Mais uma vez é Semana Santa. O que ela tem de santa? Nada de santa se a nossa vida não se aproximar da vida do Santo Filho de Deus, que morreu e ressuscitou possibilitando a todos saírem de seus túmulos existenciais. Nada de santa se a nossa vida não melhorar. Para algumas pessoas ela será só uma semana como as outras do cotidiano, sem um significado especial, ou será uma semana com feriado prolongado. Mas, quem desejar, perceberá o significado desta semana e procurará viver a mística que dela emana. Nela celebra-se o maior ato de amor de Deus pela humanidade e por tudo o mundo que Ele criou. A humanidade e a natureza a partir do fato central celebrado nesta semana ficou profundamente mergulhada no mistério da redenção. Segue-se uma história dos redimidos pelo amor grande de Deus.
Esta semana merece ser vivida em clima de muita oração, contemplação, esforço de conversão e convivência fraterna. A oração, como disse Paulo VI nos faz respirar na graça. Através dela a leveza de Deus suaviza a vida dos peregrinos. Com esta grande Semana chega-se, para nós, o tempo de rezar contemplando a redenção. Pelo esforço de conversão, o ser humano percebe-se que não está completo. Há um longo caminho a percorrer para todas as pessoas. Como disse Sartre “o ser humano é inacabado, é incompleto do seu nascimento até sua morte”. Pelo esforço de conversão é possível corrigir as deformações pessoais e aquelas que na nossa fragilidade provocamos nos outros e na natureza. Vivendo desta forma pode se dizer que está iniciado, desde já, o processo de convivência fraterna que culminará na eternidade. A vivência entre irmãos que se amam é repleta de ternura. Como é bom os irmãos viverem juntos, numa só fé, com muita esperança e cheios de amor! (Cf Sl 133).
Nesta semana maior da Igreja celebramos o mistério central da nossa fé. Do Domingo de Ramos” até Quinta-feira santa, completamos o grande retiro quaresmal iniciado na Quarta feira de Cinzas e vivido na perspectiva do crescimento cristão. Com a Missa da Ceia do senhor na Quinta-feira à tarde, incia-se o Tríduo pascal da morte e ressurreição do Senhor. O cume de todas as celebrações, desta grande semana, é a Vigília Pascal na noite do Sábado Santo. Esta Vigília se desdobra na alegria do Domingo da Ressurreição e nos cinqüenta dias do Tempo Pascal até o Pentecostes sagrado. Este tempo pascal é considerado como que um único e grande domingo. O ritmo pascal envolve a todos na dança alegre das pessoas que tem um rosto iluminado pela fé na ressurreição.
Vamos viver cheios de esperanças esta semana especial da Igreja com o desejo de revigorar a vida cristã. Vamos entrar na Páscoa com semblantes de ressuscitados. “No Domingo de Páscoa tem-se a oportunidade para o ser humano se deixar ser tocado pelo triunfo de vida sobre a morte. Cristo venceu a morte. Este é um bom dia para se semear uma flor” (Rubem Alves). Espalhe ondas de amor entre as pessoas de seu convívio e de sua fé e tenha uma feliz semeadura das sementes das flores que exalam o perfume da paz. “Somos da paz”
Após a Semana Santa será feliz quem procurar viver em ritmo pascal, ou seja viver uma constante libertação a partir de Jesus. Vivendo assim, o dom da paz vai crescer em nosso meio e se poderá dizer com esperança que “somos da paz”. A paz é um dom do Ressuscitado. Muitas vezes ele se manifestou desejando a paz. Feliz entrada no ritmo pascal.
Páscoa – O Senhor nos convida a servir
Dom Vilson Dias de Oliveira
Bispo de Limeira (SP)
A cada ano, como Igreja somos convocados a reavivar o mistério Pascal em nossas vidas. Mistério pelo qual recompomos nossas forças espirituais, reavivamos nossas expectativas mais íntimas e reafirmamos nosso propósito de cooperar na construção de uma sociedade mais fraterna e acolhedora, onde os princípios evangélicos possam nortear nossas ações nos direcionando a uma verdadeira abertura ao próximo.
