Nos dias 18 e 19 de agosto a Universidade Católica, através do Centro de Referência em Direitos Humanos Dom Helder Câmara, realizará o 1° Seminário: Fraternidade e Direitos Humanos. Em consonância com este evento e com o eixo: Direitos Humanos; Opção pelos Pobres; questão social do Projeto “Convite à Reflexão”, a Capelania disponibiliza três textos.
Primeiramente, oferecemos um artigo de Davi Hollenbach, diretor do Centro de Direitos Humanos e Justiça Internacional, no Boston College com o tema “Os direitos humanos em um mundo pluralista e desigual: contribuições das universidades jesuítas” onde escreve “Afirmar os direitos humanos significa que a dignidade inerente a todos os membros da família humana deve se tornar a base organizadora da vida social e política da sociedade global”. O texto também aborda a contribuição das universidades jesuítas e pode iluminar na perspectiva da Identidade Católica.
Em seguida, apresentamos uma entrevista com Salete Valesan, psicopedagoga, mestre em Educação pela USP e coordenadora executiva da Sede Brasil da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Valesan expõe sobre o último Fórum Mundial de Direitos Humanos realizado em 2013, o direito à comunicação e por fim as iniciativas em andamento e os desafios dos direitos humanos no Brasil.
Por último, propiciamos a leitura de um artigo do Centro Scalabriano de Estudos Migratórios sobre o tráfico de pessoas e políticas migratórias. Este tema faz parte do trabalho realizado pelo Pe. Rafael Pinto com migrantes em Rio Grande-RS. Pe. Rafael participará do seminário e sua exposição terá como eixo: “Igreja e Sociedade: serviço, diálogo e cooperação”.
Boa leitura.
Os direitos humanos em um mundo pluralista e desigual: contribuições das universidades jesuítas
"Afirmar os direitos humanos significa que a dignidade inerente a todos os membros da família humana deve se tornar a base organizadora da vida social e política da sociedade global. A Declaração dos Direitos Humanos é Universal porque aplica a todos os seres humanos. A raça branca não domina a não branca; os arianos não são superiores aos judeus; os colonos europeus não são superiores aos colonizados não-europeus, nem os homens são superiores ás mulheres", afirma Davi Hollenbach, diretor do Centro de Direitos Humanos e Justiça Internacional, no Boston College, e publicado pelo Boletim Carta Ausjal, no. 38, 2013.
Eis o artigo.
A globalização tem impulsionado a importância dos direitos humanos, enquanto os padrões normativos procuram moldar as diversas interações religiosas, culturais, políticas e econômicas do nosso mundo. Também tem feito o assunto ser mais polêmico diante das realidades da diversidade cultural e da desigualdade econômica. Durante os últimos 50 anos, as esperanças de que os direitos humanos consigam se tornar normas verdadeiramente efetivas do comportamento internacional têm flutuado como as marés.
1. O surgimento contemporâneo dos direitos humanos
Quando em 1948 foi proclamada a Declaração Universal das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, muitos a consideraram a promessa de que ”nunca mais” seria tolerado o genocídio, e também foi considerada como um compromisso de resistência diante da dominação colonial de um povo sobre outro. Boa parte da recente discussão acerca dos valores globais tem sido formulada em termos de uma ética emergente nos Direitos Humanos, o que é um desenvolvimento importante do período posterior à Segunda Guerra Mundial.
De fato, Mary Ann Glendon, Acadêmica do Direito, tem acompanhado o curso dos rascunhos das Nações Unidas até a redação final, em 1948, da Declaração Universal sobre os Direitos Humanos das Nações Unidas, denominando-a uma constituição para ”um mundo novo”. No inicio dos horrores da Segunda Guerra Mundial ”as nações mais poderosas da terra se inclinaram diante ás demandas dos países menores pelo reconhecimento de um principio comum mediante o qual, os acertos e erros do comportamento das nações poderiam ser medidos”. A ausência de tal principio comum foi considerada uma das causas da própria guerra.
