Pe. Malomar Lund Edelweiss

Monsenhor Malomar Lund Edelweiss

Em boa hora, a Universidade Católica de Pelotas está cuidando de manter viva a memória de seus fundadores, que se doaram com muita generosidade, para que Pelotas tivesse a sua Universidade. Neste artigo, vamos recuperar um pouco da vida do primeiro reitor, Professor Doutor Malomar Lund Edelweiss.

O terceiro bispo de Pelotas, Dom Antônio Zattera, sacerdote zeloso e muito prático, cedo individuou os dois graves problemas sociais a clamar por solução, ligados com sua atividade pastoral. O primeiro grande problema que encontrou foi o dos meninos desvalidos, perambulando pelas ruas da cidade, mendigando, sem família e sem escola. Para sanar essa deficiência, que tanto comovia o coração das pessoas, deu nova vida aos esforços que, no tempo de Dom Joaquim, foram feitos para a criação do Instituto de Menores.

Outro grave problema a enfrentar era o da falta de professores, para as nossas escolas. Quem quisesse um diploma de magistério de uma universidade, obrigatoriamente, devia dirigir-se à Capital do Estado ou contentar-se com o diploma das “Escolas Normais”. Para solucionar essa deficiência, Dom Antônio idealizou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que aceitou seus primeiros alunos em 1953. Nesse empreendimento, foi-lhe de grande valia o jovem padre, recém laureado em Roma, Malomar Lund Edelweiss.

A amizade de Dom Antônio com o jovem Malomar vinha dos tempos em que o bispo de Pelotas ainda era pároco em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, para onde acorria Malomar como chefe de grupos escoteiros de Porto Alegre, em busca de paragens amenas, para acampar. Quando, em 1942, o pároco de Bento Gonçalves foi nomeado bispo de Pelotas, a amizade entre os dois ainda mais se estreitou, pois Malomar, pelo lado materno, descende da tradicional família pelotense dos Lund.

Malomar nasceu em Santa Cruz do Sul, no dia onze de janeiro de 1917. É filho de Frederico Edelweiss Griesbaum e de Henriette Lund. Pelo lado materno, é neto de Carlos Lund e Isabel Soveral Lund. Foi batizado em Canela, então paróquia de Gramado, no dia dois de março de 1918. Mas a vida do menino Malomar foi marcada fundo pela perda de sua mãe, já aos sete anos de idade. O pai, no entanto, proporcionou-lhe sempre as melhores oportunidades de aprender nos colégios católicos da Capital, onde fixara residência.

Quando Malomar terminou na Capital a Faculdade de Direito, da Universidade do Rio Grande do Sul, seu pai vencia o concurso para professor da Língua Tupi-Guarani, na Universidade da Bahia, para onde se transferiu imediatamente. Malomar, depois de amadurecida reflexão, decidiu responder ao chamado de Deus para o sacerdócio. Sua escolha, pelos laços de família e pela amizade com Dom Antônio, é encardinar-se na Diocese de Pelotas, apesar das justificadas tentativas do Arcebispo Dom João Becker de que permanecesse vinculado a Porto Alegre.

Estávamos no fim do segundo conflito mundial, em 1945. O Pontifício Colégio Pio Brasileiro de Roma reabre as suas matrículas para as dioceses do Brasil enviarem novos alunos. Dom Antônio, a fim de fixar a escolha de Malomar em Pelotas, oferecendo-lhe os estudos da Teologia, na Universidade Gregoriana de Roma, matriculando-o no Pio Brasileiro. No entanto, dois anos depois, por razões de saúde, tem de voltar, dando continuidade ao curso de Teologia no Seminário Central de São Leopoldo.

Sua ordenação de presbítero realizou-se no dia 28 de novembro de 1948, na Catedral de Pelotas – naquele tempo, ainda na fase final das obras de construção do novo presbitério, encimado pela grande cúpula, posteriormente decorada por Aldo Locatelli. Dom Antônio tem a alegria de ordenar seu amigo, o jovem Malomar Lund Edelweiss, no ano em que festeja os seus vinte e cinco anos de sacerdócio.