Abertura essa, que evidencie a disposição de assumirmos um projeto, não qualquer projeto, mas um projeto que dê sentido pleno a nossa vida, revigore nossas energias para transformação e favoreça nossas relações interpessoais nos encaminhando a uma verdadeira comunhão; que nos é traduzido por Reino de Deus.
Deste modo, o ciclo pascal, nesse tempo quaresmal que acabamos de vivenciar, muito possibilitou essa ação, ao nos trazer a pertinente reflexão da CF deste ano de 2015, Fraternidade: Igreja e Sociedade, com o lema: “Eu vim para servir (cf. Mc 10,45)”. Uma Igreja em constante saída que se coloca à serviço da vida com o intuito de levar a paz por meio de sua ação solidária e participativa. Muito pertinente, pois nos propõe atitudes concretas de um intenso agir missionário em contramão com atitudes de fechamento e intolerância marcam nossa sociedade.
A experiência da Páscoa que a partir de hoje iremos vivenciar com maior intensidade em nossos atos litúrgicos, devem nos levar a uma verdadeira ação regeneradora em nosso modo de pensar, conduzindo-nos a uma postura mais agregadora e serviçal, como mostra em sua vida nosso Mestre e Senhor, Jesus Cristo. Não devemos apenas viver como expectadores de seu projeto o qual, certamente, admiramos, mas que, por ocasiões, podemos não assumimo-lo plenamente como nosso. Devemos sim participar de seu projeto, de seu Reino, celebrado e iniciado nos cultos de nossas inúmeras comunidades, e expandi-lo para as realidades mais necessitadas da Palavra que salva e da ação fraterna que liberta.
Certamente não é fácil em nosso tempo, superarmos esquemas utilitaristas que se convergem em ações mesquinhas e individualistas denotando um ambiente de profunda insegurança, incerteza e fechamento. Num momento de desconfiança e pessimismo, evidenciemos nossa fé a partir de um testemunho concreto da caridade cristã que se acentua no cuidado e comprometimento com aqueles que mais sofrem e são injustiçados.
A alegria pascal vivenciada concretamente em nossas celebrações litúrgicas a cada semana devem nos fazer convergir para um comprometimento verdadeiro, destemido e amoroso em nossas realidades, em uma atitude de constante abertura e saída para além de nós mesmos descobrindo outros campos de missão como nos aponta nosso querido papa Francisco.
Hoje, a partir consagração dos óleos que servirão para ungir um povo caminheiro, fatigado, mas alegre pois é sempre esperançoso na ação divina, reafirmamos nosso compromisso ao Deus que estabelece conosco uma única e eterna Aliança (Cf. Is 61, 8b), trazendo conforto, alívio e determinação para a superação das dificuldades e conflitos nos estimulando a uma prática solidária.
Não nos desencorajamos com as atitudes de intolerância e descredito na bondade humana, que por vezes tem ecos maiores que a mensagem evangélica. Mas, testemunhemos a partir de uma práxis servidora por meio de nossas ações pastorais a alegria de Igreja inquieta por salvaguardar a dignidade reanimando-nos sempre para a missão e seus novos desafios.
Celebrar a Páscoa é assumir a abundância da vida nos dada por Deus, na alegria de expressar nossa fé em comunhão com todos! Participemos com amor e dedicação desses grandes momentos que manifestam a núcleo na nossa fé: Paixão-Morte-Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Deixemo-nos, na celebração desses sagrados mistérios, nos fecundar pela graça divina para que frutifiquemos nossas comunidades com amor concreto convertido em serviço ao mais necessitado.
Vamos proclamar a alegria da Ressurreição do senhor neste domingo de Páscoa: aclamaremos “Cristo ressurgiu! Não está morto, mas é o Vivente”. Ao chegar este grande dia veremos que Ele é a novidade, e N’Ele tudo se renova, pois eis que Cristo nossa páscoa foi imolado.
