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[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
20.08.2015 | 19:20 | #capelania-e-identidade-crista
[Convite à Reflexão] - Capelania UCPel
I Seminário sobre Fraternidade e Direitos Humanos

UCPel, 18 e 19 de agosto de 2015 (no Campus II, Espaço Multiuso)

Fundamentação ética e teológica dos Direitos Humanos

Motivação do seminário:
· Inspirado no tema da Campanha da Fraternidade 2015: “Fraternidade, Igreja e sociedade”  e no seu Lema: “eu vim para servir” (Mc 10,45). Convite à incidência e ações proféticas.
· Promoção do Centro de Referência em Direitos Humanos Dom Hélder Câmara da UCPel, integrado pelo Curso de Direito, Capelania e Caritas Arquidiocesana.
· Nosso compromisso cristão: “No próprio coração do Evangelho aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros” (Papa Francisco, Alegria do Evangelho, n. 177).
· Convergência no tema dos direitos humanos e na necessidade de apoiar os Conselhos Municipais de Direitos no debate por ocasião da Audiência Pública na Câmara Municipal de Pelotas, dia 15/04/2015.

A. Conceituação básica: o que se entende por direitos humanos?
1. Direitos humanos são princípios e normas universais, que tem base no reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos e que visam assegurar o seu respeito universal e efetivo.

2. Trata de direitos no sentido subjetivo, como garantias devidas a cada ser humano em razão de sua humanidade; trata-se ainda de direitos naturais (anteriores a qualquer ordenamento jurídico positivo), abrangendo essencialmente as liberdades e prerrogativas de ordem política e social, de alcance coletivo e universal.

3. A “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, aprovada em 10 de dezembro de 1948, com 30 artigos, usa o ter “Homem” em sentido genérico, referindo-se a todo ser humano, indistintamente. 

4. Um dos grandes mentores da Declaração Universal dos DH foi JACQUES MARITAIN (1882-1973), filósofo tomista, que estudou biologia e foi professor do Institut Catholique de Paris, sendo considerado o mais importante pensador católico do século XX, defensor do humanismo cristão.

5. “Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais” (04.11.1950): tem por objetivo proteger os direitos humanos, permitindo o controle judiciário do respeito dos direitos individuais. Em 1954 foi criada a Corte Europeia de Direitos Humanos.

Declaração Universal dos Direitos do Homem, ARTIGO I : “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com respeito e fraternidade”; Artigo II: “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. ... Artigo III: Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. ... Artigo XIX: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão... Artigo XX: Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica... Artigo XXIII: Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho, ... a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana...” Artigo XXIX: “Todo homem tem deveres para com a comunidade, na qual é possível o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade...”.

6. Constata-se a inclusão do teor destas declarações em muitas constituições e textos legais. A Constituição do Brasil define os direitos humanos assegurados a todos os habitantes do nosso país (mesmo a quem não é cidadão).

7. Na América Latina temos a Convenção Latino-americana de Direitos Humanos  (Pacto de S. José, Costa Rica (1969) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Estatuto aprovado em 1979). O Brasil aderiu a este Pacto em 1992.

8. Os direitos humanos são reforçados através de processos que garantam a autonomia privada e a autonomia pública aos titulares de direitos; essas autonomias se pressupõem mutuamente.

9. Os direitos humanos têm um fundamento racional (são postulados da razão); foram definidos historicamente através de embates políticos, sobretudo contra poderes despóticos.

10. Os direitos humanos têm base no “Direito Natural” (legitimação jusnaturalista): antes de serem definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, constituem verdadeiros direitos ou exigências morais, inerentes a todos ser humano. 

11. Origem dos direitos humanos: a) origem política: de uma vontade coletiva, através de protestos e lutas; b) origem religiosa: convicções de fé (católica, evangélica e de outras crenças); c) origem histórica: expressão de direitos conquistados por grupos de cidadãos, por movimentos ou categorias, em diversas circunstâncias e épocas.

