“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Essa afirmação do Evangelho, segundo as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015 (nº 106) “resume a missão de Jesus e, por extensão, também a missão da Igreja”. E o documento prossegue afirmando que “isso exige de todo cristão assumir atitudes” que correspondam à defesa, o cuidado e a promoção da vida.
A mesma Igreja se reconhece “santa e pecadora” e, por isso, permanentemente necessitada de conversão. Porém, se é certo que muitas vezes a Igreja não consegue corresponder a esse chamado que marca a sua mais profunda identidade (como um ideal a ser sempre perseguido), não é menos verdade que é exatamente isso que a Igreja vive e testemunha em seus melhores momentos, naquelas ocasiões em que efetivamente alcança ser fiel ao Evangelho de Jesus Cristo, à boa notícia do Reinado de Deus; quando colabora eficazmente com a realização do projeto divino para e na História humana.
Nestes dias, que coincidem exatamente com a semana missionária, oferecemos, em nosso Convite à reflexão, um trecho das Diretrizes Gerais, documento que norteia toda a ação pastoral da Igreja do Brasil. Nos parágrafos escolhidos enumeram-se as múltiplas dimensões nas quais se deve expressar esse serviço à Vida. Nessa tarefa a Igreja (compreendida sempre como o conjunto do povo cristão, na unidade a que devem tender as diversas vocações específicas) não atua sozinha, mas se une, em diálogo e parceria, aos demais segmentos da sociedade que buscam promover a vida.
Um dos âmbitos destacados pelo documento (nº 117) é justamente a Universidade, reconhecida como um dos “novos aerópagos” (o espaço público onde se encontram as inúmeras manifestações culturais e no qual se dá o debate das grandes questões de nosso tempo).
O segundo texto complementa o anterior. Trata-se da mensagem que o papa Francisco redigiu para o “dia mundial das missões, 2014” (19/10). Outubro é o mês missionário, no qual os cristãos são especialmente convocados a refletir sobre esse aspecto da realidade eclesial. Partindo do texto de Lc 10, 21-23, Francisco, na esteira de sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, discorre acerca da Alegria de evangelizar (viver e transmitir a boa notícia do serviço à Vida).
Assim, o pontífice vai fazendo jus a esse título: construtor de pontes, que aproximam pessoas, povos e culturas.
Uma vez mais, tal postura não equivale a um ufanismo eclesial irrealista (santa e pecadora, a Igreja participa dos valores e das limitações comuns à humanidade e a toda realidade histórica). O papa Francisco conhece bem as mazelas eclesiais (quiçá, bem mais do que nós próprios). No entanto, isso não o impede de resgatar o coração do Evangelho e de propor sempre de novo esse caminho, com um olhar de Esperança e não de derrotismo ou, pior, calcado numa auto-imagem por demais negativa e catastrófica (por parte dos membros da própria comunidade de Fé). A consciência das debilidades eclesiais não se torna, assim, oportunidade de lamúria ou de um impiedoso juízo em relação à Mãe Igreja. Ao contrário, desperta uma atitude misericordiosa e colaborativa (a Igreja será tanto mais fiel quanto os seus membros a construírem como tal).
Quem assume essa postura de Alegria lúcida não se perde em ânsias proselitistas nem em rigorismos doutrinais, pois o Evangelho vivenciado com Alegria e com realismo dissemina o seu bom odor, e o serviço assumido com generosidade em benefício da Vida, principalmente onde ela está mais machucada e ferida (as pessoas pobres e excluídas, os últimos de nossa sociedade), atrai, contagia, sem a mínima necessidade de imposições. Esse fascínio despertado pelo Evangelho, pela boa notícia da Vida, torna-se a grande ação missionária da Igreja, chamada a estar sempre saindo de si, partilhando o que ela tem e o que ela é, para o bem de toda pessoa humana.
“O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” (Exortação apostólica Evangelii Gaudium, 2). Ante esse perigo de fechamento, Francisco nos convida a perseverar na Alegria, colaborando na missão de fazer com que a Igreja seja, sempre mais, “uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos” e assim “possibilite o nascimento de um mundo novo”...