Assim, a maior festa de toda a cristandade é a ressurreição de Jesus Cristo, pois se trata de um acontecimento que está no centro da experiência religiosa que Jesus Cristo fez de Deus, é o cume do caminho feito por Ele. Com sua ressurreição os seguidores de Jesus descobrem quem Ele é, qual sua missão e qual é seu futuro.
Que o amor do Cristo ressuscitado esteja nos corações de todos/as. Um abraço fraterno e uma feliz e santa Páscoa a todos vocês!
Fonte: CNBB
A Igreja em defesa da dignidade dos povos da Amazônia. Entrevista especial com Dom Roque Paloschi
“O país, com a Constituição de 1988, quis pagar uma dívida histórica aos povos originários, mas infelizmente nós estamos aumentando a dívida; não estamos pagando”, adverte bispo de Roraima.
A ação das indústrias extrativistas e os direitos dos povos indígenas e não indígenas foi o tema do encontro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no último dia 19 de março, e contou com a presença da Rede Pan-Amazônica, da qual Dom Roque Paloschi, bispo de Roraima, faz parte. Segundo ele, essa “foi a primeira vez que a Igreja católica nas Américas esteve em uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Dom Roque comenta os principais temas abordados no encontro e enfatiza que os representantes da Rede Pan-Amazônica salientaram as questões que “inquietam” a Igreja brasileira hoje, como “o avanço do agronegócio, das hidrelétricas, da indústria extrativista, e o desrespeito aos direitos dos povos originários, o desrespeito às leis internacionais sobre o meio ambiente”.
Dom Roque Paloschi também comenta a situação dos indígenas que vivem em Raposa Serra do Sol e enfatiza que “a ausência do Estado” é o principal fator que contribui para que os indígenas enfrentem dificuldades. “E digo isso pela minha experiência, porque sou padre. Chego em comunidades onde moram 20, 25 famílias, com 30 e tantas crianças em aula, e não encontro uma sala de aula, uma cadeira para sentar, uma carteira escolar, uma lousa. Isso é muito significativo. Quando olho a questão da saúde, a questão do transporte, dos acessos, dá vontade de chorar. Então, o primeiro ponto a se falar sobre a questão indígena é a ausência do Estado”, conclui.
Gaúcho de Lajeado, Dom Roque Paloschi é bispo de Roraima e acompanhou de perto a demarcação da terra de Raposa Serra do Sol.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que consiste a Rede Pan-Americana? Quais são as articulações da rede e quem participa dela?
Dom Roque Paloschi – A Rede Pan-Americana - REPAM é fruto de uma iniciativa da Comissão Episcopal da Amazônia, do Departamento de Justiça Social do Conselho Episcopal Latino-americano - Celam, da Conferência dos Religiosos da América e do Caribe e da Cáritas das Américas. Essas entidades, analisando a presença da Igreja na grande região Pan-Amazônica e vendo os desafios, ouvindo os gritos de Deus na região, optaram por criar a REPAM como uma possibilidade de perspectiva de responder mais presentemente aos desafios que a região nos pede. Assim, a REPAM nasceu com o apoio de organismos internacionais e entidades do próprio Conselho de Justiça e Paz no Vaticano.
IHU On-Line - Quais são os projetos da REPAM?
Dom Roque Paloschi – A REPAM nasceu na primeira quinzena de setembro de 2014, em Brasília, e agora ela está passando pelo processo de se tornar conhecida pelas prelazias e dioceses da grande região Pan-Amazônica, que é uma região continental. Evidentemente, nós estamos na maior região territorial do Brasil, que corresponde a 67% do território nacional. Juntamente com esse território, mais nove países compõem a região Pan-Amazônica. Então, temos que fazer com que ela seja conhecida.