12. São direitos universais, inalienáveis e imprescritíveis: “são direitos intrinsecamente relacionados com a própria existência da humanidade e de seu desenvolvimento histórico, político, econômico e social. São direitos universais, válidos universalmente, inalienáveis, imprescritíveis e que garantem a dignidade do homem perante os demais e também sua autonomia, emancipação e liberdade frente  aos poderes do Estado”. (Henrique Lopes Dornelas (em “A Questão da fundamentação dos Direitos Humanos”).

13. Categorias ou gerações de direitos humanos:
a) direitos de primeira geração: civis e políticos; b) direitos de segunda geração: direitos sociais; c) direitos de terceira geração: sobretudo direitos ambientais; d) direitos de quarta geração: relativos ao patrimônio genético dos indivíduos. Novas carências e conhecimentos levam à definição de novos direitos. 

14. A crise, pela qual passam hoje os direitos humanos, não é tanto uma questão de justificação desses direitos, mas de como protegê-los e torná-los efetivos.

15. Há os críticos e céticos dos direitos humanos, de sua universalidade e aplicabilidade. É preciso distinguir a objeções de fundo das manifestações por preconceito ou desconhecimento.

B. Fundamentação dos Direitos Humanos:
1. Fundamentação ética: 
· Os Direitos Humanos, antes mesmo de sua definição e validação jurídica, fundamentam-se em valores ou convicções profundas do que é justo e bom; são inerentes à pessoa humana. 
· Na base está a compreensão do ser humano como pessoa, sujeito dotado de liberdade e consciência, sentimentos e desejos, que vive em relação com seus semelhantes (em família e sociedade), e capaz de assumir responsabilidades.
· Os Direitos Humanos demandam seu reconhecimento, proteção e garantia por parte do poder público e das leis do país. Por serem baseados na dignidade de cada pessoa, são direitos iguais para todos, válidos indistintamente, sem discriminações de base histórica, cultural, política, religiosa ou de classe social.

2. Fundamentação teológica:
Na Bíblia: AT
· O AT afirma a eminente dignidade do ser humano, que foi criado à imagem e semelhança de Deus: “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher ele os criou” (Gn 1, 27)
·  Essa dignidade recebe especial proteção da lei do AT no caso dos pobres e desvalidos: o trabalhador (salário justo, a ser pago no fim da jornada), do órfão, da viúva e do estrangeiro; 
· Os profetas denunciam as violações desses direitos, a incúria dos pastores: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos...” (Ez 34, 2)
· No NT, Jesus Cristo defendeu a dignidade das crianças, das mulheres, dos enfermos, dos pobres; disse que o Pai celeste cuida de todos, sem discriminar ninguém : “Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos!” (Mt 5, 45). 
· Propôs como meta uma vida plena para todos: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”! (Jo 10, 10).

C. A Doutrina Social da Igreja legitima os direitos humanos: 
· Os Direitos Humanos demandam seu reconhecimento, proteção e garantia por parte do poder público e das leis do país. 
· A Encíclica Rerum Novarum (Sobre a Condição dos Operários), de Leão XIII (1891): assume a defesa dos operários – requer um salário digno e suficiente para o trabalhador e sua família, o direito de propriedade; afirma o dever do Estado de defender o trabalhador contra patrões que o explorem; direito à associação; 
· A Encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra, sobre os direitos humanos), João XXIII, 1963. Assume a Declaração Universal dos Direitos do Homem: “assume direitos e deveres universais, invioláveis e inalienáveis de cada pessoa;  direito à existência, à integridade física, recursos para um digno padrão de vida (alimento, vestuário, moradia, repouso, assistência à saúde, serviços sociais indispensáveis” (n, 11); 
· A Encíclica Laborem Exercens (Sobre o trabalho humano), de João Paulo II, 1981: defende a dignidade do trabalho salário justo (cita a OIT). Vê o trabalho como dever e fonte de direitos para o trabalhador (16). Defende o direito à associação. 
· A Encíclica Laudato Si, sobre o Cuidado com a Casa Comum (Papa Francisco, 2015), voltada para os direitos ambientais, vistos como direitos humanos:

A água como um direito humano essencial: “... O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável” (Papa Francisco, Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum, n. 30).