No entanto, de 1948 a 1989 a luta ideológica da Guerra Fria apagou os direitos humanos da agenda internacional, mas a esperança renasceu de novo no período imediatamente posterior. Por exemplo, na conferência das Nações Unidas sobre os direitos humanos em Viena, em 1993, os delegados, que representavam 85% da população mundial, ratificaram a Declaração e afirmaram que o poder universal unificador dos direitos e das liberdades proclamadas era ”indiscutível”.
Mesmo assim, depois dos ataques de 11 de setembro, surge no mundo mais uma vez um forte debate sobre o tema da universalidade. Alguns entreveram um crescente ”choque de civilizações” que colocaria as nações ocidentais, com seus valores democráticos, numa trajetória de colisão com o sistema religioso/moral/legal da Sharia islâmica e com as nações guiadas pelas tradições confucianas e os ”Valores Asiáticos”. Outros, como o ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, consideram que os direitos humanos estão associados à democracia ocidental e ao livre mercado como tendência do futuro global.
Percebendo o anterior como uma arrogância ocidental neo-imperialista, alguns pensadores de países anteriormente colonizados no sul global, assim como acadêmicos ocidentais de tendência pós-modernista, recusaram as normas dos direitos humanos como irremediavelmente ocidentais, em nome do respeito pelas diversas culturas.
2. Evolução da tradição católica no apoio aos direitos Humanos
Diante destas diferenças de opinião, chama poderosamente a atenção, a força com a que a Igreja Católica e a sua diretriz tem chegado a ratificar os Direitos Humanos como normas morais às que todas as nações e culturas devem prestar contas. No fim do século XIX e inícios do XX, vários Papas recusaram os modernos padrões emergentes de direitos humanos, como o da liberdade de religião, ao considerá-los estreitamente vinculados ao laicismo da Revolução francesa, pois relegava a crença religiosa ás margens da sociedade focando-se nos direitos dos indivíduos; o que poderia minar perigosamente a solidariedade social e o compromisso com o bem comum.
Porém, menos de um século depois, o Concílio Vaticano II proclamou que ”o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer (Dignitatis Humanae, No.2). Num dramático giro, o Concílio vinculou todo o conjunto de direitos humanos ao próprio núcleo da Fe cristã.
A partir do Concílio Vaticano II, a Igreja tem se convertido numa assídua ativista defensora dos direitos humanos ao redor do mundo; começando com seu afastamento dos governos autoritários de Salazar e Franco e seu apoio à democracia em Portugal e Espanha na década de 70, continuando a sua luta contra as ditaduras militares, esquadrões da morte, a Lei Marcial na América Latina e nas Filipinas na década de 80, e a sua oposição ao governo comunista na Polônia o qual contribuiu á queda da União Soviética a inícios dos anos 90.
A igreja tem sido uma ativista institucional dos direitos humanos, o que sustenta que um cientista político concluísse que esses marcos históricos notáveis tem tornado a igreja uma força motriz global do avanço dos direitos humanos e da democracia.
As causas desta dramática mudança no ensinamento da igreja acerca dos direitos humanos podem nos ensinar muito sobre a sua importância hoje. A sanguinolenta experiência das guerras do século XX conduziu tanto a sociedade leiga, como a comunidade católica, a adquirir uma nova consciência de que a paz depende do respeito á dignidade humana e aos direitos humanos.
Os desastrosos conflitos da Primeira e da Segunda Guerra Mundial aconteceram quando estavam divididos os povos pelas atitudes de ”nós – contra - eles”, as quais, por sua vez, estavam baseadas em nacionalidade, religião ou etnia. Estes conflitos tornaram o século XX no século mais sanguinolento da historia do mundo. Do mesmo modo, a divisão entre ”grupo superior / grupo inferior” estava na raiz da dominação colonial dos países do sul pelos países do norte, o que frequentemente não deixava alternativa aos povos colonizados que a da recorrer a uma violenta revolta como a única maneira de se libertar da dominação opressora. Igualmente, hoje os sanguinolentos conflitos étnicos e religiosos têm a sua origem na negação da humanidade comum que os direitos humanos universais tentam defender.