Boa leitura! Boa reflexão!
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015
(Documento da CNBB nº 94)
4.5. Igreja a serviço da vida plena para todos
106. “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10) resume a missão de Jesus e, por extensão, também a missão da Igreja. Isso exige de todo cristão assumir atitudes,142 não apenas no que se refere ao anúncio do imprescindível valor da vida, mas também através de práticas que ajudem a vida a desabrochar e florescer, em toda a sua plenitude. Em meio a um mundo marcado por tantos sinais de morte e inúmeras formas de exclusão, “a Igreja, em todos os seus grupos, movimentos e associações, animados por uma Pastoral Social estruturada, orgânica e integral”,143 tem a importante missão de defender, cuidar e promover a vida, em todas as suas expressões.144
107. O serviço à vida começa pelo respeito à dignidade da pessoa humana, através de iniciativas como: a) defender e promover a dignidade da vida humana em todas as etapas da existência, desde a fecundação até a morte natural; b) tratar o ser humano como fim e não como meio, respeitando-o em tudo que lhe é próprio: corpo, espírito e liberdade; c) tratar todo ser humano sem preconceito nem discriminação, acolhendo, perdoando, recuperando a vida e a liberdade de cada pessoa, tendo presentes as condições materiais e o contexto histórico, social, cultural em que cada pessoa vive.
108. Um olhar especial merece a família, patrimônio da humanidade, lugar e escola de comunhão, primeiro local para a iniciação à vida cristã das crianças, no seio da qual, os pais são os primeiros catequistas.145 Tamanha é sua importância que precisa ser considerada “um dos eixos transversais de toda a ação evangelizadora”146 e, portanto, respaldada por uma pastoral familiar intensa, vigorosa e frutuosa.147 A pastoral familiar poderá contribuir para que a família seja, de fato, lugar de realização humana, de santificação na experiência de paternidade, maternidade e filiação e de educação contínua e permanente da fé.
109. Crianças, adolescentes e jovens, que constituem parcela importante da população brasileira, precisam de maior atenção por parte de nossas comunidades eclesiais, pois são os mais expostos ao drama do abandono e ao perigo das drogas, da violência, da venda de armas, do abuso sexual, bem como à falta de oportunidades e perspectivas de futuro. Além da pastoral da juventude e em sintonia com ela, é urgente uma pastoral infanto-juvenil mais consistente e efetiva em nossas Igrejas.
110. No serviço à vida, é necessário acompanhar as alegrias e preocupações dos trabalhadores e das trabalhadoras, fazendo-nos evangelicamente presentes nos locais de trabalho, nos sindicatos, nas associações de classe e lazer. Em nossos dias, através das diversas pastorais e movimentos ligados ao mundo do trabalho, urge lutar contra o desemprego e o subemprego, criando ou apoiando alternativas de geração de renda, assim como a economia solidária, a agricultura familiar, a agroecologia, o consumo solidário, a segurança alimentar, as redes de trocas, o acesso ao crédito popular, o trabalho coletivo, a busca do desenvolvimento local sustentável e solidário.
111. Atenção especial merecem também os migrantes (148) forçados pela busca de trabalho e moradia:
a) os migrantes brasileiros no exterior, vivendo no meio de outras culturas e tradições, que precisam de amparo, apoio e assistência religiosa;
b) os migrantes sazonais, que constituem mão de obra barata e super-explorada pelo agronegócio em variadas formas;
c) as vítimas do tráfico de pessoas seduzidas por propostas de trabalho que levam à exploração também sexual;
d) os trabalhadores explorados pelos métodos de terceirização, vítimas de atravessadores de mão de obra;
e) os novos migrantes estrangeiros em busca de sobrevivência em nossa pátria, muitos se encontrando em situação de não cidadania e discriminação.