· As pessoas movidas pela fé cristã denunciam as violações de direitos humanos e se empenham, em nome de sua fé, a defendê-los e promovê-los.
“Os direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, a repressão, os assassinatos, mas também pela existência de extrema pobreza e estruturas econômicas injustas, que originam as grandes desigualdades” (Papa Francisco, 28.12.2013).

D. Direitos humanos legitimados constituem a base de sua definição legal:
a) constitucional:  
“Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.
Título II  - dos Direitos e garantias fundamentais
Capítulo I: dos direitos e deveres individuais e coletivos:
· Artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...”
· Capítulo II: Dos Direito sociais. Artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010).
· Capítulo III: da Nacionalidade. Art. 12: Caracteriza e fala dos direitos e deveres dos brasileiros natos e naturalizados...
· Capítulo IV: dos Direitos Políticos: trata da soberania popular e de como ela é exercida.
· A Constituição do Brasil não define os deveres do cidadão, (ao contrário da Declaração Universal). Só enuncia direitos. O Prof. Ruy R. Ruschel, constitucionalista, sugere que se insira um parágrafo semelhante ao da ONU. 
· Luta contra a corrupção: Ayres Britto, ex-ministro do STF, destaca que a própria constituição dá ênfase ao combate à corrupção: cita o inciso 73 do Artigo 5º:

 “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”;

Jorge Hage, Ministro Chefe da Controladoria Geral da União, destaca três leis, que desdobram a Constituição: a) Lei Anticorrupção (12.846/13), que pune empresas corruptoras (e permite identificar funcionários corrompidos), base da Operação Lava-Jato; b) Lei de acesso à Informação (12.527/11), facilita o acesso às informações públicas; c) a Lei da Transparência (Lei complementar 131/09), que obriga as Prefeituras a colocar suas contas na Internet.

b) De leis e estatutos específicos: 
· Leis complementares que regulamentam preceitos constitucionais. Verificou-se muita demora na aprovação essas leis.
· Estatutos das diversas categorias, com força de norma jurídica:
a) ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (lei n. 8.069, de 1990): regulamenta o artigo 7, inciso 33; complementada pela lei do Aprendiz (dos 14 aos 24 anos), Lei n. 10.097, de 2000.
b) Estatuto da Juventude: assegura os direitos aos jovens brasileiros; sancionada em data de 05/08/2013.
c) Estatuto do Idoso: Lei n. 10.741: estabelece os direitos dos cidadãos de idade acima de 60. Prevê, entre outros, o benefício mensal de um salário para idosos pobres (a partir dos 65 anos).
d) Estatuto da Igualdade Racial: Lei n. 12.228/10, de 2010, iniciativa do Senador Paulo Paim, que visa combater a discriminação racial e as desigualdades raciais que atingem os afro-brasileiros
e) Estatuto do Índio: Lei n. 6001, de 19/12/1793: regula a situação dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, para preservar sua cultura e integrá-los na comunhão nacional.
f) Leis como a Lei de Segurança Alimentar e Nutricional, de n. 11.346, de 15/09/2006: define a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e institui o “Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional” SISAN), proposta pelo  CONSEA (Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional). Define a alimentação adequada como um direito fundamental do ser humano.
· Secretarias e Conferências de promoção de direitos:  dos Direitos Humanos, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de Políticas para as Mulheres, de Segurança Alimentar e Nutricional, 

Concluindo: 
1. Estamos diante “de um grande desafio cultural, espiritual e educativo” (Laudato Si’, 202, falando da ecologia). É essencial trabalhar os fundamentos éticos, teológicos e espirituais dos direitos humanos, como base para promover a implementação eficaz desses direitos, com participação dos próprios interessados e da sociedade civil. 
2. O grande desafio é superar a distância entre as leis e a sua prática, sua efetiva aplicação.  Para isso, torna-se essencial a cidadania ativa, o diálogo, a participação social e ação política.