Exatamente, nessa ocasião o neo-sacerdote Malomar recebe de amigos porto-alegrenses uma bolsa de estudos em Direito Canônico na Itália. Chega-lhe a oportunidade, tão esperada, de compor, com os estudos necessários para a láurea em canonística, o aprofundamento em Psicanálise, em Viena. Essa experiência com os Mestres da Psicanálise vai ocupar o jovem padre pelo resto da vida. Em Viena, ele encontrou a direção do seu campo de trabalho. Tão bem soube aproveitar suas estadas na capital austríaca, que captou o interesse e a amizade do ilustre Professor Igor Caruso, já nesse tempo festejado autor de várias obras de Psicanálise, de cunho personalístico.

Em 1953, Pe. Malomar, laureado no Angélico de Roma, em Direito Canônico, mas vivamente interessado nos temas e na prática da Psicanálise, está em Pelotas, hospedado no Bispado, trabalhando ao lado do seu Bispo e amigo, Dom Antônio. Aí têm um convívio diário, tomam as refeições juntos; há também a presença de outros padres que trabalham na Catedral, entre eles Pe. Antônio Botton e Pe. Carlos Johannes, todos mais ou menos da mesma idade. Das conversas dessa gente, cheia de ideais, firma-se o propósito de fundar na cidade uma Escola Superior, a fim de dotar Pelotas de um novo centro de cultura e, a zona sul do Estado, de professores para a sua juventude. Está fundada a Faculdade Católica de Filosofia e Dom Antônio tem preparado o seu diretor, na pessoa do Pe. Malomar.

Do epistolário entre os dois – porque todos sabem que Dom Antônio viajava muito e Pe. Malomar, sempre inquieto, também – descobre-se como foi difícil a implantação de nossa Faculdade de Filosofia, germe pujante da futura Universidade. Mas, para esses amigos, a dificuldade é só mais um desafio a vencer. E as mil exigências burocráticas e a falta de mestres titulados, para a docência na novel escola superior católica, são superadas galhardamente.

Nesses primeiros anos da Faculdade de Filosofia, Pe. Malomar divide o seu tempo, na direção da Faculdade e no atendimento aos pacientes que o procuram no Instituto de Psicologia, fundado por ele, com a personalidade jurídica da Mitra Diocesana de Pelotas, que é também a mantenedora da Faculdade Católica de Filosofia. Seu ministério sacerdotal fica enriquecido pela assistência, como capelão, às Irmãs Carmelitas, no recém criado Carmelo de Pelotas. Alunos da Faculdade Católica de Filosofia, que haviam participado da Ação Católica, decidiram fundar na Cidade a JUC “Juventude Universitária Católica”. Receberam logo todo o apoio do Pe. Malomar. Através de encontros, preparavam também a Páscoa dos Universitários, ocasião em que os estudantes das outras Faculdades de Pelotas participavam.

Malomar está sempre pensando alto. Quer expandir ainda mais os serviços que presta a psicologia e sua preparação nesse campo, aconselhado pelo amigo de Viena funda o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, em 26 de setembro de 1956, com a presença em Pelotas do Dr. Igor Caruso. São membros fundadores do Círculo, com Pe. Malomar, os seus amigos e colaboradores: Francisco Vidal, Gerda Kronfeld e Siegfried Kronfeld. Na secretaria da Faculdade e do Instituto, conta com a competente e valiosa colaboração de Glecy Zunino.

Chegamos, assim, ao ano de 1960. A Diocese de Pelotas está para festejar os cinqüenta anos de fundação. No plano pastoral, Dom Antônio projeta comemorar o jubileu da Diocese, com a realização do Segundo Congresso Eucarístico Diocesano. No plano social, o jubileu da Diocese será marcado pela fundação da Universidade Católica de Pelotas. A primeira Universidade no interior do Estado 1. Para essas solenidades, o bispo empreendedor convida o Núcleo Apostólico, Dom Armando Lomardi e todo o episcopado gaúcho, secundado pelas mais altas autoridades civis do Estado. O ato solene da instalação da Universidade Católica ocorreu no Teatro Guarany, onde Pe. Malomar, recém criado Monsenhor Camareiro Secreto do Papa, recebe o encargo de primeiro Reitor da nova Universidade. Agora é preciso dar-se ao trabalho de agrupar as Faculdades já existentes e de pensar na criação de uma escola superior de Medicina, a quase obsessão do bispo diocesano... Mas em tudo isso, Dom Antônio está presente e se vale do Reitor, sobretudo para os necessários contatos com as autoridades e com os mestres que residem na capital do Estado e na capital da República. De novo, é do epistolário de Pe. Malomar com seu bispo, que se pode concluir quanto lhe foi útil, para a implantação da Universidade Católica, a preparação acadêmica e os conhecimentos privilegiados que tem o primeiro reitor.