É urgente o estabelecimento de estruturas nacionais e diocesanas destinadas não apenas a acompanhar os migrantes e refugiados, como também a se empenharem junto aos organismos da sociedade civil, para que os governos tenham uma política migratória que leve em conta os direitos das pessoas em mobilidade.
112. No serviço à vida, cabe promover uma sociedade que respeite as diferenças, combatendo o preconceito e a discriminação nas mais diversas esferas, efetivando a convivência pacífica das várias etnias, culturas e expressões religiosas, o respeito das legítimas diferenças. Torna-se urgente trabalhar pela criação e aplicação de mecanismos legais para o combate a qualquer forma de discriminação, mas sempre vigilantes para evitar a afirmação exasperada de direitos individuais e subjetivos,149 bem como a ideologia do multiculturalismo relativista. A Igreja, como mãe, deve ser a primeira a se interessar pela defesa dos direitos humanos. Deve estar atenta, porém, para que, nesta luta, não haja manipulações ou distorções prejudiciais à vida plena. A ética dos direitos humanos exige que se garanta a vida plena em todas as dimensões da pessoa e para todas as pessoas da sociedade.
113. Neste particular, cabe aos cristãos apoiar as iniciativas em prol da inclusão social e o reconhecimento dos direitos das populações indígena e africana.150 Como Igreja “advogada da justiça e dos pobres”,151 cabe-nos denunciar toda prática de discriminação e de racismo em suas diferentes expressões e apoiarmos as reivindicações pela defesa de seus territórios, na afirmação de seus direitos, cidadania, projetos próprios de desenvolvimento e consciência de suas culturas próprias.152
114. Importante campo de ação, hoje, é educar para a preservação da natureza e o cuidado com a ecologia humana, através de atitudes que respeitem a biodiversidade e de ações que zelem pelo meio-ambiente.153 Entre essas ações, destaca-se a preservação da água, patrimônio da humanidade, evitando sua privatização,154 do solo e do ar. O esforço por maior crescimento econômico deve ser orientado para o desenvolvimento sustentável.
115. Incentive-se cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições, promovendo-se formação permanente e ações concretas. Incentive-se a participação, ativa e consciente, nos Conselhos de Direitos. Quer promovendo, quer se unindo a outras iniciativas, incentive-se a participação em campanhas e outras iniciativas que busquem efetivar, com gestos concretos, a convivência pacífica, em meio a uma sociedade marcada por violência, que banaliza a vida. Sobretudo no mundo de hoje, com a crise da democracia representativa, cresce a importância e, portanto, a necessidade da colaboração da Igreja, no fortalecimento da sociedade civil,155 na participação em iniciativas de controle social, bem como no serviço em prol da unidade e fraternidade dos povos, especialmente da América Latina e do Caribe, como sinal efetivo de paz e reconciliação.156
116. Como cidadãos cristãos, cabe nos empenharmos na busca de políticas públicas que ofereçam as condições necessárias ao bem-estar de pessoas, famílias e povos. Urge que as comunidades e demais instituições católicas colaborem ou ajam em parceria com outras instituições privadas ou públicas,157 com os movimentos populares e outras entidades da sociedade civil, no sentido de reivindicar democraticamente a implantação e a execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja. Urge uma presença mais efetiva da Igreja em regiões suburbanas, especialmente nas favelas. Especial atenção precisa ser dada à pastoral carcerária, pois ela é mediação importante para a presença eficaz da Igreja junto à numerosa população reclusa em condições desumanas.