Membros da REPAM participaram de uma reunião em Roma, onde ela foi apresentada ao Santo Padre. O papa Francisco, através do Secretário de Estado Pietro Parolin, enviou mensagem de apoio à REPAM, a qual também nos desafiava a dar novos passos, a caminhar numa perspectiva de rede. A REPAM também foi recebida no início de março pelo Santo Padre em uma reunião na sala de imprensa do Vaticano, e teve uma grande aceitação. Depois, a participação da REPAM na Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi fruto de um pedido feito pelo departamento de justiça do CELAM.
IHU On-Line - O Senhor esteve presente na reunião com o Papa Francisco?
Dom Roque Paloschi – Não. Quem esteve com o papa foi o presidente da Comissão Episcopal da Amazônia, Cardeal Dom Cláudio Hummes.
IHU On-Line – Como foi o encontro de Dom Cláudio Hummes com o papa Francisco? Sabe se o papa tem conhecimento sobre a atual situação dos indígenas no Brasil e da atuação da Igreja nesta causa?
Dom Roque Paloschi – Ele tem muito mais que conhecimento; o papa tem isto no coração. As fotos que foram divulgadas mostram, primeiro, o monsenhor Pedro Barreto, do Equador, juntamente com Dom Cláudio, apresentando a REPAM ao Papa. Depois, mostram que essa questão indígena também está no coração dele. O papa não só tem conhecimento como tem dado todo o apoio e incentivo para que efetivamente a Igreja da região Pan-Amazônica responda de uma maneira corajosa aos desafios da evangelização deste grande chão, desta grande terra Amazônia.
IHU On-Line – Como a CNBB tem se posicionado sobre a REPAM?
Dom Roque Paloschi – A REPAM nasce com o apoio da CNBB. Quando houve a reunião em Brasília, a presidência da CNBB esteve presente, o núncio apostólico esteve presente manifestando apoio, manifestando a comunhão. A Comissão Episcopal para a Amazônia está em profunda sintonia com a presidência da CNBB, em profunda sintonia com os passos que a CNBB vem dando, também, no caminho de assumir esta responsabilidade da missão nessa região amazônica.
Os marcos mais decisivos para nós foram a criação da Comissão Episcopal da Amazônia e depois a campanha da Fraternidade de 2007, quando refletimos com o lema “vida e missão neste chão”. Ali se abriram as portas e o coração do Brasil sobre a realidade amazônica como desafio. Porque no passado, todo o caminho da Igreja era de responsabilidade dos institutos missionários e das congregações missionárias. A partir de Paulo VI, que dizia, em 1967, “Jesus Cristo aponta para a Amazônia”, o desafio desta região passou a ser assumido por toda a Igreja do Brasil.
IHU On-Line – A CNBB e a Igreja do Brasil de modo geral têm adotado uma nova postura em relação aos temas sociais após o Pontificado do papa Francisco?
Dom Roque Paloschi – O Papa está nos convidando a caminhar e nós somos uma Igreja de comunhão. Que há críticos a ele, há. Mas o importante — o Papa, desde a sua posse, nos desafia a ser uma Igreja em saída, uma igreja samaritana, uma Igreja servidora, uma Igreja que não é autorreferencial — é que fomos chamados a uma Igreja de comunhão com o sucessor de Pedro, com a sua orientação. Eu, como bispo de Roraima, preciso caminhar com Pedro, porque sou chamado a caminhar em comunhão. A CNBB também é chamada para caminhar em comunhão com o Santo Padre. Mas nós respeitamos aqueles que pensam diferente.
De todo modo, tenho que dizer publicamente que a CNBB, diante da realidade de Roraima — porque passamos momentos muito difíceis —, nunca se omitiu em apoiar, e estar presente diante da posição que a Igreja de Roraima assumiu em relação à situação indígena. Respeito quem pensa diferente, mas não posso deixar de dizer que um dia Jesus irá falar para mim, mas também para você: “Tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, fui peregrino e não me destes abrigo; estive nu e não me vestistes, enfermo e na cadeia e não me visitastes”. E assim por diante, como já conhecemos em Mateus 25.