Nos anos imediatos à fundação, a Universidade dá seus primeiros passos, mas sofre com a dúplice ausência de seu reitor, que se transfere para Belo Horizonte, e do Chanceler, obrigado às sessões do Concílio Vaticano II.

A ida a Belo Horizonte foi motivada por fatores diversos, o mais constringente foi a saúde de Pe. Malomar que não se acostumava com o clima úmido e com os rigorosos invernos de Pelotas. Nessa decisão de transferir-se para a capital mineira, foi decisiva a acolhida que lhe deu o seu amigo e antigo colega de Pio Brasileiro, Monsenhor Serafim de Araujo, então nomeado bispo auxiliar de Belo Horizonte, hoje Cardeal e Arcebispo emérito daquela capital. Lá, Malomar fixou residência, dando-se sobretudo ao trabalho de psicoterapeuta, mantendo, além do consultório, intensa atividade docente e grupos de sacerdotes, médicos e psicólogos que o procuram. Dessa atividade temos conhecimento não só por suas entrevistas, como pela publicação de artigos e livros de sua autoria 2.

Sua atividade de sacerdote, ele a exerce semanalmente, por recomendação de Dom Serafim, seu amigo, na periferia da grande Belo Horizonte, coadjuvando nas paróquias mais necessitadas.

Nessa última fase mineira, Malomar se especializa no estudo e, depois, na prática do uso da hipnose, para resolver diversos problemas psicológicos de seus pacientes. Toda atividade se faz em consonância com o Círculo Brasileiro de Psicanálise, novo nome do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, fundado por ele em Pelotas, por ocasião da visita de Igor Caruso à nossa cidade em 1956. Pe. Malomar é reeleito presidente do Círculo até 1976.

Mas Malomar não esquece Pelotas, onde tem muitos amigos e acompanha, mesmo de longe, o crescimento da Universidade Católica. Nas visitas à cidade, aproveita para ministrar cursos de Extensão Universitária, na sua especialidade.

Numa dessas vindas a Pelotas, a Universidade que ajudou a fundar, reconhecida, outorgou-lhe, por decisão do Conselho Universitário, o honroso título de Doutor honoris causa. Nesta oportunidade, recebia a mesma honraria seu amigo, o ilustre pelotense, por muitos anos diretor da Faculdade de Direito de Pelotas, Dr. Bruno Lima.

Em 2007, Pe. Malomar completava noventa anos, ainda lúcido mas alquebrado pela idade, continuando em Belo Horizonte, na sua bela residência da rua Gonçalves Dias, o seu trabalho de estudioso, recebendo a visita de seus ex-alunos, alguns deles altas figuras de psicoterapeutas e psiquiatras de Minas Gerais. Foi lá que veio a falecer, serenamente, na companhia das pessoas de sua amizade, que o ajudaram até o fim. O seu desenlace ocorreu no dia seis de outubro de 2010.

Resumindo sua vida de pesquisador e de padre, de pessoa dedicada a aliviar o sofrimento dos outros, com os instrumentos que lhe oferecia a psicologia do profundo, apreendido com Freud e Caruso, podemos dizer como os antigos: Divinum opus est sedare dolorem 3.
Pe. Aldo S. Lorenzoni
(No segundo aniversário do falecimento de Pe. Malomar.)

1 A UCPEL foi fundada a sete de outubro, a Universidade Federal de Santa Maria foi fundada em 14 de dezembro de 1960.
2 Entre as obras de Pe. Malomar podemos destacar seu último livro: "Com Freud e a Psicanálise de volta para a Hipnose". Editora Lemos, São Paulo, 1994.
3 'É obra divina aliviar o sofrimento', dito atribuído a Hipócrates, pai da Medicina.

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