117. Tarefa de grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam em níveis de decisão, evangelizando, com especial atenção e empenho, os “novos areópagos”.158 Um dos primeiros areópagos é o mundo universitário. Uma consistente pastoral universitária é necessidade em quase todas as Igrejas Particulares. Quanto mais nos empenharmos em conscientizar e capacitar nossos leigos a partir de sua própria profissão, no empenho do diálogo fé e razão, estaremos animando sua vocação no mundo e, consequentemente, auxiliando na melhoria da sociedade. Outro urgente areópago está no mundo da comunicação. Tornam-se inadiáveis mais investimentos tecnológicos e qualificação de pessoal, para o uso adequado dos meios de comunicação, uma ousada pastoral da comunicação, garantindo a presença da Igreja no diálogo com a mentalidade e a cultura contemporâneas, à luz dos valores do Evangelho. O terceiro areópago liga-se à presença pastoral junto aos empresários, aos políticos, aos formadores de opinião no mundo do trabalho, dirigentes sindicais e comunitários, disponibilizando e formando pessoas que se dediquem a ser presença significativa nestes meios. Cabe também incentivar a Pastoral da Cultura, viva e atuante, através de centros culturais católicos e de projetos que visem atingir os núcleos de criação e difusão cultural.159
118. Num contexto cultural cada dia mais marcado pelo ceticismo diante do conhecimento da verdade em si e impregnado por sinais evidentes de irracionalidade, também midiática, a evangelização assume o desafio de aproximar a fé e a razão, através do diálogo atento, atualizado e corajoso com as pessoas de hoje.
119. Este diálogo se faz ainda mais urgente no contexto eclesial da “nova evangelização, mantendo e proclamando com firmeza os elementos essenciais da fé como adesão intelectual à Revelação,160 num ambiente fortemente carregado de sentimentalismos efêmeros e emocionalismo insaciável”.161
120. O empenho da Igreja pela promoção humana e pela justiça social exige amplo e decidido esforço para educar a comunidade eclesial como um todo no conhecimento e na aplicação da Doutrina Social da Igreja, como decorrência imprescindível da própria fé cristã. Em nosso tempo, cada vez mais, leigos e leigas se interessam por sua formação teológica, também na Doutrina Social da Igreja, tornando-se verdadeiros missionários da caridade no seio da sociedade secular.162 A ética social cristã não é opção para alguns, mas exigência para todos. Ela é contribuição própria da Igreja para a construção de uma sociedade justa e solidária e precisa ocupar lugar de destaque em nossos programas de formação, planos de pastoral e na própria pregação inspirada pelo Evangelho.163
Notas às DGAE
142 Cf. DAp [documento da conferência de Aparecida, 2007], n. 436.
143 DAp, n. 401.
144 DAp, n. 402.
145 Cf. DAp, nn. 118; 302.
146 DAp, n. 435.
147 Cf. DAp. DI [discurso inaugural do papa Bento XVI], n. 5.
148 CV [encíclica Caritas in Veritate, do papa Bento XVI], n. 62.
149 Cf. DAp, n. 47.
150 Cf. CNBB. Brasil – 500 anos: diálogo e esperança, nn. 17-22 e 58 e 59. São Paulo. Paulinas, 2000.
151 DAp. DI, n. 4.
152 Cf. DAp, nn. 529-533.
153 Cf. CV, nn. 48-49.
154 Cf. CNBB, Texto-base da Campanha da Fraternidade 2004, com o lema “Água fonte da vida”.
155 CV, n. 39.
156 Cf. DAp, n. 520.
157 Cf. DAp, n. 384.
158 Cf. DAp, n. 491.
159 Cf. DAp, n. 491.
160 Cf. DV , n. 5
161 Cf. DV, n. 5.
162 Cf. DAp, n. 99f.
163 Cf. CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 1999-2002, n.197. São Paulo.
Paulinas, 1999.
MENSAGEM DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO
PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES 2014
Queridos irmãos e irmãs!
Ainda hoje há tanta gente que não conhece Jesus Cristo. Por isso, continua a revestir-se de grande urgência a missão ad gentes, na qual são chamados a participar todos os membros da Igreja, pois esta é, por sua natureza, missionária: a Igreja nasceu “em saída”. O Dia Mundial das Missões é um momento privilegiado para os fiéis dos vários Continentes se empenharem, com a oração e gestos concretos de solidariedade, no apoio às Igrejas jovens dos territórios de missão. Trata-se de uma ocorrência permeada de graça e alegria: de graça, porque o Espírito Santo, enviado pelo Pai, dá sabedoria e fortaleza a quantos são dóceis à sua ação; de alegria, porque Jesus Cristo, Filho do Pai, enviado a evangelizar o mundo, sustenta e acompanha a nossa obra missionária. E, justamente sobre a alegria de Jesus e dos discípulos missionários, quero propor um ícone bíblico que encontramos no Evangelho de Lucas (cf. 10, 21-23).
1. Narra o evangelista que o Senhor enviou, dois a dois, os setenta e dois discípulos a anunciar, nas cidades e aldeias, que o Reino de Deus estava próximo, preparando assim as pessoas para o encontro com Jesus. Cumprida esta missão de anúncio, os discípulos regressaram cheios de alegria: a alegria é um traço dominante desta primeira e inesquecível experiência missionária. O Mestre divino disse-lhes: “Não vos alegreis, porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu. Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai (…)”. Voltando-se, depois, para os discípulos, disse-lhes em particular: “Felizes os olhos que veem o que estais a ver” (Lc 10, 20-21.23).
As cenas apresentadas por Lucas são três: primeiro, Jesus falou aos discípulos, depois dirigiu-Se ao Pai, para voltar de novo a falar com eles. Jesus quer tornar os discípulos participantes da sua alegria, que era diferente e superior àquela que tinham acabado de experimentar.
2. Os discípulos estavam cheios de alegria, entusiasmados com o poder de libertar as pessoas dos demônios. Jesus, porém, recomendou-lhes que não se alegrassem tanto pelo poder recebido, como sobretudo pelo amor alcançado, ou seja, “por estarem os vossos nomes escritos no Céu” (Lc 10, 20). Com efeito, fora-lhes concedida a experiência do amor de Deus e também a possibilidade de o partilhar. E esta experiência dos discípulos é motivo de jubilosa gratidão para o coração de Jesus. Lucas viu este júbilo numa perspectiva de comunhão trinitária: “Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo”, dirigindo-Se ao Pai e bendizendo-O. Este momento de íntimo júbilo brota do amor profundo que Jesus sente como Filho por seu Pai, Senhor do Céu e da Terra, que escondeu estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelou aos pequeninos (cf. Lc 10, 21). Deus escondeu e revelou, mas, nesta oração de louvor, é sobretudo a revelação que se põe em realce. Que foi que Deus revelou e escondeu? Os mistérios do seu Reino, a consolidação da soberania divina de Jesus e a vitória sobre satanás.
Deus escondeu tudo isto àqueles que se sentem demasiado cheios de si e pretendem saber já tudo. De certo modo, estão cegos pela própria presunção e não deixam espaço a Deus. Pode-se facilmente pensar em alguns contemporâneos de Jesus que Ele várias vezes advertiu, mas trata-se de um perigo que perdura sempre e tem a ver conosco também. Ao passo que os “pequeninos” são os humildes, os simples, os pobres, os marginalizados, os que não têm voz, os cansados e oprimidos, que Jesus declarou “felizes”. Pode-se facilmente pensar em Maria, em José, nos pescadores da Galileia e nos discípulos chamados ao longo da estrada durante a sua pregação.
3. “Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Lc 10, 21). Esta frase de Jesus deve ser entendida como referida à sua exultação interior, querendo “o teu agrado” significar o plano salvífico e benevolente do Pai para com os homens. No contexto desta bondade divina, Jesus exultou, porque o Pai decidiu amar os homens com o mesmo amor que tem pelo Filho. Além disso, Lucas faz-nos pensar numa exultação idêntica: a de Maria. “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 46-47). Estamos perante a boa Notícia que conduz à salvação. Levando no seu ventre Jesus, o Evangelizador por excelência, Maria encontrou Isabel e exultou de alegria no Espírito Santo, cantando o Magnificat. Jesus, ao ver o bom êxito da missão dos seus discípulos e, consequentemente, a sua alegria, exultou no Espírito Santo e dirigiu-Se a seu Pai em oração. Em ambos os casos, trata-se de uma alegria pela salvação em ato, porque o amor com que o Pai ama o Filho chega até nós e, por obra do Espírito Santo, envolve-nos e faz-nos entrar na vida trinitária.
O Pai é a fonte da alegria. O Filho é a sua manifestação, e o Espírito Santo o animador. Imediatamente depois de ter louvado o Pai – como diz o evangelista Mateus – Jesus convida-nos: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30). “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Exortação apostólica Evangelii Gaudium, 1).
De tal encontro com Jesus, a Virgem Maria teve uma experiência totalmente singular e tornou-se “causa nostrae laetitiae” [causa da nossa Alegria]. Os discípulos, por sua vez, receberam a chamada para estar com Jesus e ser enviados por Ele a evangelizar (cf. Mc 3, 14), e, feito isso, sentem-se repletos de alegria. Porque não entramos também nós nesta torrente de alegria?
4. “O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada” (Exortação apostólica Evangelii Gaudium, 2). Por isso, a humanidade tem grande necessidade de dessedentar-se na salvação trazida por Cristo. Os discípulos são aqueles que se deixam conquistar mais e mais pelo amor de Jesus e marcar pelo fogo da paixão pelo Reino de Deus, para serem portadores da alegria do Evangelho. Todos os discípulos do Senhor são chamados a alimentar a alegria da evangelização. Os bispos, como primeiros responsáveis do anúncio, têm o dever de incentivar a unidade da Igreja local à volta do compromisso missionário, tendo em conta que a alegria de comunicar Jesus Cristo se exprime tanto na preocupação de O anunciar nos lugares mais remotos como na saída constante para as periferias de seu próprio território, onde há mais gente pobre à espera.
Em muitas regiões, escasseiam as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Com frequência, isso se a deve à falta de um fervor apostólico contagioso nas comunidades, o que faz com as mesmas sejam pobres de entusiasmo e não suscitem fascínio. A alegria do Evangelho brota do encontro com Cristo e da partilha com os pobres. Por isso, encorajo as comunidades paroquiais, as associações e os grupos a viverem uma intensa vida fraterna, fundada no amor a Jesus e atenta às necessidades dos mais carecidos. Onde há alegria, fervor, ânsia de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas, nomeadamente as vocações laicais à missão. Na realidade, aumentou a consciência da identidade e missão dos fiéis leigos na Igreja, bem como a noção de que eles são chamados a assumir um papel cada vez mais relevante na difusão do Evangelho. Por isso, é importante uma adequada formação deles, tendo em vista uma ação apostólica eficaz.
5. “Deus ama quem dá com alegria” (2 Cor 9, 7). O Dia Mundial das Missões é também um momento propício para reavivar o desejo e o dever moral de participar jubilosamente na missão ad gentes. A contribuição monetária pessoal é sinal de uma oblação de si mesmo, primeiramente ao Senhor e depois aos irmãos, para que a própria oferta material se torne instrumento de evangelização de uma humanidade edificada no amor.
Queridos irmãos e irmãs, neste Dia Mundial das Missões, dirijo o meu pensamento a todas as Igrejas locais: Não nos deixemos roubar a alegria da evangelização! Convido-vos a mergulhar na alegria do Evangelho e a alimentar um amor capaz de iluminar a vossa vocação e missão. Exorto-vos a recordar, numa espécie de peregrinação interior, aquele “primeiro amor” com que o Senhor Jesus Cristo incendiou o coração de cada um; recordá-lo, não por um sentimento de nostalgia, mas para perseverar na alegria. O discípulo do Senhor persevera na alegria, quando está com Ele, quando faz a sua vontade, quando partilha a fé, a esperança e a caridade evangélica.
A Maria, modelo de uma evangelização humilde e jubilosa, elevemos a nossa oração, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos e possibilite o nascimento de um mundo novo.
Vaticano, 08 de Junho - Solenidade de Pentecostes - de 2014.
FRANCISCO