A ética contemporânea dos direitos humanos pretende assim derrubar os muros que separam ás pessoas entre as que valem e as que não valem. Afirmar os direitos humanos significa que a dignidade inerente a todos os membros da família humana deve se tornar a base organizadora da vida social e política da sociedade global. A Declaração dos Direitos Humanos é Universal porque aplica a todos os seres humanos. A raça branca não domina a não branca; os arianos não são superiores aos judeus; os colonos europeus não são superiores aos colonizados não-europeus, nem os homens são superiores ás mulheres. A experiência das consequências de dividir a comunidade humana em ”nós” e ”eles” foi a força impulsora por trás da criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e continua sendo fundamental para a ética dos direitos humanos hoje.
O reconhecimento de que a emergente ética dos direitos humanos era uma expressão da nossa humanidade comum, levou ao Papa João XXIII a tomar uma posição inequívoca a favor dos direitos humanos baseados na dignidade da pessoa criada à imagem de Deus. A encíclica de João XIII Pacem in Terris, 1963, apoiou a totalidade dos direitos humanos proclamados na Declaração Universal, tanto os Direitos Civis e Políticos, tais como a liberdade de expressão e de governo autônomo, como os direitos socioeconômicos representados pelos direitos à alimentação e à atenção medica.
As convicções religiosas não devem ser utilizadas para negar os direitos humanos em nome de Deus. Do mesmo modo, a identidade étnica não é uma base legítima para excluir as pessoas de desfrutar dos direitos mais básicos da sua dignidade humana. Assim, os direitos humanos desafiam aos nacionalismos fechados. Os direitos humanos se opõem a qualquer tendência de tornar uma identidade étnica num justificativo para estabelecer privilégios políticos, ou que estes conduzam à opressão de outros grupos étnicos. Os direitos humanos também invocam a solidariedade através das barreiras econômicas, desafiando as graves desigualdades e divisões econômicas que desfiguram o nosso mundo globalizado.
3. Ação da igreja em apoio aos direitos humanos
Desde o Concílio Vaticano II tem havido muitos exemplos de pessoal eclesiástico que exercem a liderança na defesa dos direitos humanos, frequentemente com riscos consideráveis. No inicio dos anos 70, o Vicariato da Solidariedade da igreja chilena foi uma clara voz opositora contra a tortura e os desaparecimentos ocorridos durante a ditadura do General Augusto Pinochet. Trabalhar para o Vicariato significava expor-se ao exílio, inclusive à morte.
O Concílio Vaticano II havia antecipado as objeções à tortura do Vicariato com a sua declaração de que ”as torturas mentais e físicas... são criminosas, degradam a civilização humana, desonram mais aos seus atores do que às suas vítimas, e são totalmente contrarias à honra devido ao Criador.” (Gaudium et Spes, 27)
A oposição da igreja diante da tortura tem sido reafirmada hoje no contexto das respostas dos Estados Unidos ao terrorismo. Falando em nome do Comitê dos Bispos dos Estados Unidos sobre políticas internacionais, o Bispo Thomas Wenski lembrou corajosamente os legisladores norte-americanos que ”o maltrato aos prisioneiros atenta contra a dignidade humana. O respeito à dignidade de cada pessoa, aliado ou inimigo, deve servir como o fundamento da segurança, da justiça e da paz. Não se pode transigir com o imperativo moral de proteger os direitos humanos básicos de qualquer individuo privado da liberdade por qualquer causa.”
Da mesma maneira, em 1986 os bispos filipinos opuseram-se firmemente à tentativa de Ferdinand Marcos de roubar uma eleição presidencial. Declararam que a sua eleição era fraudulenta e que os seus esforços para ficar no poder eram moralmente ilegítimos. A defensa dos bispos ao direito do governo autônomo os filiou com o movimento ”poder popular” que conduziu a Corazón Aquino à presidência. A igreja brindou apoio similar à democracia na Coréia Do Sul, na Lituânia, na Polônia, no Brasil e no Peru.
