susana e, acrescenta, "muitas outras", expressão a partir da qual é lícita inferir um número de seguidoras mulheres mais ou menos igual ao dos seguidores homens.
Portanto, não deve surpreender o fato de que a Igreja primitiva conhecia as diaconisas, como aparece em São Paulo, que escreve: "Recomendo a vocês nossa irmã Febe, diaconisa da igreja de Cencreia" (Romanos 16, 1; o texto oficial da Conferência Episcopal Italiana, infelizmente, é infiel ao original, porque traduz o grego diákonon como "a serviço"! Muito diferente é a Bible de Jérusalem, que se traduz corretamente "diaconesse de l'Église" [a versão em português usada acima, que mantém o termo "diaconisas", é da Bíblia Pastoral]).
Que resultado terá a instituinte comissão de estudo sobre o diaconato feminino? Quanto tempo passará antes de que ela realmente esteja trabalhando? Quanto tempo antes de que ela entregue os resultados? E que sabor terão? São perguntas às quais, neste momento, não é possível responder. Certamente, porém, a reforma no feminino do Papa Francisco é uma urgência da qual a Igreja não pode mais se eximir.
Trata-se, simplesmente, de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.
É um sonho destinado a se tornar realidade? Ninguém sabe, mas certamente o sucesso da reforma no feminino do Papa Francisco vai depender da capacidade de saber mostrar a dupla fidelidade que está em jogo: fidelidade às mulheres de hoje e fidelidade ao Mestre de 2.000 anos atrás, fidelidade à atualidade e fidelidade àquele eterno princípio de paridade que surgiu no momento da criação: "E Deus criou o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher" (Gênesis 1, 27).