Frases de Mahatma Gandhi: “Você tem que ser o espelho da mudança que está propondo. Se eu quero mudar o mundo, tenho que começar por mim.” – “O amor é a força mais sutil e mais poderosa do mundo!”

Pelotas, 18 de agosto de 2015 - P. Martinho Lenz, SJ – Capelão da UCPel


Pastoral Carcerária

Padre_Xavier

Direitos Humanos e a Pastoral Carcerária

Certa vez, fui convidado a um debate sobre direitos humanos. A plateia era constituída, em sua maioria, por pessoas que trabalhavam no sistema penitenciário e socioeducativo. Sabia que não iria ser fácil. O clima era tenso, pois havia muitas reclamações por parte desses trabalhadores em relação à atuação dos militantes dos direitos humanos.

Confesso que, em parte, tinham razão. Mesmo tendo que manter uma posição firme contra qualquer intervenção que resultasse em aviltamento da dignidade humana, houve pouco cuidado para com os profissionais dessa área. Não é fácil trabalhar nas unidades socioeducativas e penitenciárias. Os problemas do sistema não afetam somente os internos, mas também os trabalhadores. Olhar para eles e suas necessidades deve se tornar uma pauta do movimento. A humanização do sistema não passa somente pela melhoria das estruturas, mas, sobretudo pela qualificação dos profissionais e pela melhoria de suas condições de trabalho.

Foi justamente para superar essa desconfiança, esclarecer as dúvidas e inaugurar uma nova parceria que aceitei o convite. Comigo na mesa deveria ter outros convidados, mas ninguém apareceu. Mesmo sozinho encarei o desafio.

Acabara de começar minha fala, quando fui logo interrompido por uma pergunta. A partir daquele momento, larguei de lado o texto que preparara e fui respondendo aos questionamentos da plateia. Fui submetido a uma sabatina. As perguntas, em sua maioria, eram duras. Os funcionários externavam seus sentimentos e seus rancores em relação à atuação dos defensores de direitos humanos. Após três horas de debate, a avaliação final foi boa. Senti que aquele encontro inaugurara um caminho envolvendo toda a comunidade socioeducativa e penitenciária no processo de humanização dos respectivos sistemas.

Entre as perguntas houve uma que me atingiu diretamente: “O que têm a ver a Igreja e os padres com essa questão dos direitos humanos?” – disparou uma mulher sentada na primeira fila. No entender dela, lugar da Igreja é na igreja. Para ela, padre se meter nessas coisas é “desvio de função”. Achei ótimo. A pergunta me dava a oportunidade de explicar um assunto que não está claro nem na cabeça do povo que frequenta as comunidades eclesiais.

A Igreja, apesar de seus altos e baixos e de suas contradições ao longo da história, sempre prezou pelo reconhecimento da dignidade humana. Baseada na visão de ser humano que aparece na Sagrada Escritura, reconhece que toda pessoa, criada a imagem e semelhança de Deus, merece respeito. Em virtude de sua intrínseca dignidade, “ela possui em si mesma direitos e deveres, que emanam direta e simultaneamente de sua própria natureza” (Pacem in Terris, 9).

O homem e a mulher, pelo simples fato de sua condição humana, são titulares de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado em qualquer circunstância. Os direitos humanos são inerentes à própria natureza humana. Constituem um direito adquirido que ninguém pode sonegar. Estão gravados no patrimônio genético. “Baseiam-se na Lei Natural inscrita no coração do homem… Estão fundamentados em Deus Criador, o qual deu a cada um a inteligência e a liberdade. Prescindindo dessa sólida base ética, os direitos humanos são frágeis, porque carecem de fundamento sólido” (Bento XVI).