No entanto, também é verdade que o compromisso da igreja na luta pelos direitos humanos não tem sido sempre uniforme e coerente em todos os países. Durante a chamada ”Guerra Suja” na Argentina no final dos anos 70 e inicio dos 80, a direção eclesiástica continuava muito vinculada ao regime repressivo, e no espantoso genocídio na Ruanda, 1994, quando o país mais católico da África se afundou na mais abjeta forma de violação dos direitos humanos, alguns clérigos ruandeses apoiaram as massacres e alguns bispos não se opuseram.
Não resta dúvida de que o apoio ativo da comunidade católica aos direitos humanos não tem sido parelho, mas também é verdade que dirigentes e membros da Igreja tem contribuído a criar uma força global importante para a promoção dos direitos humanos.
4. A contribuição das universidades jesuítas
Uma pergunta chave para as universidades jesuítas é como podem ajudar, tanto á igreja, como a comunidade leiga a melhorar e a expandir suas realizações. Os direitos humanos representam um aspecto essencial do ”humanismo integral e solidário” que une todas as pessoas na mútua responsabilidade dos seus destinos. A motivação religiosa católica do compromisso com os direitos humanos mistura-se com as motivações filosóficas leigas que levam os não-crentes a trabalhar pelos direitos humanos. Também estabelece a esperança de que um consenso inter-religioso e intercultural acerca dos direitos humanos é possível, inclusive no nosso mundo, diverso e plural.
A sondagem das bases intelectuais nas diversas tradições culturais e religiosas deste potencial consenso deve ser uma importante contribuição da universidade jesuíta na promoção dos direitos humanos nos nossos tempos. A tradição católica possui recursos intelectuais únicos para responder ao desafio cultural dos direitos humanos no contexto da globalização. O aspecto negativo deste desafio evidencia-se na forma em que as tensões da globalização costumam ir acompanhadas de fundamentalismos religiosos autodefensivos e reafirmadores da identidade étnica. As afirmações reagentes da identidade no contexto da globalização são algumas das principais fontes de conflito e guerra na atualidade. É neste ponto onde as universidades jesuítas podem extrair o melhor da tradição intelectual católica para permitir que a comunidade católica colabore com outras tradições em apoio aos direitos humanos de todos.
A própria palavra ”Católico” envolve uma comunidade de categoria universal, mas que não por isto projeta uma visão única da vida boa em termos imperialistas. Portanto, as universidades Católico-Jesuítas têm um papel muito importante na promoção da compreensão intelectual, o que permite às pessoas de diferentes tradições se entenderem umas com outras, para assim conseguirem garantir os direitos fundamentais da humanidade e o respeito para cada pessoa.
Num mundo globalizado estamos destinados a interagir através de fronteiras culturais e religiosas. Atualmente a pergunta é se tais interações serão pacíficas ou violentas, mútuas ou hegemônicas; no caso de serem pacíficas e mútuas precisa-se tanto escutar como falar em conversas genuínas que cruzem os limites que sempre têm dividido ao mundo. Esta forma de escutar e de falar é uma forma de solidariedade, que requer respeito recíproco pelos direitos do outro e também do esforço para o entendimento mútuo. A compreensão que leva ao respeito pelos direitos humanos mediante a solidariedade intelectual é então parte da missão da Universidade Católica Jesuíta.
A universidade jesuíta também esta chamada a fazer uma seria sondagem acadêmica do sentido dos direitos econômicos e sociais num mundo em processo de globalização marcado por uma profunda iniquidade. Os direitos humanos, entendidos tanto na Declaração Universal como no pensamento católico social, desafiam todas as formas de globalização que reforcem a iniquidade e os padrões existentes de exclusão; sejam estes econômicos, políticos ou culturais.
Os direitos humanos devidamente entendidos são o requisito mais básico da solidariedade social. Nas palavras dos bispos católicos dos Estados Unidos, os direitos humanos constituem ”as condições mínimas para a vida em comunidade” . Estes direitos protegem o tipo de participação baseada na igualdade entre todas as pessoas que darão forma às instituições sociais e econômicas do nosso mundo globalizado.
