“Vivemos um momento bastante importante no que diz respeito ao debate político em nosso país”. Com essa afirmação, abre-se o primeiro texto que disponibilizamos nesta semana. Em torno desse mote, os autores (dois professores da UCPel, pratas da casa) discorrem sobre diversos temas inter-relacionados: representatividade; memória histórica e ditadura nunca mais; a questão social e o bem comum; as manifestações de massa que retomaram as ruas do país em 2013; as próximas eleições e os projetos políticos em cena; o papel do financiamento de campanha; a corrupção e suas causas...
Perpassa o artigo a convicção de que o valor da democracia exige que sempre de novo a sustentemos. Desse modo, as suas contradições jamais a invalidam. Ao contrário, relançam permanentemente o desafio do aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas. Assim declaram os autores: “o problema não é e nunca foi a Democracia, mas a falta de qualidade e intensidade desta”.
Nesse amplo contexto é situada a discussão sobre a reforma do sistema político democrático e eleições limpas, como caminho para “impulsionar outras mudanças importantes”. E, ao lado dessa iniciativa, o Plebiscito Popular por uma Constituinte exclusiva. “Duas propostas que dialogam” e, de fato, têm dialogado.
O texto chama ainda a atenção para outro aspecto: tudo isso está acontecendo também bem perto de nós, entre nós: “a UCPel tem participado ativamente do processo de mobilização pela Reforma Política em nosso país”.
O segundo texto, mais sucinto, corresponde a uma pequena nota da CNBB, emitida às vésperas da Semana da Pátria. Protagonizando esse processo, junto com inúmeras outras entidades da sociedade civil brasileira, a Conferência dos Bispos não se preocupa agora em acrescentar novidades. Desse modo, a mensagem apenas retoma os temas do Plebiscito e da Reforma Política e convoca o povo brasileiro a seguir se comprometendo com a participação cidadã e a construção cotidiana da democracia.
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Pensando o nosso momento político...
Tiago Nunes, professor de Direito na UCPel; coordenador do comitê municipal do Plebiscito Popular
Renato Della Vechia, professor de Ciência Política na UCPel
Vivemos um momento bastante importante no que diz respeito ao debate político em nosso país. Em anos eleitorais, por maiores que sejam os limites de politização, a população demonstra maior sensibilidade aos temas políticos (papel do Estado, prioridades governamentais, projetos partidários, relação entre política e economia etc.). Muito embora boa parte das candidaturas proporcionais não saiba nem mesmo o papel que deverá cumprir caso eleita, as candidaturas a cargos majoritários (governos estaduais e Presidência da República) representam visões globais de projetos políticos (neoliberalismo, desenvolvimentismo, socialismo, comunismo, trabalhismo e até mesmo fascismos disfarçados). Nesse sentido, muitas destas candidaturas representam aqueles partidos denominados de “pequenos partidos, grandes negócios”, ou seja, partidos sem projeto político, salvo o de ocupar e negociar espaços de televisão e cargos em futuros governos.
Tais candidaturas apresentam ao eleitorado plataformas políticas das mais diversas: poucas viáveis, algumas possíveis, outras tantas demagógicas etc. Embora a apresentação dos projetos seja de fundamental importância, pois em última análise é o que orienta o voto dos eleitores, é preciso atentar para as falsas ilusões. Boa parte da população, acreditando no que lhe é apresentado, após o processo eleitoral e a volta à “realidade do cotidiano”, aprofunda seu ceticismo não só nos/as candidatos/as eleitos/as, mas na política como um todo.
A repetição desse processo, eleição após eleição, aprofunda uma crítica à democracia enquanto forma de governo capaz de dar respostas às necessidades mais urgentes da população. Inclusive, não são raros argumentos que defendem a volta de regimes autoritários (ditaduras). E tais pensamentos são provenientes de pessoas que, na maioria das vezes, desconhecem o funcionamento do sistema político. Sem desconsiderar, é claro, projetos fascistas que defendem soluções elitistas e autoritárias; velharias que reaparecem com ar de novidade!
O problema não é e nunca foi a Democracia, mas a falta de qualidade e intensidade desta, especialmente no que se refere ao protagonismo da população no processo democrático e à falta de participação popular, no sentido mais amplo da expressão.
As grandes mobilizações de junho de 2013 demonstraram um grande descontentamento da população em relação ao sistema político como um todo. As questões levantadas nas ruas, aparentemente desordenadas, revelam um conjunto de reivindicações que podem ser organizadas a partir dos seguintes eixos:
1) Maior presença do Estado enquanto “protetor social”. Demandas como mais saúde, educação, melhorias no sistema de mobilidade urbana e qualidade de vida etc;
2) Falta de representatividade do poder político como um todo, noutras palavras, o famoso “ninguém me representa”;
3) Crítica aos impostos pagos, representado pelo déficit na relação entre o que é pago e a qualidade dos serviços públicos;
4) Crítica à mídia em geral, inclusive com pichações, “escrachos” e depredações a carros da imprensa.
A princípio, algumas dessas bandeiras poderiam demonstrar contradições profundas (e é comum que em movimentos de massa dessa natureza esse fenômeno ocorra). Mas ao analisarmos com mais cuidado, é possível identificar que as aparentes contradições revelam também uma falta de esclarecimento capaz de dar unidade e intencionalidade às demandas. Poderíamos entender como contradição a exigência da redução de impostos face à demanda por melhores serviços públicos. A aparente incompatibilidade entre as reivindicações se dissolve se compreendermos as camadas sociais que estiveram nas ruas nos diferentes momentos das manifestações. Fundamentalmente: a classe média e os setores mais empobrecidos; setores mais prejudicados pelo atual sistema tributário; camadas que “pagam a conta” do Estado na medida em que existe uma profunda desigualdade - quanto melhor a condição econômica, menos imposto é pago (não em valores absolutos, mas proporcionalmente). Assim, talvez seja mais prudente entender o fenômeno de 2013 como um renovado, e ainda incipiente, “estado de ânimo político” da juventude, e não como um “movimento social” - no sentido mais restrito. A contestação e a reivindicação também são elementos importantes nos processos de consciência política.
O conteúdo da bandeira “ninguém me representa” pode traduzir uma crítica aos partidos e representantes partidários como um todo. Há uma boa verdade nisso, contudo, é importante apontar a origem dessa falta de representatividade dos partidos. Não é um problema da “política” ou dos “políticos” de forma genérica, mas fundamentalmente do próprio sistema eleitoral.
Muitos elementos do nosso sistema político-eleitoral deformam profundamente a ideia de representação. Dentre estes destacamos: a desigualdade do peso do voto - em muitos estados é muito mais difícil eleger representantes que em outros; a proliferação de partidos políticos, alguns deles sem nenhuma representatividade ou projeto político (atualmente já estão registradas mais de 30 agremiações no TSE); a personalização do processo político (vota-se em pessoas e não em partidos); e finalmente, o modelo de financiamento das campanhas que “amarra” os representantes aos interesses corporativos - poucos grupos econômicos milionários financiam a imensa maioria das candidaturas.
Do anterior resulta um continente de “letrinhas” que dificulta a identificação de diferenças por parte da população; uma despolitização do debate, na medida em que o eleitor escolhe seus representantes por características pessoais e carismáticas, em vez de optar por projetos políticos; uma representação que traduz interesses do grande capital e não da sociedade, em que pese toda a sua diversidade e complexidade.
No chamado presidencialismo de coalizão, os governantes só conseguem governar se tiverem maiorias parlamentares que sustentem seus projetos e programas governamentais. Na medida em que temos uma enorme pulverização partidária, os governos precisam de composição para garantir maiorias. Assim, grandes interesses são negociados e os próprios programas apresentados durante o processo eleitoral acabam por ser “relativizados” ou “negociados” para garantir “maiorias”. Resultado: pouquíssimas possibilidades de modificações significativas ao que já está instituído. Via de regra, os que negociam apoio representam grandes grupos econômicos que não têm o mínimo interesse em modificar as regras ou estruturas atuais.
A corrupção do sistema político é também fruto desse modelo. Os gastos em campanha são considerados um bom investimento pelas empresas, uma vez que em média, para cada 1 real aplicado em uma campanha eleitoral, as empresas obtêm 8,5 reais em contratos públicos (isso sem falar na utilização da máquina pública em favor de candidaturas em todos os níveis). O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o financiamento empresarial de campanhas eleitorais fere a democracia e que essa distorção acaba submetendo a democracia aos interesses do poder econômico.
Assim se formam as bancadas dos interesses privados. As grandes reformas que nosso país necessita - reforma urbana, reforma agrária, reforma tributária, reforma das mídias etc - são constantemente “empurradas com a barriga” devido à falta de interesse por parte dos financiadores de campanhas e de candidaturas. Acreditamos, portanto, que a Reforma Política pode ser uma bandeira de luta estratégica nesse momento; uma grande reforma no sistema político poderia impulsionar outras mudanças importantes.
A reforma política, por si só, não resolverá todos os problemas sociais, como é o caso da corrupção. Mas tal reforma poderá aproximar a população do processo político e aumentar a legitimidade dos partidos, criando condições mais iguais para a disputa por representação, atenuando o processo de corrupção que está na base das candidaturas do atual sistema.
A pior das opções é deixar tudo como está. Tal opção aprofundará o fosso existente entre população e o sistema político; deslegitimará a política e permitirá que o mercado e o grande capital continuem controlando as decisões políticas na sua totalidade.