Eles entram em cena desde o momento da concepção da vida e seu reconhecimento concreto é determinante para o desenvolvimento integral do ser humano. Portanto, são universais, invioláveis, inalienáveis, indivisíveis, imprescritíveis e exigíveis. Entre os direitos principais, listados pela Pacem in Terris, se encontram, em primeiro lugar, o “direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida” (idem, 11).

Defender e promover o acesso aos direitos humanos, portanto, faz parte da missão evangelizadora da Igreja. É sinal de fidelidade aos ensinamentos de Jesus. É a prova de autenticidade de sua ação no mundo. Ao defender e promover a vida com dignidade, a Igreja segue o projeto missionário de Jesus que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Para a Igreja, qualquer afronta à dignidade humana é um ato inaceitável. A transgressão dos direitos humanos “deve ser superada e eliminada, por ser contrária ao plano de Deus” (G.S. 29). Cabe às instituições humanas, particulares ou públicas, esforçar-se por servir à dignidade e ao fim da pessoa. Ao mesmo tempo, devem lutar contra qualquer espécie de servidão tanto social quanto política e respeitar os direitos fundamentais do ser humano sob qualquer regime político. (Idem 29)

A efetivação dos direitos, de fato, não depende do favor dos políticos, da magnanimidade dos benfeitores da humanidade ou da boa vontade dos administradores públicos, mas é um dever de justiça que o Estado é obrigado a garantir, tendo em vista a dignidade da pessoa humana e o seu direito à vida.

“A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política. Um Estado, que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a uma grande banda de ladrões, como disse Agostinho… A justiça é o objetivo e, conseqüentemente, também a medida intrínseca de toda a política. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objetivo estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética.” (Deus Caritas Est 28).

Para o Papa Bento XVI, sem respeito à justiça não pode existir uma ordem social ou estatal justa, e não se alcança a justiça sem um prévio respeito aos direitos humanos e à dignidade natural de cada pessoa humana, independentemente da fase da vida na qual ela se encontre.

É evidente que não compete à Igreja apresentar modelos econômicos, políticos e sociais que garantam uma convivência justa e solidária, mas ela dá sua contribuição para a mudança daquelas estruturas que inviabilizam os direitos humanos e compartilha suas orientações para a construção de projetos alternativos que garantam o acesso universal aos direitos humanos.

Através de seus pronunciamentos, das escolas de fé e política e de outras iniciativas de formação, orienta e capacita os leigos e as leigas para que atuem na política, nos movimentos sociais e nos conselhos deliberativos das políticas públicas visando o bem comum, a efetivação dos direitos humanos e o respeito pela vida.

Mas a sua maior contribuição é a atuação de padres, religiosos/as e leigos/as que, de maneira absolutamente desinteressada, saem das estruturas paroquiais tradicionais e enfrentam as “periferias sociológicas” para marcar sua presença solidária no mundo daqueles e daquelas cujos direitos são desrespeitados. Seu testemunho de despojamento e de serviço torna concreto o cuidado de Deus para com os mais pobres e abandonados. Sua atuação é fortemente evangelizadora seja para os empobrecidos seja para aqueles que são responsáveis de garantir-lhes o que lhes pertence de direito. Com o espírito de caridade que emana do Evangelho procuram reduzir o abismo que separa “Lazaro” do “rico esbanjador” (Lc 16,19-31) com a esperança de chegar um dia a uma única mesa onde todo mundo possa sentar em pé de igualdade. O compromisso destes homens e mulheres que aceitam de compartilhar a dor das pessoas violadas em seus direitos estimula as comunidades eclesiais a vestir o avental do serviço e assumir o jeito de ser e de agir do samaritano.

Padre Xavier (padre Saverio Paolillo)

Missionário Comboniano

Integrante da Pastoral do Menor e da Pastoral Carcerária



Tortura em presídios brasileiros é endêmica, diz relator da ONU26

Ivan Richard

Da Agência Brasil 14/08/201517h21

Elza Fiúza/Agência Brasil

Juan Méndez, relator especial da ONU

Resultados preliminares de uma inspeção feita pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em presídios brasileiros, divulgados hoje (14), revelam que a prática de tortura nos estabelecimentos prisionais do país é algo "endêmico" e ocorre de forma frequente e constante, principalmente, nas primeiras horas após as detenções.

De acordo com relator especial do conselho Juan Méndez, apesar de o Poder Público combater e condenar a tortura, o problema persiste no sistema carcerário, impulsionado pela impunidade e pela superlotação das cadeias. Entre os dias 3 e 14 de agosto, ele visitou instituições carcerárias de São Paulo, Sergipe, Alagoas, do Maranhão e do Distrito Federal, a convite do governo brasileiro. Segundo Méndez, o relatório final da visita deverá ser apresentado pela ONU em três meses.

"Não estou dizendo que todos os presos são submetidos [à tortura], mas o número de testemunhos e a contundência dos relatos que recebemos me levam a crer que não seja um fenômeno isolado. Não creio que qualquer pessoa no governo defenda esse método, mas, em termos estruturais, a tortura ocorre e o torturador fica impune", afirmou Méndez, que não antecipou números do relatório.

Segundo ele, é frequente nos presídios o uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bomba de ruído, bala de borracha, choques elétricos e sufocamentos. O especialista da ONU disse que, durante as visitas, constatou a superlotação dos estabelecimentos prisionais, apesar da adoção de medidas como as audiências de custódia, para evitar o crescimento da população carcerária.

Impunidade
De acordo com Méndez, apesar de os presos relatarem a organizações de direitos humanos os maus-tratos sofridos, dificilmente eles oficializam denúncias nos órgãos públicos. Isso ocorre, segundo ele, por medo de represálias e também porque os detentos acreditam que os torturadores não serão punidos. "As pessoas relutam em oficializar as denúncias de tortura. Essa é uma cultura arraigada que, se não for combatida, tende a se tornar ainda pior."

Segundo ele, nas últimas duas décadas, a população carcerária brasileira cresceu de forma muito rápida e hoje o país tem o quarto maior número de presos no mundo. Para Méndez, esse "abrupto" crescimento da população atrás das grades impactou também nos serviços de saúde oferecidos aos presos.

Entre as principais causas apontadas pelo especialista para o rápido crescimento da população carcerária estão a demora para a realização de audiências dos presos na Justiça, que em média ocorrem cinco meses após a detenção, e falhas na política de combate às drogas. "Cerca de 26% de todos dos detentos foram presos com a acusação de tráfico de drogas e pouquíssimos grandes figurões do narcotráfico foram presos."

Para Méndez, a eventual redução da maioridade penal, em discussão no Congresso Nacional, agravaria ainda mais os problemas do sistema carcerário brasileiro. "Processar adolescentes infratores como adultos violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança", disse.

O relator da Comissão de Direitos Humanos da ONU destacou a transparência dos governos federal e estadual e a liberdade que a comitiva da ONU teve para averiguar a situação dos presídios do país. Ele elogiou medidas já adotadas pelo Brasil, como o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura e a instalação da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Recomendações
Os dados preliminares do relatório já foram apresentados pelo especialista a autoridades brasileiras, que também receberam recomendações. Entre elas estão a ampliação das audiências de custódia em todo país, o encorajamento das vítimas para denunciar casos de tortura e a documentação eficaz desse tipo de violação. Méndez esclareceu que o objetivo da inspeção não é impor sanções ao país, mas identificar problemas e cobrar soluções.

Segundo o Ministério da Justiça, o Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho 2014, último disponível, mostra que a população prisional brasileira é superior a 607 mil pessoas e o déficit de vagas passa de 231 mil.
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