Portanto, os direitos humanos reclamam para todos a garantia da nutrição básica, educação, assistência medica, aceso a um trabalho justamente remunerado e a segurança social. Sem estas mínimas garantias, as pessoas estariam sendo injustamente marginalizadas de participar na comunidade humana; por isso os direitos humanos apresentam grandes desafios à situação econômica mundial de hoje. As universidades jesuítas devem estar na primeira linha de ação de quem procura enfrentar esses desafios.
Consequentemente, existem muitas maneiras nas quais as universidades jesuítas podem contribuir para a causa dos diretos humanos num mundo globalizado, seja dentro da comunidade católica como no mais amplo e religiosamente diverso mundo. Permitam-me lhes sugerir apenas algumas:
1. A missão educativa das universidades jesuítas deveria levar os estudantes a uma compreensão mais profunda da humanidade que compartilham com as pessoas de outras tradições religiosas, culturais e étnicas. A educação que apoia os diretos humanos é uma educação em diálogo, o que permite transitar diferentes tradições. A rede de instituições jesuítas de educação universitária ao redor do mundo é um recurso único para a educação transnacional, transcultural e inter-religiosa. Precisamos desenvolver formas criativas para explorar o potencial deste valioso recurso.
2. A educação jesuíta deve ser uma educação na solidariedade social, o que é essencial para que os direitos econômicos mais elementares dos pobres na sociedade global de hoje sejam considerados, e que, pelo menos uma parte dos recursos seja destinada para proteger a sua dignidade básica. Isto exige uma seria pesquisa intelectual acerca de como as instituições econômicas globais podem e devem mudar de tal maneira a proverem tais direitos para todos; assim como também demanda de um compromisso vivencial por parte dos estudantes para os mais pobres de forma que possam lhes ajudar a desenvolver um genuíno sentido de solidariedade.
3. Os professores jesuítas deveriam estar capacitados para realizar pesquisas colaborativas que cheguem às fronteiras nacionais, culturais, econômicas e religiosas que dividem nosso mundo. A solidariedade intelectual através destas fronteiras deveria se tornar numa pedra angular do estilo das Universidades Jesuítas, possibilitando que os professores realizem sua mais importante contribuição aos diretos humanos.
4. O compromisso da Igreja Católica com a igualdade de dignidade e de direitos para todos, está frequentemente acompanhado nos ensinos oficiais da Igreja, pelo apoio a um tipo de ”complementaridade” das funções de homens e mulheres, o qual com frequência traduzem-se no clamor de que a mulher deveria ser excluída de algumas funções. Como tal coisa pode ser compatível com a genuína igualdade é algo que poucas vezes fica claro; logo há uma urgente necessidade de exploração seria intelectual, da interseção de papeis sociais de gênero e direitos humanos, iguais para ambos os sexos nas diferentes culturas do mundo. À luz do Decreto da Trigésimo Quarta (34)Congregação Geral de Jesuítas acerca da Situação da Mulher na Igreja e na Sociedade Civil, as universidades jesuítas deveriam estar à frente e promover a reflexão Católica e a prática da igualdade de direitos humanos para a mulher.
5. Entre as pessoas cujos direitos humanos têm sido gravemente violentados, encontram-se os refugiados e os imigrantes. As universidades jesuítas podem e devem colaborar entre elas e com o Serviço Jesuíta de Refugiados, no desenvolvimento de estratégias de defesa que promovam os direitos das pessoas deslocadas. Uma genuína educação global é, na sua essência, educação para os direitos humanos, dado que é uma verdadeira educação na área das humanidades. Qualquer educação verdadeiramente humanista deve ser uma educação orientada à luta e às oportunidades, frente à família humana global. Deve ser educação orientada à profunda compreensão e a um maior e mais forte compromisso para os direitos humanos de todas as pessoas; por ser educação na humanidade, também será educação cristã.
Referências
• Mary Ann Glendon, Un Mundo Hecho Nuevo: Eleanor Roosevelt y la Declaración Universal de los Derechos Humanos. (New York: Random House, 2001)
• Mahmood Mamdani, Salvadores e Sobreviventes: Darfur, Política e a Guerra contra o Terror. (New York: Pantheon Books, 2009)
• Samuel Huntington, ”A Terceira Onda”. National Interest 24 (Summer 1991), 29-42.