IHU On-Line - Como foi sua participação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA,no dia 19 de março? Quais temas foram discutidos e que avaliação faz do encontro?
Dom Roque Paloschi – Discutimos a ação das indústrias extrativistas e os direitos dos povos indígenas e não indígenas. Foi a primeira vez que a Igreja católica nas Américas esteve em uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A REPAM foi bem acolhida, e estavam conosco um representante do Episcopado do Canadá — porque é lá que está a maioria destas indústrias extrativistas que atuam na região amazônica — e um representante do Episcopado norte-americano. Foi um sinal de comunhão entre as igrejas do Canadá e dos Estados Unidos em relação a esta petição do CELAM.
A comissão foi muito bem aceita e se desenvolveu a partir da seguinte perspectiva: Primeiramente Dom Pedro Barreto comentou os objetivos da nossa audiência, depois Dom Álvaro Ramazzini, da Guatemala, falou a partir do olhar e da dor que a Igreja sente diante da avalanche de tantos projetos extrativistas na região, de um capital sem rosto, sem ética e sem sensibilidade aos direitos dos povos indígenas e não indígenas. Em seguida o advogado da Universidade Católica de Lima mencionou casos emblemáticos, entre eles um caso do Maranhão, mostrando também a posição e o caminho da Igreja diante dessa realidade. Maurício Lopes, que é o secretário executivo da REPAM, apresentou as questões da Pan-Amazônica, que são questões que nos inquietam como Igreja diante do avanço do agronegócio, das hidrelétricas, da indústria extrativista, e do desrespeito aos direitos dos povos originários, desrespeito às leis internacionais sobre o meio ambiente e assim por diante. E, por fim, comentei, em nome da Comissão, algumas propostas que foram feitas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, propostas também aos Estados da América e à sociedade civil, às organizações e, por fim, disse também uma palavra de gratidão aos povos indígenas da grande região Pan-Amazônica.
Nossa audiência teve esses cinco pontos, obteve uma grande aceitação da presidência e dos comissionados, que acolheram aquilo que nós apresentamos e desejam também estreitar relações com os trabalhos que a Igreja desenvolve em defesa da vida e da dignidade dos povos desta região.
IHU On-Line - Quais suas expectativas para um próximo momento, pós-reunião da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA? Qual será o próximo passo da REPAM?
Dom Roque Paloschi – Nós não temos uma “coisa” pronta, mas acreditamos que “caminhando se abrem caminhos”. Nós precisamos responder a apelos em relação àquilo que diz o documento do Vaticano II, na encíclica Gaudium et Spes, ou seja, os sonhos e esperanças dos homens e das mulheres de hoje são as alegrias, as armas e o sofrimento da Igreja do nosso Senhor Jesus Cristo. A nossa pauta é a pauta de estarmos atentos, sensíveis aos gritos de Deus e aos gritos dos sofredores desta região.
A previsão é de que seja feita uma reunião envolvendo as comissões episcopais que fazem parte do CELAM e também as dioceses que estão nessa Região da Pan-Amazônica para divulgar e articular ações que possam facilitar o andamento dos trabalhos que vêm sendo feitos nesta região.
IHU On-Line - Como o senhor descreve a situação dos povos da Amazônia? Como eles vivem?
Dom Roque Paloschi - Penso que aquela expressão usada pelo Ministro Ayres Britto, quando votou o caso Raposa Serra do Sol, é muito pontual: “Em relação aos povos indígenas, há uma ausência do Estado”. E digo isso pela minha experiência, porque sou padre. Chego em comunidades ondem moram 20, 25 famílias, com 30 e tantas crianças em aula, e não encontro uma sala de aula, uma cadeira para sentar, uma carteira escolar, uma lousa. Isso é muito significativo. Quando olho a questão da saúde, a questão do transporte, dos acessos, dá vontade de chorar. Então, o primeiro ponto a se falar sobre a questão indígena é a ausência do Estado. O segundo ponto é que nós vivemos em uma sociedade extremamente preconceituosa e discriminatória em relação à vida, aos costumes e às tradições dos povos originários. Terceiro, há uma avalanche de grandes projetos na região amazônica, com a monocultura, o agronegócio, hidrelétricas, entre outros, e uma tentativa do Congresso Nacional e da Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, de tirar os direitos que foram conquistados com muito sofrimento na Constituição de 1988. Isso se manifesta através da PEC-215, mas também através de tantas outras coisas que estão sendo aprovadas na calada da noite. O país, com a Constituição de 1988, quis pagar uma dívida histórica aos povos originários, mas infelizmente nós estamos aumentando a dívida; não estamos pagando.
