O que está em jogo? Esta é a pergunta feita por Eduardo Menezes, jornalista, mestre em Ciências da Comunicação e pesquisador do Laboratório de Estudos em Análise do Discurso da UCPel. Neste período de Copa do Mundo, ele discorre sobre as disputas presentes fora do campo, que se dão na esfera política. Sob o ponto de vista democrático, como seria possível medir o nível de confusão ideológica que está sendo provocado pela cobertura midiática da Copa do Mundo no Brasil?
Rosildo Brito fala da “e$petacularização da vida” contemporânea a partir de um evento esportivo que, para além de um campeonato de futebol, põe em jogo um artimanhoso esquema que envolve ao mesmo tempo negócio, paixão e cultura. Uma receita infalível para a automanutenção do sistema hegemônico vigente.
Aceite o convite à reflexão!
O que está em jogo?
Por Eduardo Silveira de Menezes em 01/07/2014, na edição 805
Medir índices de audiência é relativamente fácil. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) explica, em seu site oficial, que a tecnologia utilizada para saber a média dos aparelhos de TV ligados a uma determinada emissora opera pelo uso dos peoplemeters. Trata-se de um serviço viabilizado pela utilização de um dispositivo eletrônico – o DIB – que, após ser instalado em domicílios dispostos a colaborar com a medição, permite a transferência dos registros da sintonia dos canais para o IBOPE. Com o objetivo de se obter um dado cientificamente válido, utilizam-se os relatórios do Painel Nacional de Televisão (PNT), responsável pela validação dos dados de um grupo fixo de residências ao longo dos anos. Estima-se que 25% da amostra são atualizados anualmente. Mas, sob o ponto de vista democrático, como seria possível medir o nível de confusão ideológica que está sendo provocado pela cobertura midiática da Copa do Mundo no Brasil?
Para início de conversa, é preciso identificar o que tem levado as pessoas a tomarem posicionamentos do tipo “sou contrário à Copa, pois amo o Brasil e quero vê-lo avançar em áreas tão necessitadas, como saúde e educação”, ou ainda “sou a favor da Copa e torço pela Seleção, mas não suporto o país onde vivo e só não tenho vergonha de ser brasileiro dentro de um estádio de futebol” – o conhecido “complexo de vira-latas”, prenunciado por Nelson Rodrigues, na década de 1950, e equivocadamente empregado pelo sociólogo Emir Sader em recente comentário, no Twitter, dirigindo-se ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Final da Copa será nas urnas
Essa confusão encontra respaldo na cobertura do evento. Como resultado, evidencia-se um nacionalismo esquizofrênico; é o tal orgulho de “ser brasileiro com muito orgulho e muito amor” associado ao ódio pela presidenta da República, Dilma Rousseff, e por países vizinhos, como o Chile. E não podia ser diferente. A comoção provocada pela transmissão dos jogos, principalmente na TV Globo, é insuflada pelo mesmo saudosismo dos anos em que o “país do futebol” era, também, o “país das aparências” e, certamente, um “país de poucos”, que procurava histericamente copiar o american way of life. O país dos privilegiados, daqueles que podem fazer e falar o que bem entenderem, pois estão no topo da pirâmide social e julgam-se acima da média.
Mesmo que o Brasil esteja longe de vencer os desafios sociais, fez algo inaceitável aos olhos dos catequizados pela cartilha neoliberal do Consenso de Washington. Na última década, um operário e uma mulher ascenderam ao mais alto cargo da Nação. Para confundir, ainda mais, a média da população não abandonou as regras da política econômica insuflada por seus opositores. Mas foram competentes ao promover algumas políticas sociais. Dado o contexto, a revolta e perturbação mental só poderia dar em choradeira. Afinal, os “chorões” e “entusiasmados” responsáveis pela cobertura da Copa são os cabos eleitorais das forças políticas que torcem pelo fracasso do mundial e, paradoxalmente, pelo sucesso da Seleção Brasileira. O novo comentarista esportivo da Rede Globo Ronaldo Nazário disse “não ter estrutura emocional” para acompanhar um jogo eliminatório definido nos pênaltis, como ocorreu no confronto contra o Chile. Será que manterá essa postura no caso de um processo eleitoral definido em um possível segundo turno?