• Compêndio da Doutrina Social da Igreja. (Vatican City: Libreria Editrice Vaticana, 2004), no. 6.
• Samuel Huntington, ”O choque das Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial” (New York: Simon and Schuster, 1997)
• Conferencia Nacional de Obispos Católicos, Justicia Económica para Todos no. 79. En David
• O’Brien y Thomas Shannon, Pensamiento Social Católico y El Documental del Patrimonio (Maryknoll, NY:Orbis Books, 1992), 576-77)
Os direitos humanos e a violência social. Entrevista especial com Salete Valesan
“Promover o desenvolvimento sem considerar a garantia dos direitos humanos não vai ajudar a superar as desigualdades que existem na nossa sociedade atual”, afirma a pedagoga.
“Estamos longe de ter justiça social, política, ambiental e econômica como princípios que nos regem na vida em comunidade. Quanto mais na dinâmica do mercado, que alimentamos e reproduzimos em forma de desenvolvimento. Promover o desenvolvimento sem considerar a garantia dos direitos humanos não vai ajudar a superar as desigualdades que existem na nossa sociedade atual”, destaca Salete Valesan, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ao comentar a realização do Fórum Mundial de Direitos Humanos - FMDH, organizado em dezembro de 2013 em Brasília.
Salete Valesan é pedagoga e psicopedagoga. É mestre em Educação pela Universidade de São Paulo - USP, coordenadora executiva na Sede Brasil da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso e coordenadora da área de Participação, Sociedade Civil e Processos de Mobilização da mesma instituição. Participa da militância dos movimentos sociais e populares, incluindo as organizações do Fórum Social Mundial e do Fórum Mundial de Educação. De 1980 a 2003, atuou como professora e coordenadora pedagógica nas redes pública e privada de ensino em São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais foram os principais objetivos do Fórum Mundial de Direitos Humanos - FMDH realizado em Brasília?
Salete Valesan - Promover um espaço de debate público sobre direitos humanos no mundo, em que sejam tratados seus principais avanços e desafios, com foco no respeito às diferenças, na participação social, na redução das desigualdades e no enfrentamento a todas as violações de direitos humanos.
IHU On-Line - Houve equilíbrio na representação de organizações estatais e dos movimentos sociais entre as 730 entidades envolvidas na organização das atividades?
Salete Valesan - Podemos dizer que sim. Uma das diferenças entre o Fórum Social Mundial - FSM e o Fórum Mundial de Direitos Humanos - FMDH é esta. No FSM o Comitê Organizador é composto somente pela sociedade civil e no FMDH é composto pela representação da diversidade da sociedade. Isso foi fundamental para o resultado do Fórum.
IHU On-Line - Quais foram os principais debates realizados? Que deliberações foram produzidas?
Salete Valesan – Os temas gerais foram: os direitos humanos como bandeira de luta dos povos – com foco nos movimentos sociais; a universalização de direitos humanos em um contexto de vulnerabilidades; e a transversalidade dos direitos humanos.
Já as deliberações são diversas. Como a criação e fortalecimento de campanhas, redes e fóruns; o lançamento da próxima Conferência Nacional de Direitos Humanos para 2015; a consolidação de grupos de estudos, pesquisas e publicações; a decisão das próximas edições do FMDH – em dezembro de 2014 no Marrocos e em dezembro de 2015 na Argentina.
IHU On-Line - O direito à comunicação foi um dos temas debatidos no FMDH. A promoção dos direitos humanos encontra espaço nas redes sociais? E nas mídias tradicionais?
Salete Valesan - Nas redes sociais, mídias livres e alternativas, sim, pois faz parte da sua natureza. Nas mídias tradicionais, ao mesmo tempo que existe uma possível promoção dos direitos humanos, também existe um culto ao sensacionalismo que sempre promove mais espaço para a divulgação da perversidade, da violência e da reprodução do preconceito.
IHU On-Line - O que a recente publicação de um anúncio no sítio Mercado Livre vendendo crianças negras, em suposto tom humorístico, revela sobre o respeito aos direitos humanos em nossa sociedade?
