Ao investir R$ 24 milhões na compra de cestas básicas em atacados para doar às famílias dos alunos da rede pública do Rio Grande do Sul durante a pandemia de Covid-19, o governo gaúcho ignorou a crise que também atingia a agricultura familiar no estado. É o que concluiu um estudo vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (PPGPSDH/UCPel).
Tiago Nunes, professor do curso de Direito e do PPGPSDH, sustenta que, ao tomar a decisão, o governo do estado não cumpriu o que está previsto na Lei 11.947/2009, que determina que os gestores devem destinar 30% dos recursos financeiros repassados para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a agricultura familiar, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades indígenas e quilombolas.
No estudo “A resistência das cooperativas populares no Rio Grande do Sul na execução do PNAE estadual em tempos de Covid-19”, o pesquisador e alunos do PPG também identificaram o quanto a falta de políticas sociais acabou influenciando no agravamento da situação que vem aumentando nos últimos anos.
Ao concluir o estudo, os pesquisadores apontam que a situação só foi identificada porque entidades representativas da agricultura familiar no estado, em conjunto com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) do RS apontaram o que estava ocorrendo.
“Com os resultados, as entidades puderam questionar a decisão do governo, comprovando assim que a agricultura familiar poderia ter fornecido os alimentos nesse período. E que era possível manter o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no seu modelo de ter no mínimo 30% da agricultura familiar e os públicos prioritários”, afirmou Tiago.
Como resposta, o governo gaúcho justificou-se dizendo que iria disponibilizar R$ 3,4 milhões para serem creditados no Cartão do (PNAE) das escolas estaduais, para que fossem utilizados na compra de produtos da agricultura familiar, repassando para as coordenadorias de educação a responsabilidade de realizar chamadas públicas unificadas por região, deixando com que a entrega e logística ficassem a cargo das escolas.
No final, ainda de acordo com a pesquisa, não se executou tudo e o governo não cumpriu com a porcentagem obrigatória que determina a reserva de aquisição de 30% de alimentos da agricultura familiar para o PNAE. Porém, organizações ligadas à agricultura familiar concluíram que, ao menos, foi possível diminuir os impactos socioeconômicos da pandemia nessas famílias, apesar das incertezas que ainda permeiam esses agricultores, já que as inseguranças em relação à pandemia ainda são bastante presentes.
Tiago Nunes ressalta que o PNAE é o programa mais bem sucedido de segurança alimentar do ambiente escolar ao garantir que 30% no mínimo deve vir da agricultura familiar e trabalha com grupos prioritários.
Ou seja, no processo de seleção, esses grupos ficam à frente dos demais, mas há uma certa barreira em relação a isso, pois muitos produtores desses grupos não conseguem acessar essas informações por questão de logística, condições e conhecimento.
Então, a ideia inicial do estudo era dar visibilidade a essa questão. Porém, no decorrer da pesquisa, com a greve do magistério no RS e com a pandemia, foi preciso alterar a pesquisa.
Para que o estudo fosse realizado, os pesquisadores precisaram ir diretamente em cada escola para obter as informações com os diretores e professores desses espaços, assim como, solicitar informações com a Secretaria de Educação do Estado, pois ainda não é possível acessar esses dados de maneira mais direta.
A pesquisa citada anteriormente levou em consideração o cenário da região sul do Brasil, mas vai de encontro à estatística que tem preocupado especialistas. Mais da metade da população brasileira não tem comida garantida todo o dia. Nem em quantidade, nem em qualidade. Os dados publicados pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) confirma o que especialistas já vinham afirmando nos últimos dois anos: a pandemia agravou o problema da fome no Brasil.
De acordo com a pesquisa, 10% da população do RS passa por insegurança alimentar grave, que é aquela onde a pessoa, além de ter medo de não ter o que comer ou se alimentar, quando se alimenta,é de forma indigna.
De acordo com Tiago, embora haja essa ideia de que no estado gaúcho não há empobrecimento, a insegurança alimentar está presente nos lares do Rio Grande do Sul, o que demonstra a importância de garantir às famílias da agricultura familiar esse investimento do PNAE, principalmente quando se fala de produtores vinculados aos grupos prioritários que acabam não tendo acesso a licitações e editais por falta de acesso.
Além disso, o professor afirma que o programa também garante a permanência de muitas crianças no ambiente escolar, já que uma boa alimentação se reflete na concentração dessas crianças nas aulas. “Um país que se diz preocupado com as gerações futuras tem que estar preocupado com as políticas de segurança alimentar", afirma o pesquisador.
Tiago também concluiu que fortalecer o PNAE é importante, assim como apoiar hortas comunitárias, feiras livres e Centrais de Abastecimentos (Ceasas). Também apontou a importância de apoiar conselhos nacionais e estaduais para estimular a Agricultura Familiar.
Redação: Lizandra Vilela