O troféu mais perseguido
A permanência da Seleção brasileira até a última fase do campeonato representa a possibilidade de índices de audiência ainda maiores e, consequentemente, lucros a perder de vista. De acordo com informações do Ibope, se forem consideradas apenas as duas emissoras de TV aberta, Globo e Band, o percentual de aumento da audiência, em relação ao ano de 2010, é de 29% e 18%, respectivamente. São milhões de pessoas que assistem não apenas a transmissão de um evento esportivo de nível internacional, mas ao sucesso ou fracasso de um governo, de corte keynesiano, cujas tímidas políticas sociais incomodam os que, hoje, podem ter o privilégio – concedido por este mesmo governo, é bom que se diga – de esquentarem um dos assentos dos 12 estádios construídos para atender os interesses comerciais da Federação Internacional de Futebol (Fifa).
O sucesso da Seleção, nos gramados, tem sido associado a um possível sucesso eleitoral do atual governo, nas urnas, até porque as tentativas tresloucadas de manchar a imagem do mundial – como à associação paranoide, promovida por um colunista da revista Veja, entre a utilização da cor vermelha, no logo da Copa, e uma suposta propaganda socialista – foi motivo de escárnio internacional. A principal crítica dos jornais estrangeiros à referida fantasia do periódico brasileiro esteve direcionada à falta de investigação jornalística para opinar sobre como se deu a confecção do emblema. A imagem resulta de um projeto criado pela agência de publicidade África, sendo selecionado por uma equipe escolhida pelo Comitê Local da Copa (COL) – conforme noticiado, recentemente, pela revista Fórum.
É inegável que os muitos séculos de patrimonialismo escravista – processo histórico que perpassa desde o absolutismo ibérico até o advento da liberal democracia – expressando-se, na contemporaneidade, pelo insucesso do neoliberalismo, influencia diretamente nas formas de conceber a informação. Por isso, é preciso saber separar os interesses que estão por trás da construção simbólica promovida pelos grandes grupos de comunicação. A estratégia eleitoral da oposição é antiga. Pretende, exclusivamente, fragmentar as forças políticas progressistas e promover uma sucessão presidencial a qualquer custo.
A visão maniqueísta da Copa, induzida pela fraca cobertura midiática, resulta na utilização de feedbacks confusos e pouco contextualizados, nas redes sociais, cuja aparente antítese dos movimentos #NãoVaiTerCopa e #VaiTerCopaSim sofre, em sua gênese, a infeliz coincidência de ignorar o quadro complexo das relações culturais, sociais e econômicas responsáveis por condicionar as lutas políticas em uma sociedade globalizada. Embora as urnas devam refletir o entendimento coletivo sobre os “campos” onde são travadas as disputas mais significativas, um “campo” se sobressairá em relação aos demais, tornando-se o único espaço possível para a realização do “jogo decisivo”. Não há dúvidas. O troféu mais perseguido é – e sempre será – o que leva ao poder.
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Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação e pesquisador do Laboratório de Estudos em Análise do Discurso da UCPel.
A e$petacularização da vida
Por Rosildo Brito em 01/07/2014, na edição 805
Para além de o maior e espetacular evento esportivo internacional, a Copa do Mundo representa um momento valioso para refletirmos sobre este que tem se tornado um dos fenômenos sociais mais estudados nas universidades e discutido fora destas, que é a espetacularização da vida contemporânea.
Apontada pela imprensa como o maior espetáculo da Terra, a Copa traz à tona de forma explícita a certeza de vivermos numa sociedade planetária totalmente ambientada pela mídia e regida pelo poder do capital. Não é para menos. Trata-se aqui de um evento esportivo que, para além de um campeonato de futebol, põe em jogo um artimanhoso esquema que envolve ao mesmo tempo negócio, paixão e cultura. Uma receita infalível para a automanutenção do sistema hegemônico vigente.
O primeiro dos três aspectos fica evidente nas cifras que o próprio evento movimenta. E aí, vale ressaltar que estamos diante de um acontecimento promovido pela entidade que mais arrecada dinheiro em todo o mundo. Só para a Copa do Brasil, a Fifa arrecadou 1,4 bilhão de dólares com 22 empresas, divididas entre apoiadoras e patrocinadoras desta edição do campeonato. Dividido este valor total entre o número de empresas patrocinadoras, teremos um investimento médio de 63 milhões de dólares por empresa. Isso sem falar nas dezenas de marcas publicitárias que não constam no ranking do patrocínio oficial, como é o caso, por exemplo, da Gol e da Lupo, para ficar apenas nestas duas empresas de grande potencial financeiro.
Só a Sony, que tem um time trabalhando de olho nas Fan Fests (festas que reúnem multidões para assistir aos jogos da Copa em várias cidades do mundo), assinou contrato de US$ 305 milhões com a Fifa para se tornar parceira oficial. Afora a indústria publicitária, outra vantajosa fonte de recursos advém dos valores suntuosos cobrados das transmissões exclusivas das emissoras de TV que, afora a Fifa, são quem mais fatura com esse evento bilionário e fascinante que é a Copa Mundial de futebol.
Um negócio espetacular
Mas, muito mais que faturar, é esse dispositivo midiático que, mais do que nenhum outro, é responsável pelo fenômeno de espetacularização já mencionado e que traz em seu bojo o germe da grande paixão que se tornou o futebol.
Muito mais que um mero meio de transmissão de sons e imagens líder em audiência em todo o mundo, cabe à mídia televisiva, na condição de meio de comunicação de massa por excelência, fornecer aos acontecimentos e personagens nestes envolvidos a dimensão pública e espetacular própria da sociabilidade contemporânea em que vivemos. Uma sociabilidade que tem na telerrealidade, ou seja, a realidade construída pela televisão – a qual mais que retratar, reconstrói o real de acordo com a lógica para a qual foi programada –, um dos sinais mais característicos da vida contemporânea. Como nos faz ver o estudioso da mídia Antonio Albino Canelas Rubim, é essa nova dimensão pública constituída pelas redes de espaços eletrônicos que dá suporte e viabiliza televivências, ou seja, vivências à distância, em espaço planetário e tempo real. Não seria isso, por acaso, que estamos todos vivendo com a Copa do Mundo?
Atrelado a estes dois aspectos aqui destacados, o negócio e a paixão, há um outro fator preponderante para o avanço do fenômeno da espetacularização da sociedade que é a cultura. E, nesse sentido, como defendem vários estudiosos, dentre os quais ressaltaria o pensador francês Jean Baudrillard, vivemos incondicionalmente sob a égide de uma cultura cada vez mais predominantemente imagética. Num mundo organizado em torno de simulacros e simulações do real, as quais transformam radicalmente nossas experiências de vida, de ver, sentir e nos colocar no mundo, resumindo tudo a um grande e efêmero espetáculo.
É justamente aqui que entram em cena, de forma determinante, as tradicionais e novas tecnologias de informação e comunicação, as quais, vale ressaltar, retroalimentam, por meio do encantador mundo do entretenimento, a logística do consumismo que reina na sociedade contemporânea e que tem nos produtos gerados por este, um de seus mais emblemáticos e lucrativos meios de consolidação.
E é justamente aqui que se enquadram eventos como este que o mundo todo compartilha na atualidade por meio dos monitores de TV que é a Copa do Mundo. Um evento que, para além do que nos querem fazer enxergar, muito mais que “o maior espetáculo do planeta”, é, sem sombra de dúvidas, um inequívoco símbolo da espetacularização da vida. Uma vida cada vez mais redonda, como é a bola que rola nos campos aos olhos dos dirigentes capitalistas e entre os pés daqueles para quem, muito mais que paixão e espetáculo grandioso, a Copa do Mundo representa mesmo é um negócio espetacular!
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Rosildo Brito é jornalista e professor.