O Papa Francisco chegou nesta quarta-feira (23) aos EUA, após três dias de visita a Cuba, onde visitou Havana, Holguín e Santiago de Cuba. Durante a visita o papa fará dois discursos, um no Congresso, na quinta-feira, e outro na sede das Nações Unidas, previsto para sexta-feira.
A retomada das relações diplomáticas entre os dois países e uma abertura nas relações bilaterais passa pela mediação do pontífice.
Atentos a presença profética do Papa Francisco oferecemos três artigos reproduzidos pelo portal IHU.
Primeiramente disponibilizamos duas reportagens. A primeira com o título “O que o Papa deixa em Cuba e o que busca nos EUA” de José Manuel Vidal, jornalista, publicada por Religión Digital. A segunda reportagem “Lições de Cuba sobre o que esperar do Papa Francisco nos EUA” é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, (22-09-2015) e a tradução é de Evlyn Louise Zilch, que aborda cinco tópicos do papa Francisco em Cuba com implicações para os americanos.
Por último, ¬apresentamos o discurso improvisado de Francisco, no Centro Cultural Padre Félix Varela, em um encontro com cerca de 5 mil jovens, após ouvir o testemunho do jovem cubano Leonardo Fernández. Entre outras coisas dirigiu o seguinte: “Que não nos encerremos nos conventinhos das ideologias ou nos conventinhos das religiões, que possamos crescer ante os individualismos.”
O que o Papa deixa em Cuba e o que busca nos EUA
IHU on–line, UNISINOS, quarta, 23 de setembro de 2015
O ‘missionário da misericórdia’ se despede de Cuba e se põe a caminho dos EUA o ‘missionário do amor’ (love is our mission). Uma viagem encadeada que manifesta uma das características essenciais do Sumo Pontífice, a criação de pontes de diálogo e de reconciliação. Francisco encerra a primeira etapa e a mais fácil da sua viagem americana e começa a mais difícil e delicada.
A reportagem é de José Manuel Vidal, jornalista, publicada por Religión Digital, 22-09-2015.
Em Cuba, esperavam um herói e um amigo, quase um pai da pátria. Nos EUA chega, ao menos no imaginário dos neocons, o Papa vilão, que põe em questão o capitalismo selvagem, que contamina a casa comum até fazê-la irrespirável. Do calor tropical cubano à frieza anglo-saxã.
Em Cuba, Francisco deixa um povo mais esperançado onde, por meio do diálogo, pode haver uma saída para o regime cubano e para quebrar, finalmente, o embargo. Além de alguns políticos sumamente agradecidos por seus bons e frutíferos ofícios mediadores.
Inimigos nos EUA: os republicanos e a hierarquia católica
Nos EUA, o Papa de Roma se encontrará com uma comunidade católica (majoritariamente composta por latino-americanos) fervorosa e que o idolatra. Mas também se defrontará com uma maioria protestante de diversas denominações, algumas das quais continuam vendo Roma como grande Babilônia e ao Papa quase como o Anticristo.
Isto quanto às massas, porque as elites não tem uma impressão melhor do Papa Francisco. Enquanto Obama lhe rende as homenagens, juntamente com muitos democratas, os republicanos (encabeçados pelo aspirante Donald Trump) e a frente neocon o mantém na mira. Não gostam dele e o dizem abertamente. Tanto que o picham como peronista-comunista.
Além disso, Francisco tem o ‘inimigo’ dentro. Na sua própria casa, a hierarquia católica dos EUA está, pelo menos, dividida a respeito de Bergoglio. A maioria dos bispos o suporta, mas sem entusiasmo, esperando que o seu pontificado passe rápido e acabe. Conta, entre eles, com um grupo minoritário de partidários fervorosos, mas também furibundos adversários, pilotadas pelo cardeal Raymond Burke, curial defenestrado e agora, capelão da Ordem de Malta. Há poucos dias a prestigiosa revista Newsweek se perguntava se o catolicismo do Papa e do arcebispo de San Francisco, D. Cordileone, é o mesmo.
