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[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
28.05.2014 | 11:30 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
Em um momento especialmente delicado na relação do governo brasileiro com os povos indígenas, com ataques no Congresso Nacional a direitos adquiridos, assassinatos (foram 15, ano passado, por conflito de terra) e prisões arbitrárias (dezenas nesse ano, principalmente de lideranças Tenharim, Kaingang e Tupinambá) [como no caso da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, neste mês], um projeto patrocinado pela Petrobrás busca valorizar as histórias coletadas e registradas dos povos Xavante e Karajás. É uma pequena contribuição para a compreensão desse Brasil pluriétnico.

Os conflitos, porém, persistem, e disponibilizamos também a reportagem e entrevista com dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu, na Amazônia, desde 1981, e em seu segundo mandato como presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O bispo foi recebido pelo papa Francisco no Vaticano, no dia 04 de abril último. Na ocasião, o bispo denunciou os problemas enfrentados pelos povos indígenas, ribeirinhos e pelas comunidades amazônicas. O bispo também comenta sobre a situação de pequenos agricultores, que ocupam terras que devem ser demarcadas, reconhecendo o direito indígena.

Ante o conflito de superfície entre indígenas e famílias camponesas, fazemos memória de monseñor Óscar Romero, bispo de El Salvador. Em sua homilia dominical de 16/04/1978, indica ele a raiz mais profunda desse fenômeno social (ROMERO, Monseñor Óscar A. Homilías. Tomo II: ciclo A: 27/11/1977 a 28/05/1978. San Salvador: UCA editores, 2005, p. 421): “E um dos maiores pecados é esse, irmãos, que a mim me dói tanto”: que o sistema atual leve a que se enfrentem entre si diferentes grupos sociais pobres e marginalizados. Constatando esse fato, o mártir Romero (assassinado em 24/03/1980) exclama com vigor profético: “Que satânico tem que ser este sistema que consegue se aproveitar até da fome e que leva a que se busque ganhar o pão ainda que seja criando divisões e inimizades [...] quando pertencem à mesma pobreza! E em vez de ajudar-lhes em um diálogo construtivo para que uns e outros saiam rumo a um ambiente de mais respiro, de mais liberdade, aí os temos enfrentados.”

Segundo dom Erwin, falta interesse e vontade política para se assumir a questão indígena.

Leia, reflita, (re)pense. Aceite nosso convite!


Uma ponte para o abismo entre o Brasil e seus indígenas

Serão lançados nesta segunda-feira 19, em São Paulo, e na quarta-feira 21, no Rio de Janeiro, os dois livros que compõem o projeto Histórias da Tradição. Os livros são Ynyxiwè, que trouxe o sol e outras histórias do povo Karajá (80 páginas) e Aihö’ubuni wasu’u – o Lobo Guará e outras histórias do povo Xavante (96 páginas). Ambos possuem encarte de pôster colorido e CD. Realizado em parceria com lideranças dos povos Xavante e Karajás, o projeto, coordenado pela jornalista Ângela Pappiani, diretora da produtora Ikorẽ, apresenta mitos contados, em formas literárias, pelos indígenas. São belíssimas histórias que enriquecem a literatura nacional. Histórias dos contatos interétnicos, das resistências, e outras do perspectivismo indígena, nos quais animais interagem como humanos – como a história Xavante do urubu-rei que organiza um salvamento de um índio xavante.

A entrevista é de Felipe Milanez com Ângela Pappiani, publicada por CartaCapital, 19-05-2014.

Em um momento especialmente delicado na relação do governo brasileiro com os povos indígenas, com ataques no Congresso Nacional a direitos adquiridos, assassinatos (foram 15, ano passado, por conflito de terra), prisões arbitrárias (dezenas nesse ano, principalmente de lideranças Tenharim, Kaingang e Tupinambá), racismos (um deputado ganhou o prêmio internacional de racista do ano), e diversas outras formas de desrespeito e violência, as duas obras são uma grande contribuição da criatividade indígena para um país cada vez mais mergulhado numa ideologia exploradora e destrutiva.

Os livros serão distribuídos para escolas indígenas das etnias Xavante e Karajá, bibliotecas públicas e Secretarias de Educação de Palmas e Cuiabá, Canarana e São Felix do Araguaia. Como autores, os índios são detentores dos direitos autorais das obras e, por isso, seu recolhimento será automaticamente destinado às comunidades.

Eis a entrevista.

Como surgiu a ideia do livro?
O que nos motivou a elaborar e realizar o projeto Histórias da Tradição é a consciência do grande abismo que separa o Brasil dos povos originários deste país. O total desconhecimento e desrespeito pelas culturas tradicionais nos leva ao desencontro, a um afastamento cada vez maior desses povos que são contemporâneos do Brasil. A consequência desse desencontro são os conflitos e a violência. Do outro lado do abismo, os povos indígenas teimam em sobreviver e manter suas culturas mesmo enfrentando o avanço cada vez mais truculento sobre seus territórios e saberes. As cidades e fazendas invadem as áreas indígenas, a televisão, as missões religiosas e a escola chegam dentro das aldeias difundindo valores, conceitos e necessidades que nada têm a ver com o modo tradicional de vida, impondo modelos que afastam os mais jovens do conhecimento tradicional, de sua identidade. Felizmente, em muitas aldeias, lideranças conscientes enxergam essas armadilhas e buscam ferramentas para fortalecer a cultura e encontrar caminhos de convivência com os novos tempos.

O povo Xavante da Terra Indígena Pimentel Barbosa tem estratégias de relação com a sociedade nacional desde os primeiros contatos, no final da década de 40. Foram muitos os trabalhos realizados por esse povo para se relacionarem com os warazu (os estrangeiros) mantendo seu território e cultura. Somos parceiros desde a década de 1980 em muitas realizações de fortalecimento cultural e aproximação com a sociedade brasileira, como por exemplo o livro Wamrémê Za’ra - Nossa palavra/ Mito e história do povo Xavante (Ed. Senac/98), o CD Etenhiritipá – cantos da tradição Xavante, os documentários A’uwê Uptabi – o povo verdadeiro e Estratégia Xavante, o projeto Rito de Passagem, a parceria com a banda Sepultura (Roots), com o músico Ramiro Musotto. Nesses trabalhos, o objetivo era criar a ponte com o Brasil ao mesmo tempo em que valorizavam sua identidade e fortaleciam sua cultura internamente.

Com o projeto Histórias da Tradição estamos retomando esse caminho, envolvendo a nova geração num trabalho de valorização das histórias tradicionais, protegidas na memória dos mais velhos. Porque é nessa memória, nesse mundo fantástico das narrativas, onde os tempos e os espaços se misturam, que resiste a possibilidade de permanecerem como o “povo verdadeiro”. Com o povo Karajá a trajetória também tem mais de uma década. Fizemos um trabalho de registro e valorização dos cantos e das cerimônias tradicionais editados no CD Iny – cantos da tradição Karajá e apresentados dentro do projeto Rito de Passagem. Mas o povo Karajá hoje enfrenta um grande desafio que é a entrada cada vez mais violenta das drogas dentro das comunidades, com o aumento do suicídio entre os jovens.

Acreditamos que ações de valorização dos conhecimentos e tradições, principalmente das narrativas ancestrais que trazem para o presente o tempo da criação, que envolvam as várias gerações dentro das aldeias, e seu registro e divulgação para um público mais amplo, possam fortalecer as comunidades, revelando a riqueza e singularidade dessas culturas para dentro e para fora das aldeias. Como diz um velho sábio do povo Xavante: “Ninguém respeita aquilo que não conhece”. Os povos indígenas precisam de canais de comunicação com o povo brasileiro, precisam de espaços onde possam revelar seus conhecimentos, a beleza e força de suas culturas. A diversidade é nossa maior riqueza e deveria ser um bem assumido pelo Brasil, protegido e valorizado dentro e fora de nossas fronteiras. Infelizmente o Brasil tem vergonha de suas origens “tupiniquins”. Toda referência ao povo indígena é sempre com termos pejorativos e discriminatórios. Temos um longo caminho pela frente e muito trabalho a ser realizado para que as mais de 250 etnias que convivem com o Brasil contemporâneo possam se mostrar em sua diversidade e riqueza.

As histórias coletadas e registradas pelo projeto Histórias da Tradição são uma pequena contribuição para a compreensão desse Brasil pluriétnico.

Como foi o processo de escrita dos mitos?
O tempo de realização do projeto foi muito curto. Somente com os muitos anos de relação e amizade com esses povos e com os trabalhos realizados anteriormente foi possível o mergulho nessas culturas que possibilitou a compreensão das narrativas e a sua transposição para o idioma português. Como a intenção principal do projeto é a valorização das narrativas e do papel dos velhos, a formação de um acervo em áudio e vídeo era o nosso foco. E também a projeção futura desse trabalho, para que ele não se encerre agora, com o final do projeto patrocinado pela Petrobras. Assim, o primeiro passo do processo envolveu a capacitação de equipes de jovens e professores das duas aldeias para a documentação das narrativas tradicionais em áudio, o trabalho cuidadoso com a tradução e a garantia da participação dos anciãos – os narradores tradicionais detentores do conhecimento compartilhando as histórias.

Professores e alunos das escolas indígenas também se envolveram no trabalho de ilustração das histórias. Mais de 60 pessoas indígenas estiveram envolvidas diretamente em todas as etapas do processo. As comunidades apontaram os melhores narradores, eles próprios escolheram as histórias que queriam contar. Na aldeia Xavante a maioria das narrativas foi gravada à noite com presença das mulheres mais velhas e até dos meninos reclusos no .

Foram mais de 50 histórias registradas em áudio, cerca de 15 Xavante e 35 Karajá. As comunidades escolheram as mais representativas, as que melhor revelam os fundamentos dessas tradições. As seis histórias escolhidas pelo povo Xavante e seis pelo povo Karajá foram então traduzidas com todo o cuidado para que as versões em português preservassem o estilo do narrador, o ritmo e a essência das histórias. Foram dias de trabalho com os coordenadores do projeto Daniel Coxini e Paulo Supretaprã acompanhados dos professores e outros tradutores. Nos Xavante o trabalho ficou concentrado entre o Paulo e o Vinícius. Nos Karajá tivemos 4 tradutores.
O trabalho realizado nas aldeias, acompanhando palavra a palavra, a partir das gravações do velhos, foi o mais produtivo e criativo. Os tradutores perceberam a dificuldade e a profundidade do seu trabalho.

Depois, em São Paulo, a partir dos textos brutos traduzidos, eu trabalhei o texto final, procurando preservar o estilo dos narradores, o clima da história, o contexto cultural. Foram várias versões de cada texto até chegarmos ao final, todos apresentados às comunidades e discutidos até chegarmos a um consenso. Foi desafiador! Uma verdadeira gestação das histórias até que estivessem prontas para o nascimento. E também muitos sonhos! Os ancestrais estiveram presentes!

No site do projeto tem uma página Diário da Aldeia, com fotos e comentários sobre o processo.

A FLIP esse ano vai ter duas mesas com tema relacionados a literatura e povos indígenas. Como analisa esse interesse atual pela literatura indígena?
Já era hora do Brasil enxergar que existe uma literatura riquíssima, mesmo que ainda esteja, em sua maior parte, no domínio da oralidade, dentro de cada comunidade indígena, com toda riqueza e diversidade dessas centenas de culturas.

Tenho acompanhado essa abertura do mercado para a literatura indígena e acredito que ainda há um longo caminho pela frente. O interesse comercial imediatista das editoras tem focado em “historinhas para crianças”, muitas vezes editadas sem cuidado e profundidade. Vejo poucas iniciativas como a do projeto Histórias da Tradição ou a do Bruce Albert trazendo o pensamento do povo Yanomami com toda sua força e beleza para o conhecimento de um grande público. Esse trabalho envolve envolvimento pessoal, paixão e muito tempo...Vai na contramão do mercado.

Felizmente tivemos o apoio do patrocínio da Petrobras que garantiu as viagens e o acompanhamento direto das comunidades. Queremos dar continuidade ao projeto trazendo a literatura de outros povos com quem trabalhamos há muito tempo como os Kaxinawá, Krenak, Tukano... e publicando mais livros com as narrativas dos Karajá e Xavante já coletadas. Espero que a visibilidade que a FLIP promove, contribua para essa discussão sobre a literatura dos povos originários de nosso país.




Faltam interesse e vontade política de assumir a questão indígena, diz dom Erwin Krautler

Bispo do Xingu, na Amazônia, desde 1981, e em seu segundo mandato como presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Erwin Krautler acredita que os povos indígenas não têm o que comemorar no Dia do Índio. Para ele, a situação desses povos tradicionais piorou nos últimos anos, tanto pela demora na demarcação de terras indígenas, o que favorece os conflitos fundiários e a violência, quanto pela falta de atenção governamental a direitos como saúde e educação.

A reportagem e entrevista é de Alex Rodrigues e publicada pela Agência Brasil, 19-04-2014.

Crítico de megaempreendimentos na Amazônia, como a construção da Usina Hidrelétricade Belo Monte, no Pará, dom Erwin, que também é secretário da Comissão Episcopal para a Amazônia, foi recebido pelo papa Francisco no Vaticano, no último dia 4. Na ocasião, o bispo denunciou os problemas enfrentados pelos povos indígenas, ribeirinhos e pelas comunidades amazônidas.

“Vivo na Amazônia há quase 50 anos. Sou uma testemunha qualificada para falar sobre esses assuntos. E, como bispo, tenho o direito e a obrigação de chamar a atenção sempre que os direitos humanos forem violados”, disse o austríaco, que tem cidadania brasileira há 23 anos, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Eis a entrevista.

Quais foram os principais assuntos que o senhor tratou com o papa Francisco?
Conversamos sobre as comunidades da prelazia do Xingu, que não recebem a eucaristia porque contamos com apenas 27 padres para atender a cerca de 800 comunidades. O papa pediu que apresentássemos propostas para solucionarmos esse problema que afeta cerca de 70% das comunidades da Amazônia onde não há celebração eucarística. Também conversamos sobre a questão ecológica.

E sobre a questão indígena em particular? O que os senhores conversaram?
Falamos da questão indígena como um todo, mas também da situação de alguns povos em particular, como os guaranis-kaiowás, de Mato Grosso do Sul, que vivem encurralados em um espaço diminuto, o que lhes causa muito sofrimento. Citei a situação dos povos do Vale do Javari, no Amazonas, onde os índios são acometidos por doenças como a hepatite, e o governo, a meu ver, pouco faz. Falei dos grupos de índios isolados que, oficialmente, não existem. Para lembrá-lo do carinho que os povos indígenas sentem por ele, lembrei o papa de sua vinda ao Rio de Janeiro, em 2013. E disse-lhe que os índios do Brasil contam com sua ajuda, que esperam que ele apele ao governo brasileiro para que demarque as terras indígenas.

O senhor é um conhecido crítico de megaempreendimentos e costuma acusar o governo e alguns parlamentares de se unirem a grupos de interesses econômicos. Ao falar dos problemas que afetam os povos indígenas, que aspectos o senhor citou ao papa?
Logicamente, me referi à construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Uma obra que afeta não apenas os índios da região e que, do jeito como está sendo executada, levou à cidade de Altamira o caos em termos de saúde, de educação, de transporte, de segurança pública. A Justiça Federal acaba de determinar que a empresa responsável, a Norte Energia, cumpra as condicionantes que deveriam ter sido cumpridas antes do início das obras e que não vêm sendo observadas. Isso é positivo, mas as medidas judiciais, infelizmente, estão chegando tarde. Há comunidades indígenas que, de certa forma, já foram desmanteladas e só agora algumas autoridades parecem descobrir a anormalidade da situação. Basta ver o crescimento da população de Altamira. A cidade não se preparou para isso. Às vezes, sentimos como se Belo Monte fosse um rolo compressor passando sobre nós, mesmo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) tenha prometido que esse projeto não seria empurrado goela abaixo de ninguém, o que acabou acontecendo.

O senhor criticou o governo brasileiro ao papa?
Disse a ele que o governo e o Congresso Nacional tomam iniciativas contrárias aos interesses dos povos indígenas. Medidas, a meu ver, inconstitucionais. Não houve tempo para que eu entrasse em pormenores, mas eu disse que o governo não luta pela causa indígena. E que o Congresso Nacional tem desrespeitado os direitos indígenas por meio de várias iniciativas que contrariam esses direitos, como a propostas de emenda à Constituição, a PEC 230, que quer transferir do Poder Executivo para o Legislativo a prerrogativa do governo federal de demarcar terras indígenas.

Em que medida a demora na identificação, demarcação e homologação das terras indígenas prejudica os povos indígenas e contribui para o acirramento da tensão no campo?
Ao ser promulgada, em 1989, a Constituição Federal estabeleceu um prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas. Ou seja, até 1993 todas as terras identificadas como territórios tradicionais indígenas deveriam estar identificadas e homologadas. Passados 21 anos do fim desse prazo, pouco mais de 44% foram realmente demarcadas. Em 2013 não houve nenhuma demarcação. Dessa forma, essas terras ficam escancaradas para todo o tipo de invasor. É bom que se diga que demarcar novas reservas indígenas não significa criar enclaves, mas sim reconhecer que, no interior do território nacional, há áreas pertencentes à União destinadas ao usufruto dos povos que as habitam desde tempos imemoriais.

Como o papa reagiu ao seu relato e a suas críticas ao Estado brasileiro?
Ele não entrou em detalhes nem se pronunciou oficialmente sobre o assunto, mas me ouviu atenciosamente e manifestou seu apoio à causa indígena.

O senhor presidiu o Cimi entre 1983 e 1991 e, agora (2007- 2015), cumpre seu segundo mandato à frente do órgão. Comparando esses dois períodos, quais as principais mudanças em relação à situação dos povos indígenas?
No final da década de 1980, a principal luta era em torno da Constituição Federal, o empenho necessário para inscrevermos no texto constitucional os direitos dos povos indígenas. Naquele momento, cantamos vitória, pois houve vários avanços, como o fato de os índios terem deixado de ser tutelados pelo Estado e se tornarem cidadãos brasileiros de fato, com direito a suas terras, suas expressões culturais. Agora, estamos lutando para impedir o avanço de iniciativas prejudiciais aos povos indígenas.

Mas a situação, hoje, está melhor ou pior?
Eu penso que a situação dos povos indígenas piorou nos últimos anos, sobretudo de 2003 para cá. Exatamente pela falta de empenho do governo em favor das demarcações e da saúde indígena. Faltam interesse e vontade política de assumir a questão indígena como uma causa importante na defesa dos direitos humanos.

Há o que se comemorar neste dia 19, Dia do Índio?
Eu preferiria falar em Dia dos Povos Indígenas. Não se trata de uma data para festejar, mas sim para sensibilizar e conscientizar a sociedade a respeito dos direitos desses povos. Em nosso atual sistema, o índio é considerado um obstáculo ao chamado progresso, entendido apenas do ponto de vista da taxa de crescimento econômico. Se entendermos desenvolvimento como melhoria da qualidade de vida para todo o povo brasileiro, os índios não só têm seu lugar, como sua sabedoria milenar é uma riqueza para o país.

A demora na demarcação das terras indígenas acirra uma disputa que, muitas vezes, envolve famílias de pequenos produtores rurais, gente assentada pelo próprio governo em terras hoje reivindicadas como territórios tradicionais. Entre essas pessoas há católicos que criticam o fato de a Igreja, por meio do Cimi, defender os interesses indígenas em detrimento dos de pequenos produtores e trabalhadores rurais. Como o senhor responde a essas críticas?
Eu não aceito dizerem que defendemos apenas os povos indígenas, sobretudo contra pequenos agricultores. Essa equação não funciona. O que dizemos é que se foi o governo que assentou famílias de colonos em áreas indígenas, é o governo que tem que resolver o impasse criado por ele mesmo. Não defendo e não aceito que se arranque de uma área indígena, com o uso de força policial e sem a devida reparação, uma família assentada pelo governo. Em casos assim, o governo tem que disponibilizar a essa família uma área equivalente à que ela ocupa e indenizá-la não só pelas benfeitorias feitas na terra, mas também por todo o suor derramado em dezenas de anos de trabalho. Agora, se alguém invadiu uma área sabendo se tratar de terra indígena, o tratamento deve ser outro.

O senhor deve deixar a prelazia ao completar 75 anos. Já está cuidando de sua sucessão?
Eu vou apresentar minha renúncia em 12 de julho deste ano, quando completo 75 anos. Isso não significa que deixarei a prelazia de um dia para o outro. Haverá o processo de escolha do meu sucessor, mas é possível que eu seja sucedido por três bispos, já que a regional da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] sugere que, pelo seu tamanho, a prelazia do Xingu seja desmembrada em três dioceses. Eu mesmo apresentarei à regional um projeto nesse sentido.

O senhor teme que, com sua renúncia, a luta em prol da Amazônia e dos povos indígenas e ribeirinhos pode ser prejudicada?
Não, não acredito. Pelo contrário. Eu talvez tenha até mais liberdade e tempo para me empenhar em favor dessa causa. Não tenho o poder que às vezes me atribuem. O que eu tenho é o direito e a obrigação de chamar a atenção sempre que os direitos humanos forem violados.

O país parece atravessar um momento preocupante, com um segmento da sociedade se manifestando contra a garantia dos direitos humanos já conquistados, grupos de justiceiros agindo à revelia da lei e casos de ofensas a índios e outras minorias. O que o senhor diria a essas pessoas já que, entre elas, há muitas que se identificam com os preceitos cristãos?
Quem apela para fazer justiça com as próprias mãos, defende esse tipo de coisa ou se opõe aos direitos humanos está se distanciando da Igreja, de sua fé e de sua moral. Ainda que saibamos que não devemos olhar apenas os fatos recentes, mas também procurarmos as raízes desse comportamento e que, ao fazer isso, cheguemos à conclusão de que a Justiça é muito lenta e que há muita impunidade, sempre lutamos a favor dos direitos humanos. Precisamos de vontade política, de políticas públicas, para frear esse tipo de coisa.

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