IHU On-Line - Qual é a atual situação de Raposa Serra do Sol?
Dom Roque Paloschi - Há pouco tempo veio um grupo de universitários visitar Roraima e quiseram marcar presença na Raposa. Eles conseguiram autorização, porque que se eu quiser entrar na Raposa, pelas leis do Supremo eu preciso de autorização, os missionários precisam de autorização para poder entrar com esses visitantes, todos brasileiros, todos da pátria amada e idolatrada, precisam pedir licença — não para as comunidades, pois elas acolhem, mas para as autoridades.
Circulamos lá por alguns dias e eles comentaram que perceberam que lá não há policiais. Em Raposa Serra do Sol, onde vivem mais de 25 mil pessoas, não tem um policial. Eles têm problemas? Tem. Há poucos dias eu estava numa comunidade e perguntei ao tuchaua — no Norte as lideranças não se chamam cacique, mas tuchaua — se ali havia muitos problemas. Ele respondeu muito rapidamente, com bom humor: “Padre, nós também somos filhos de Adão e Eva”. Mas o que a grande imprensa do Brasil tem divulgado são coisas muito criminosas, porque não é verdade que as pessoas estão passando fome. Eles têm seus hábitos alimentares próprios, seu próprio modo de vida, e é preciso respeitá-los, porque eles não são colonos poloneses, alemães ou italianos do Sul do Brasil. Eles são indígenas e têm sua cultura, sua tradição, seu modo de viver e de se relacionar com a natureza. Aliás, o modo de vida deles tem sido uma grande escola e o próprio governo reconhece que as áreas indígenas do Brasil são as áreas mais bem preservadas.
Então, a Raposa tem desafios porque estes 30 anos de luta para conhecimento, demarcação, homologação e saída dos não índios não foi brincadeira; teve muito sofrimento, e muito sangue foi derramado nessa terra. Tem aquela expressão bonita, de Jayme Caetano Braun, quando se refere ao Sepé Tiaraju, das Missões dos Sete Povos: “Mas o Rio Grande que é um indivisível – sagrado e teve o chão ensopado por teu sangue em Caiboaté, verá sempre em São Sepé um guasca canonizado”. A Raposa também foi banhada por muito sangue, muita gente morreu por causa disso, houve feridas e há feridas que precisam ser curadas e estão sendo curadas pela graça de Deus e pelo caminho que as comunidades vêm fazendo. As comunidades da Raposa nos dão grandes lições. Eles têm problemas? Tem, mas eles precisam encontrar as soluções; não são pessoas de fora que irão resolver os problemas deles.
IHU On-Line - Qual sua expectativa com a encíclica que o papa vai publicar nos próximos dias, com foco na questão ecológica?
Dom Roque Paloschi - Nossas expectativas são grandes. Esse sonho foi acalentado na nossa reunião das pastorais sociais da CNBB, e alguém disse, em maio de 2013: “Vamos escrever ao papa pedindo que ele publique uma encíclica sobre a questão do meio ambiente”. E agora nós temos a graça desse presente.
Também para nós, como Igreja, precisamos dar muitos passos não só cobrando das esferas governamentais, mas como cristãos, dar passos significativos em relação ao zelo da nossa casa comum, para que todos nós possamos viver de maneira harmoniosa, pacífica e de maneira que todos possam ter o direito de usufruir dos bens da criação.
Por Patrícia Fachin
Fonte: IHU