É a partir desse entendimento que a UCPel tem participado ativamente do processo de mobilização pela Reforma Política em nosso país. Aparentemente, nossa Universidade atravessa um interessante momento no que se refere ao debate sobre a política e, em específico, ao tema da reforma do sistema político brasileiro.
Deste cenário, importa destacar dois movimentos: o movimento pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte que realize a Reforma Política, e a coalizão pela reforma política democrática e eleições limpas. No âmbito municipal, o primeiro movimento redundou no envolvimento de um grande número de coletivos e movimentos sociais locais nas discussões da proposta que, a partir do acúmulo político retocado pelas mobilizações de junho e de todos os seus desdobramentos, tenciona a possibilidade de se convocar uma assembleia constituinte exclusiva específica para realizar a tão necessária reforma política - já que a atual composição do congresso nacional está muito longe de realizá-la. O segundo movimento que destacamos deu-se pelo posicionamento nacional da CNBB no sentido de compor a rede da coalizão pela reforma política democrática, que prioriza a coleta de assinaturas para o projeto de iniciativa popular para a reforma política, e que redundou na criação do Comitê UCPel pela Reforma Política por intermédio da Capelania Universitária, pelo envolvimento de funcionários/as e de um grande grupo de alunos/as (principalmente estudantes dos cursos de Serviço Social, Direito e Comunicação).
As duas propostas dialogam e podem desempenhar um importante papel. Ambas contribuem, cada uma a sua maneira, na compreensão crítica de nossa realidade: apontam os números que denunciam as sub-representações nas estruturas de poder e intentam impulsionar o papel que a juventude pode e precisa desempenhar tanto na proposição como na implementação de alternativas de mudança.
Bispos emitem mensagem sobre Reforma Política no Brasil
CNBB, 29 de agosto de 2104
Durante coletiva de imprensa, que marcou o encerramento da reunião do Conselho Episcopal de Pastoral (Consep), a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou mensagem sobre a Reforma Política. Os bispos reconhecem que “uma verdadeira reforma política melhorará a realidade política e possibilitará a realização de várias outras reformas necessárias ao Brasil, por exemplo a reforma tributária”.
A CNBB recorda que “várias tentativas de reforma política foram feitas no Congresso Nacional e todas foram infrutíferas”. Diante disso, une-se a outras entidades e ao povo brasileiro na mobilização pela Reforma Política Democrática no país.
Abaixo, a íntegra do texto:
Brasília, 29 de agosto de 2014
Mensagem sobre a Reforma Política
A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, atenta à sua missão evangelizadora e à realidade do Brasil, reafirma sua convicção, como muitos segmentos importantes da sociedade brasileira, de que urge uma séria e profunda Reforma Política no País. Uma verdadeira reforma política melhorará a realidade política e possibilitará a realização de várias outras reformas necessárias ao Brasil, por exemplo a reforma tributária.
Esclarecemos que este Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política não está vinculado a nenhum partido político, tampouco a nenhum candidato a cargos políticos eletivos, embora não haja restrição do apoio de bons políticos do Brasil.
Várias tentativas de reforma política foram feitas no Congresso Nacional e todas foram infrutíferas. Por isto, estamos empenhados numa grande campanha de conscientização e mobilização do povo brasileiro com vistas a subscrever o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática, nº 6.316 de 2013, organizado por uma Coalizão que reúne uma centena de Entidades organizadas da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Plataforma dos Movimentos Sociais.
O Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática se resume em quatro pontos principais: 1) O financiamento de candidatos; 2) A eleição em dois turnos, um para votar num programa o outro para votar numa pessoa; 3) O aumento de candidatura de mulheres aos cargos eletivos; 4) Regulamentação do Artigo 14 da Constituição com o objetivo de melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, através do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, do Plebiscito e do Referendo, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa.
Durante Semana da Pátria, refletiremos sobre nossa responsabilidade cidadã. Animamos a todas as pessoas de boa vontade a assinarem o Projeto de Lei que, indubitavelmente, mudará e qualificará a política em nosso País. A Coalizão pela Reforma Política e a coordenação do Plebiscito Popular coletarão assinaturas e votos, conjuntamente. Terminada a Semana da Pátria, cada iniciativa continuará o seu caminho.
Trabalharemos até conseguirmos ao menos 1,5 milhões de assinaturas a favor desta Reforma Política.
“No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas” (Evangelii Gaudium, 241).
A Nossa Senhora Aparecida, Mãe e Padroeira do Brasil, suplicamos que leve a Jesus as necessidades de todos os brasileiros. E Ele, com toda certeza, nos atenderá. “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).
* Nas fotos, o evento sobre a Reforma Política e o Plebiscito, realizado na UCPel (26/08/2014), em dois momentos: painelistas, e participantes que lotaram o Auditório Dom Antonio Zattera.