Salete Valesan - Revela uma sociedade medíocre e preconceituosa. Que está perdendo valores fundamentais da vida em grupo, como a ética, a liberdade, a justiça e o estado democrático de direitos.
IHU On-Line - De que instrumentos a sociedade brasileira dispõe hoje para exercer o direito à comunicação?
Salete Valesan - Das ruas para as mobilizações, das tecnologias livres e criadas pela militância, dos espaços de mídia livre e alternativa, das redes sociais, de algumas legislações, dos espaços de atuação na comunicação como os conselhos, comissões e comitês e da sua militância corajosa que atua por meio de campanhas, redes, movimentos sociais, ONGs, jornais, rádios, TVs, tabloides, muros, paredes, internet, disque denúncias, Lei do Acesso à Informação... Pouquíssimo na grande imprensa, que define e organiza o que é direito à comunicação a partir do mercado.
IHU On-Line - Nesta mesma perspectiva, o que pode ser dito sobre os direitos das mulheres?
Salete Valesan - Aqui no Brasil há um paradoxo. Ao mesmo tempo que avançamos em políticas públicas para promover e garantir os direitos das mulheres, incluindo aqui a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Conselho Nacional e a Lei Maria da Penha, ainda temos um índice alarmante de violência de toda a natureza contras as mulheres. Se considerarmos as meninas, as adolescentes e as jovens que sofrem violência, teremos um quadro assustador.
IHU On-Line - Em que aspectos a sociedade brasileira precisa evoluir em relação aos direitos de grupos sociais marginalizados?
Salete Valesan - Na aceitação de que é excludente, injusta e preconceituosa. Estamos longe de ter justiça social, política, ambiental e econômica como princípios que nos regem na vida em comunidade. Quanto mais na dinâmica do mercado, que alimentamos e reproduzimos em forma de desenvolvimento. Promover o desenvolvimento sem considerar a garantia dos direitos humanos não vai ajudar a superar as desigualdades que existem na nossa sociedade atual.
IHU On-Line - Poderia citar exemplos de iniciativas em andamento no Brasil que contemplem a garantia e a defesa dos direitos humanos?
Salete Valesan - Muitas, tanto pelo Estado como pela sociedade civil. Seguem alguns: Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; Estatuto da Juventude; Estatuto do Idoso; Lei Maria da Penha; Lei de Acesso à Informação – LAI; Comissão Nacional da Verdade; Comissão da Anistia; Pastorais da Criança, da Juventude, da Terra e a Carcerária; Programas de Proteção de Testemunhas, de Vítimas e de Defensores dos Direitos Humanos; Ouvidorias; Disque Denúncia; Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos; Plataforma DHESCA; Mecanismo de Combate à Tortura; Secretaria de Políticas para as Mulheres; Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial; Secretaria de Direitos Humanos; e Conselhos Nacionais.
IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo?
Salete Valesan - É fundamental a integração dos três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – com a sociedade brasileira para construir o que o Fórum Mundial de Direitos Humanos deixou como legado que é uma nova cultura dos direitos humanos no Brasil.
(Por Luciano Gallas)
Tráfico de pessoas e políticas migratórias
Por Roberto Marinucci
Nos últimos meses a imprensa internacional tem relatado graves episódios de tráfico de pessoas e contrabando de migrantes. Podemos citar o caso dos muçulmanos rohingya na Ásia, dos imigrantes e refugiados asiáticos e africanos na Sicília ou dos refugiados eritreus na península do Sinai. São episódios trágicos em que o tráfico de pessoas se entrecruza com a migração. Migrantes forçados ou voluntários ficam envolvidos em redes de tráfico; se tornam vítimas de exploração sexual e de trabalho forçado, são traficadas, deslocadas.
Como erradicar o trabalho forçado e a mercantilização de seres humanos? Em termos políticos, geralmente, o foco da repressão tende a ser prioritário. A fiscalização e a militarização das fronteiras – incluindo a construção de barreiras, valas ou muros – tornaram-se práticas cada vez mais comuns. Uma verdadeira obsessão, como assevera Michel Foucher. É do mês de junho de 2015 o anúncio da construção de um muro entre Hungria e Sérvia. Na União Europeia há planos de bombardear barcos nas costas africanas para combater o tráfico. Cabe lembrar que a pesca é uma das principais atividades econômicas da região: como distinguir os barcos usados para pesca daqueles usados para o tráfico de pessoas ou contrabando de migrantes? Os drones fazem isso?