Encontro icônico com Fidel Castro
O Papa deixa em Cuba um encontro icônico com Fidel Castro. Com o Fidel que, nos anos 1970, profetizara: “Cuba voltará a ter relações com os EUA, quando o presidente dos EUA for um negro e em Roma tenha um Papa argentino”. Um encontro carregado de simbolismo entre revolucionários. Um encontro que manifesta a saída de cena da revolução do comandante e a aparição em cena da revolução da misericórdia do Papa argentino, que alguns já denominam de Papa Che.
Nos EUA, Francisco se encontrará com outro líder global, com um Obama na sua fase de “pato manco” depois ter levantado um tsunami de esperanças e tê-las defraudado na sua passagem pela Casa Branca.
Francisco baseou a sua mensagem em Cuba no diálogo como instrumento para conseguir a paz samaritana e a reconciliação. O mesmo pregará do outro lado da ponte virtual que está traçando entre os EUA e a ilha. Para que termine o embargo e para que o colosso americano possa, enfim, entender-se com Cuba e caia, definitivamente e para sempre, o muro do Caribe.
A mesma viagem para o mesmo Papa em dois países tão distintos. Em Cuba bastou a força do coração. Nos EUA terá que usar toda a sua capacidade de sedução. No púlpito planetário por excelência dos grandes meios de comunicação norte-americanos, que esquadrinharão todos e cada um dos seus gestos e palavras. E com eventuais riscos de segurança. Mas Francisco-sem-medo se coloca nas mãos de Deus. E seus anjos o protegem.
Lições de Cuba sobre o que esperar do Papa Francisco nos EUA
O Papa Francisco encerra três dias intensos em Cuba na terça-feira, celebrando uma missa de manhã na Basílica da Virgem da Caridade do Cobre, padroeira nacional do país, e, em seguida, realizando uma reunião com as famílias no centro da catedral de Santiago.
Assim que ele concluiu seu balanço sobre Cuba, Francisco mais uma vez estabeleceu um desafio indireto ao regime cubano – não através de demandas explícitas para a reforma política, mas fornecendo uma narrativa alternativa sobre a identidade cubana e possibilidades.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 22-09-2015. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
Na missa em Santiago na terça de manhã, Francisco insistiu que as raízes de Cuba se encontram em Cobre e na proteção maternal da Virgem Maria.
"A partir daqui, ela protege as nossas raízes, nossa identidade, de modo que talvez nunca nos desviemos para caminhos de desespero", disse o papa.
Francisco também deliberadamente recuperou a palavra que define a retórica socialista de Cuba: "Revolução".
"Somos chamados a viver a revolução de ternura como Maria, nossa Mãe da Caridade, fez", disse o papa. "Nossa revolução acontece através de ternura, através da alegria, que sempre se torna em proximidade e compaixão e nos leva a nos envolvermos, e para servir, na vida dos outros".
É impressionante que, embora Francisco não tenha proferido a frase "liberdade religiosa" desde que chegou a Cuba– o mais perto que chegou foi um apelo para a Igreja para desfrutar da "liberdade, meios e espaço" necessários para levar a cabo a sua missão – a ideia esteve implícita em grande parte do seu comentário.
Mais tarde na terça-feira o pontífice chega em Washington Washington, DC, onde ele iniciará o que promete ser cinco dias agitados nos Estados Unidos.
Foi Francisco quem tomou a decisão de agrupar a sua viagem para os Estados Unidos com uma parada inicial em Cuba, por isso é coerente perguntar o que aprendemos ao longo dos últimos três dias que pode fornecer uma visão sobre o que os americanos devem esperar durante a próxima semana.
Aqui, então, estão cinco tópicos do papa Francisco em Cuba com implicações para o que está reservado para os americanos.
1. Fim do embargo
Como o porta-voz do Vaticano lembrou à imprensa na noite de segunda, Roma tem sido lembrada como contrária ao embargo imposto pelos EUA à Cuba, que é o embargo comercial mais longo na história. Ele ressaltou que o Papa Bento XVI também foi crítico do embargo quando visitou Cuba em 2012, dizendo que é “não uma novidade”.
Dado que Francisco está vindo para os Estados Unidos diretamente de Cuba, é uma aposta segura que, em algum lugar ao longo do caminho – muito provavelmente em seu discurso na quinta-feira para uma reunião conjunta do Congresso – ele vai dizer algo que, direta ou indiretamente, será lido como um apelo para deter o isolamento de Cuba através do fim do embargo.
Nunca é aconselhável ser demasiado dogmático sobre o que Francisco vai ou não vai fazer, mas esta é, provavelmente, a aposta mais segura que você vai encontrar em termos de o que esperar no nível político.
2. Misericórdia em sua mente
Está claro que a virtude espiritual da misericórdia é um conceito fundamental para Francisco.
Ele declarou recentemente um Ano Jubilar Especial da Misericórdia, completo com duas concessões especiais – a permissão para todos os sacerdotes para perdoar o pecado do aborto, e reconhecendo a validade das confissões ouvidas até mesmo pelos sacerdotes tradicionalistas que já romperam com Roma. Francisco também escolheu "missionário da misericórdia" como lema da sua visita à Cuba, e celebrou a Santa Missa na Praça da Revolução de Havana sob uma imagem de Jesus a partir do culto da Divina Misericórdia.
Quando Francisco lançou um extemporâneo ponto no domingo à noite em frente a um público de sacerdotes, religiosos e religiosas, e seminaristas, ele voltou ao tema da misericórdia, exortando os sacerdotes a serem generosos ao ouvir confissões. "Não tenha medo da misericórdia", disse ele. "Deixe-a fluir entre seus dedos".
Dado este pano de fundo, é mais do que uma forte possibilidade de que misericórdia vai borbulhar em algum lugar ao longo do caminho nos Estados Unidos; e com toda a probabilidade mais de uma vez. Cuidado: Quando Franciscofala de misericórdia, não se trata de rever o entendimento da Igreja do pecado, mas sim como agir quando o pecado foi cometido.
3. Nem se quer uma única questão papal
Para muitas pessoas, o assunto que marca Francisco no momento é o meio ambiente, em especial a luta contra o aquecimento global e o impacto das mudanças climáticas.
Esse foi o tema de sua recente encíclica muito discutida, Laudato Si', e ele abordou-a muitas vezes desde então, incluindo uma sessão com ministros do meio-ambiente de nações da União Europeia logo antes de sair de Roma.
No entanto, é notável que Francisco realmente não levantou a questão da proteção ao meio-ambiente em Cuba. A única menção pública contundente que ocorreu durante a viagem não veio do pontífice, mas de seu anfitrião, o presidente de Cuba, Raúl Castro.
É um lembrete de que Francisco não é uma figura pública de um só tema, no entanto inflamar uma causa específica pode parecer com ele.
A maioria dos apostadores espera que a pobreza, a imigração e o meio-ambiente sejam o coração de sua mensagem social nos Estados Unidos, e pareceria de fato estranho se eles não viessem à tona em algum lugar.
Se esses temas serão os mais importantes levantados por Francisco, no entanto, ainda não se sabe, assim como se ele vai optar por dedicar atenção a outros elementos da doutrina social católica – sua clara preocupação com o tráfico humano, por exemplo, ou com o comércio de armas, ou com a pena de morte.
Este papa tem uma cesta de alqueire cheia de preocupações e ideias, e você nunca sabe quais ele irá desenraizar em qualquer ocasião.
4. O homem real surge à vontade em espanhol
O que Cuba confirmou de novo é que, se você quiser ver Francisco cru e não filtrado, você não vai buscá-lo em seus grandes discursos formais, tais como os que ele entregará na quinta-feira ao Congresso dos EUA e na sexta-feira à Assembleia Geral da Nações Unidas.
Esses textos irão refletir as ideias do pontífice, mas eles também já foram polidos e controlados e ajustados por toda uma equipe de diplomatas e assessores, e, em tais configurações, Francisco normalmente adere de maneira razoável ao roteiro.
Ele também geralmente não desvia muito do curso em suas homilias durante missas celebradas na frente de grandes multidões, o que parece trazer para fora um lado mais formal.
No entanto, coloque Francisco na frente de um grupo de pessoas religiosas ou de jovens ou de famílias, e todas as apostas ficam de fora. Nesses ambientes, muitas vezes ele deixa inteiramente de lado seu texto preparado e dá asas a ele, abrindo sua mente e coração. Às vezes ele irá fazê-lo em italiano – especialmente, por razões óbvias, na própria Itália – mas a maior parte ele o faz em espanhol.
Ele fez isso em Havana no domingo à noite, oferecendo reflexões eruditas sobre a pobreza e a misericórdia para um grupo de religiosos e de misericórdia e esperança diante de uma multidão de jovens cubanos.
Onde será que o Papa Francisco poderá se soltar nos Estados Unidos?
Na quinta-feira, em Washington, o pontífice visitará um centro de caridade para atender algumas pessoas desabrigadas, e mais tarde naquela noite ele celebrará um serviço de Vésperas para o clero e para religiosos e religiosas. Na sexta-feira, em Nova York, ele visitará uma escola para atender às crianças e às famílias imigrantes. Em Filadélfia, no sábado, ele participará de um festival para as famílias, e no dia seguinte ele visitará uma prisão.
Nesses momentos, é provável que surja a versão desconectada de Francisco. Prepare-se para algo especial – e prepare-se para que ela seja entregue em espanhol.
5. A pastoral é política
Os americanos estão muito interessados em que impacto a visita papal pode ter sobre a política do país, especialmente se tratando da eleição presidencial de 2016 na qual há um número de candidatos católicos e o "voto católico" mais uma vez entrará no jogo.
A hipótese de trabalho é que o comentário político mais explícito de Francisco virá durante sua cerimônia de boas-vindas no gramado sul da Casa Branca na quarta-feira, em seu discurso ao Congresso na quinta-feira e quando falar na ONU na sexta-feira.
Seria um erro, contudo, supor que não haverá sinais políticos ou subtexto em outras configurações, porque com Francisco mesmo a pastoral às vezes vem com uma margem política.
Durante uma missa em Holguín, a terceira cidade de Cuba, na segunda-feira, Francisco convidou os cubanos a vencer a relutância em acreditar que os outros, ou até eles mesmos, podem mudar.
“Você acredita?” perguntou a eles, acrescentando, “Você acredita que é possível um traidor se tornar um amigo?”.
O raciocínio veio como parte de uma reflexão sobre a figura do Novo Testamento de São Mateus, que era cobrador de impostos para os romanos e, portanto, considerado um traidor pelos judeus antes de largar tudo para seguir a Jesus. No entanto, em uma sociedade em que a caça a notáveis traidores tem sido uma obsessão há décadas, não poderia ajudar, mas teria implicações políticas.
Como vimos acima, Francisco também usou sua homilia na terça de manhã em Santiago para resgatar o termo popular comunista "revolução" para a fé, insistindo que o cristianismo, no exemplo de Maria, inspira uma mudança verdadeiramente revolucionária para a direção de ternura e compaixão.
Para aqueles quem tem ouvidos para ouvir, em outras palavras, Francisco, muitas vezes, teceu seu comentário social em meditações que parecem à primeira vista totalmente espirituais e pastorais.
Quem estiver interessado em possíveis consequências políticas da visita, portanto, precisa de uma palavra para o sábio: Não pare de prestar atenção depois que ele deixar os corredores do Congresso, porque dificilmente este será o único cenário em que esse papa politicamente experiente é capaz de marcar presença.
O Papa aos jovens cubanos: “Sonhem e caminhem juntos”
No domingo à tarde o Papa Francisco participou, no Centro Cultural Padre Félix Varela, de um encontro com cerca de 5 mil jovens, aos quais dirigiu o seguinte discurso improvisado, após ouvir o testemunho do jovem cubano Leonardo Fernández.
A reflexão é publicada por Iglesia Cubana, 20-09-2015. A tradução é de André Langer.
Eis as reflexões do Papa.
Vocês estão em pé e eu estou sentado, que vergonha! Mas sabem por que me sento? Porque anotei algumas coisas que o nosso companheiro disse, e sobre estas coisas quero lhes falar.
Uma palavra que soou forte: sonhar. Um escritor latino-americano dizia que as pessoas têm dois olhos: um de carne e outro de vidro. Com o olho de carne vemos o que olhamos. Com o olho de vidro vemos o que sonhamos. Lindo, né?
Na objetividade da vida tem que entrar a capacidade de sonhar. E um jovem que não é capaz de sonhar está enclausurado em si mesmo. Cada um, às vezes, sonha coisas que nunca vão acontecer. Mas, sonhe, deseje, procure horizontes, abra-se, abra-se a coisas grandes. Não sei se em Cuba se usa a palavra, mas os argentinos dizem: ‘não se enrugue, né?’. Abra-se e sonhe, sonhe que o mundo contigo pode ser diferente.
Sonhe que se você puser o melhor de si, vai ajudar para que esse mundo seja diferente. Não se esqueçam: sonhem. Por aí se vai e sonhem muito e a vida corta o caminho, não importa, sonhem e contem seus sonhos. Contem, falem das coisas grandes que desejam, porque quanto maior é a capacidade de sonhar e a vida lhe deixa a metade do caminho, mais terá percorrido. Assim, primeiro sonhar.
Você disse uma frase – eu a tinha escrita na intervenção dele porque a sublinhei e tomei alguma nota – ‘que saibamos acolher e aceitar quem pensa diferente’. Realmente nós, às vezes, somos fechados. Entramos em nosso mundinho: ou este é como eu quero que seja ou não. E foi mais à frente ainda: que não nos encerremos. Que não nos encerremos nos conventinhos das ideologias ou nos conventinhos das religiões, que possamos crescer ante os individualismos.
Quando uma religião se torna conventinho, perde o melhor que tem, perde sua realidade de adorar a Deus, de acreditar em Deus. É um conventinho, é um conventinho de palavras, de orações, de eu sou bom, você é mau, de prescrições morais e quando eu tenho minha ideologia, meu modo de pensar e você tem o seu, me fecho nesse conventinho de ideologias.
Corações abertos, mentes abertas. Se você pensar diferente de mim, por que não vamos falar? Por que sempre atiramos a pedra sobre aquilo que nos separa, sobre aquilo em que somos diferentes? Por que não nos damos as mãos naquilo que temos em comum? Animemo-nos a falar do que temos em comum e depois podemos falar das coisas que temos diferentes ou que pensamos, mas digo falar, não digo brigar, não digo nos encerrar, não digo ‘conventillar’ – como você usou a palavra. Mas isso somente é possível quando a gente tem a capacidade de falar daquilo que temos em comum com o outro, daquilo para o qual somos capazes de trabalhar juntos.
Em Buenos Aires, certa vez estavam em obras em uma paróquia nova, em uma área muito, muito pobre. Um grupo de jovens da universidade estava construindo salões paroquiais e o pároco me disse: por que não vem em um sábado e assim apresento-os a você. Trabalhavam sábados e domingos na construção. Eram rapazes e moças da universidade... Então cheguei e os vi e o pároco os foi apresentando. Este é o arquiteto, é judeu, este é comunista, este é católico praticante, todos eram diferentes, mas todos estavam trabalhando em comum pelo bem comum. Isso se chama amizade social, procurar o bem comum.
A inimizade social destrói e uma família se destrói pela inimizade, um país se destrói pela inimizade, o mundo se destrói pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E hoje em dia, vemos que o mundo está se destruindo pela guerra, porque são incapazes de sentar-se e falar. Bom, negociemos, que coisas podemos fazer em comum? Em que coisas não vamos ceder? Mas, não matemos mais gente. Quando há divisão, há morte. Há morte na alma porque estamos matando a capacidade de unir, estamos matando a amizade social. E eu peço a vocês hoje: sejam capazes de criar a amizade social.
Depois saiu outra palavra que você disse... a palavra esperança. Os jovens são a esperança de um povo, isso ouvimos em todos os lados, mas o que é a esperança? É ser otimista? Não! Otimismo é um estado de ânimo. Amanhã, levanta com dor de fígado e não é otimista, vê tudo escuro. Ou seja, a esperança é algo mais, a esperança é sofrida, a esperança sabe sofrer para levar adiante um projeto, sabe sacrificar-se. Você é capaz de se sacrificar por um futuro? Ou só quer viver o presente e que se virem os que vierem depois?
A esperança é fecunda, a esperança dá vida. Você é capaz de dar vida? Ou vai ser um rapaz ou uma moça espiritualmente estéril, sem capacidade de criar vida para os outros, sem capacidade de criar amizade social, sem capacidade de criar pátria, sem capacidade de criar grandeza? A esperança é fecunda.
A esperança se dá no trabalho e aqui quero me referir a um problema muito grave que se está vivendo na Europa: a quantidade de jovens que não têm trabalho. Há países na Europa em que 40% dos jovens com menos de 25 anos vivem desempregados. Penso em um país. Outro país, 47%, outro país, 50 %.
Evidentemente, um povo que não se preocupa em dar trabalho aos jovens – e quando digo povo não digo governos – esse povo não tem futuro. Os jovens fazem parte da cultura do descarte e todos sabem que hoje, neste império do deus dinheiro, descartam-se as coisas e descartam-se as pessoas.
Descartam-se os rapazes porque não os querem ou porque os matam antes de nascer. Descartam-se os idosos... estou falando do mundo em geral, descartam-se os idosos porque já não produzem. Em alguns países, há lei de eutanásia, mas em tantos outros, há uma eutanásia escondida, encoberta. Descartam-se os jovens porque não lhes dão trabalho. Então, o que resta a um jovem sem trabalho?
Um país que não inventa, um povo que não cria possibilidades trabalhistas para seus jovens, a esse jovem resta ou os vícios ou o suicídio ou sair por aí procurando exércitos de destruição para criar guerras. Esta cultura do descarte está fazendo mal a todos; tira-nos a esperança e é o que você pediu para os jovens.
‘Queremos esperança’, esperança que, sofrida, é trabalhadora, é fecunda, dá-nos trabalho e nos salva da cultura do descarte e esta esperança que é convocadora, convocadora de todos, porque um povo que sabe autoconvocar-se para olhar o futuro e construir a amizade social, como disse, embora pense diferente, esse povo tem esperança.
E se eu me encontro com um jovem sem esperança... certa vez eu disse: jovens aposentados. Há jovens que parece que se aposentam aos 22 anos. São jovens com tristeza existencial, são jovens que apostaram sua vida no derrotismo básico, são jovens que se lamentam, são jovens que fogem da vida.
O caminho da esperança não é fácil e não pode ser percorrido sozinho. Há um provérbio africano que diz: ‘se quer ir depressa, anda sozinho, mas se quer chegar longe, anda acompanhado’. E eu digo a vocês, jovens cubanos, embora pensem diferente, embora tenham seus pontos de vista diferentes, quero que vão acompanhados, juntos, procurando a esperança, procurando o futuro e a nobreza da pátria.
E assim começamos com a palavra sonhar e quero terminar com outra palavra que você disse e que eu estou acostumado a usar bastante: ‘a cultura do encontro’. Por favor, não nos ‘desencontremos’ entre nós mesmos. Andemos acompanhados, unidos, encontrados, embora pensemos diferente, embora sintamos diferente, mas há algo que é superior a nós, é a grandeza de nosso povo, é a grandeza de nossa pátria, é essa beleza, essa doce esperança da pátria a que temos que chegar.
Muito obrigado!