Mas a questão mais importante é a confusão proposital entre tráfico de pessoas e migração. É evidente que há alguma relação entre os dois fenômenos, mas são práticas diferentes. A confusão entre migração irregular e tráfico para fins de exploração é utilizada de forma instrumental para legitimar políticas migratórias restritivas e, até mesmo, a violação dos direitos dos imigrantes. Conforme os meios de comunicação ocidentais, o atravessador é sempre um criminoso, mesmo quando permite o deslocamento de solicitantes de refúgio. Pessoas traficadas ou solicitantes de refúgio, por vezes, são tratados como "meros imigrantes irregulares” e, frequentemente, devolvidos de imediato – encaliente – sem levar em conta seus direitos. Nessa perspectiva, a luta contra o tráfico identifica-se com a luta contra a imigração irregular.
Na realidade, a principal causa do aumento do tráfico de pessoas em termos internacionais na atualidade é constituída justamente pelas políticas migratórias restritivas e a pela ausência de canais regulares de migração para os solicitantes de refúgio. Por exemplo, pessoas que fogem da Síria ou da Eritreia e querem solicitar refúgio são obrigadas a recorrer a intermediários que, dependendo dos casos, podem ser mais ou menos honestos, mais ou menos caros, mais ou menos escrupulosos e, sobretudo, smugglers ou traffickers: meros atravessadores (coyotes, scafisti ou passeurs) ou traficantes de pessoas para fins de trabalho forçado ou exploração sexual. Dessa maneira, o migrante – voluntário ou forçado – que inicia o deslocamento geográfico como estratégia de sobrevivência biológica ou social, corre o risco de ficar envolvido numa rede de traficantes. Em síntese, as políticas migratórias restritivas, além de violar direitos dos migrantes, alimentam a prática do tráfico de pessoa.
A Anistia Internacional, no recente relatório "La vergüenza de Europa, a pique. Omisión de socorro a refugiados y migrantes e nel mar”, ressalta os custos humanos das políticas migratórias irresponsáveis – ou vergonhosas, na ótica do informe – da União Europeia. A passagem da operação Mare Nostrum para Triton implicou na redução do campo de ação, dos gastos e dos meios de socorro, o que provocou um súbito aumento das vítimas: em 2015, uma a cada 23 pessoas que tentou a travessia no Mediterrâneo morreu afogada, contra uma a cada 53 do ano anterior, à época da operação Mare Nostrum. E não deixa de ser paradoxal que os países que alimentam essas políticas restritivas ou omissas sejam aqueles que ostentam indignação em relação ao tráfico de pessoas, às novas formas de escravidão ou ao tráfico de órgãos. Será que a escravidão de seres humanos é mais criminosa do que a omissão de socorro de pessoas que estão se afogando?
No Brasil, dados recentes do Ministério do Trabalho revelam mudanças no perfil das pessoas resgatadas de condições análogas à escravidão: elas têm mais educação (44% eram analfabetos, em 2007, contra 14%, em 2014), mais idade (46% dos libertados são jovens, contra 56% em 2007) e, sobretudo, há um maior número de mulheres (de 3%, em 2007, para 10%, em 2014). Essas mudanças são o reflexo do aumento da fiscalização em áreas urbanas e, talvez, da maior incidência do trabalho análogo à escravidão. Não é por acaso que até mesmo os novos imigrantes – haitianos, ganeses e senegaleses – estão sendo vítimas de trabalho escravo, tanto no campo quanto nas cidades.
A luta contra o tráfico de pessoas exige uma reformulação das políticas migratórias na ótica dos direitos humanos. Como afirma François Crepeau, relator especial sobre os direitos humanos dos migrantes da ONU, o fechamento das fronteiras é impossível e só fortalece o contrabando dos migrantes e o tráfico de seres humanos.
CSEM
Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios